domingo, 30 de junho de 2013

Salta pocinhas, perdão, fogueirinhas!

Frustração s.f. Ação de frustrar.
Psicanálise: Estado do indivíduo que, por não ter satisfeito um desejo ou tendência fundamental, se sente recalcado: complexo de frustração.


Eventualmente a Corrida das Fogueiras e os amigos que me acompanharam não terão as palavras que merecem porque a minha cabeça estava num outro lado. As minhas desculpas por isso.
Mas, se decidi escrever e partilhar as minhas experiências na corrida, tenho que o fazer de forma genuína.
Neste caso tinha duas hipóteses.
Não escrever e ficava o assunto arrumado.
Escrever e... escrever como sei. Assim.


Frustração, Susana?! Porquê?

Porque se o mundo fosse perfeito, neste momento estaria a escrever sobre a demoníaca experiência vivida na Serra da Freita. Sobre o calor que havia enfrentado. Sobre as subidas que me tinham deixado um nó no estômago. Estaria a escrever sobre aquela coisa a que chamam de "besta".
Estaria também a justificar porque não tinha chegado aos 70 km - a meta, portanto. Mas estou certa que estaria a relatar aquilo que o meu coração genuinamente teria gostado de fazer.
Porque não estive lá, perguntarão? Porque, simplesmente, me lembrei que se calhar podia tentar... tarde demais.
Tento convencer-me que a serra ainda está lá e, a menos que se dê um qualquer movimento tectónico inesperado, poderá esperar por mim em 2014.


Voltemos às Fogueiras 

Há vários meses que estou inscrita na corrida. O ano passado tinha-me inscrito, mas acabei por não ir. Este ano tinha que experimentar aquela que dizem ser das corridas de estrada mais bonitas e míticas de Portugal.
Segui num grande grupo (grande no sentido de numeroso e grandioso!) do Portugal Running. O Miguel - grande dinamizador - tratou de arranjar uma carrinha para todos.
Porque não estava nos melhores dias, sentei-me no banco da frente. Sim, aquele que nas visitas de estudo da escola estava reservado aos "nerds", lembram-se? Lá atrás era sempre muito mais divertido. A galhofa era garantida!
E assim foi. Depois de várias insistências de amigos perguntando o que tinha, lá fui respondendo que era "sono", "calor", por aí fora. Cá dentro, sei bem que o problema se chamava Serra da Freita.
Chegados ao local, recolhemos os dorsais e iniciámos os preparativos. Há muito que não via tanto atleta reunido. Na montanha somos menos, muito menos!


A corrida

Valeu ir a Peniche pelo troço junto ao mar, ladeado de fogueiras. Diz quem já fez a corrida que este ano eram menos... as fogueiras. Mas muitos mais atletas.
Valeu também pelo apoio e palavras de incentivo das gentes locais, que se distribuíram ao longo dos 15 km festejando a passagem dos corredores. Neste ponto tenho que referir que adoro ser mulher. E é bom ser mulher num desporto onde a maioria é ainda do sexo oposto. Quando uma mulher passa, as outras mulheres, aquelas que gritam palavras de apoio, gritam mais alto. E, pasmem-se, se sorrirmos (coisa difícil na minha pessoa, como se sabe), gritam ainda mais alto.
Pois bem... fartei-me de sorrir e, em resposta, os apoiantes gritaram ainda mais alto. Ter-se-á desencadeado um qualquer fenómeno físico, pois corri como nunca havia corrido.
Quando dei conta, as minhas passadas eram enormes! Eu que corro como os pintassilgos, estava de facto a... correr!
Falando à moda da "malta da estrada", quase bati o meu PBT aos 10 km (menos de um minuto de diferença, creio) e bati seguramente o meu melhor tempo aos 15 km.
Cheguei exausta, claro. Afinal, na estrada, vesti outro papel - que não é o meu - e que se traduz em chegar o mais rápido possível do ponto A ao ponto B.
No final, este numeroso e grandioso grupo do Portugal Running partilhou um grande repasto, onde nada faltou. Confesso que perdi demasiado tempo no banho - porque não o tive durante a prova (!) -, pelo que terei perdido seguramente a melhor parte do convívio.
Redimir-me-ei da próxima vez com as minhas trufas de chocolate!


Pai, fiz o que me pediu!

Há 5 meses para cá que o meu pai me pede quase diariamente para fazer provas com menos quilómetros. "Essas provas intermináveis fazem-te mal, Susana. Podes não o sentir agora, mas senti-lo-ás mais tarde, quando tiveres a minha idade, é certo", alerta-me o meu pai a toda a hora. "Porque não desistes de investir na distância e te concentras antes em fazer as corridas mais rápido?", tem sugerido o meu pai.
Pois bem, pai. Ontem fiz o que me pediu. Corri pouco e rápido! Tão rápido quanto pude!
Mas o que eu gosto mesmo é de outra coisa.
Eu gosto de quilómetros, muitos!
E gosto de os palmilhar correndo, andando e banhando-me quando posso!
Eu não gosto de alcatrão. Gosto de pedras, cascalho e folhinhas. Gosto da companhia das árvores, dos cheiros e da luz que só há na montanha.
E, por isso pai, assim que possa, voltarei para lá!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Loucos da Reixida

Louco: adj. Diz-se daquele que perdeu a razão; alienado, doido, maluco. Insensato, temerário, estróina. Furioso, alucinado. Perturbado, dominado por violenta emoção: ficou louco de alegria. Intenso, vivo, violento: amor louco. Absurdo, contrário à razão: projeto louco.

Alguns já se vão habituando aos meus longos testemunhos, resultado da acumulação de provas e kms, sempre em modo lento, claro, para tudo melhor disfrutar!
Esta tarefa – escrever – é tanto mais fácil quanto mais longa é a partilha com a serra. Adoro passar horas a fio com ela e, geralmente, quando a deixo, já tenho título e argumento para o meu escrito. Não sei se preciso de correr para escrever ou escrever para correr. Creio que uma coisa alimenta a outra. E vice-versa.
As provas mais curtas não deixam de ser encantadoras, e acabo por sentir esta necessidade de deixar duas palavras de reconhecimento para com quem as organiza. Vivemos num mundo onde é tão fácil criticar. Os elogios, esses, pagam-se a peso de ouro. Deixo-os aqui gratuitamente. E de forma mais que merecida, claro!

O que é isso dos trilhos loucos?

Nunca eu fui tão “às escuras” para uma prova. Quantos kms? Qual o desnível? Que serra vou subir? Quantos abastecimentos? Mais… onde fica mesmo essa coisa chamada Reixida? “Leia o regulamento”, dizem! Mas… qual regulamento?!
6.30 AM. Sento-me no banco de trás do carro e sou conduzida durante 150 km pelo piloto Pedro e co-piloto Ricardo. Sabe tão bem não fazer nada! E a seguir descansar. “Infelizmente”, fui lá para correr.

A loucura – parte 1

Chegados ao destino dirigimo-nos à associação lá da terra para levantar os dorsais. E que surpresa tenho reservada para mim? Dois dorsais. “Menina, é só escolher. 247 ou 213!”. Escolho a segunda opção. Fica por saber se me inscrevi duas vezes ou se as gentes desta organização são mesmo tão loucas que me atribuíram dois dorsais.

Os suspeitos do costume

Se há coisa que me agrada nesta vida de montanha – uns correm, outros pastoreiam, como eu – é rever os suspeitos do costume. Uns estiveram nos Trilhos dos Abutres, outros na Arruda dos Vinhos, outros nos Trilhos do Pastor, outros nos Ultra-Trilhos de Sesimbra (e eu até os ultrapassei, vejam só!), outros em São João das Lampas, outros em São Mamede, outros ainda em Vila de Rei. Mas há um núcleo mais ou menos alargado cujas caras já vou reconhecendo, de quem sei o nome, se correm muito ou assim-assim, que loucuras fazem na corrida e por aí fora.
Gosto do “tu cá tu lá” da montanha. Na montanha não há doutores, professores ou engenheiros. Gosto de chegar aos abastecimentos e deparar-me com a dificuldade de decidir se como primeiro a banana ou a marmelada. Já agora, podem incluir queijo, também? Sou meia-do-norte e é das melhores sobremesas que há!
Agrada-me poder usufruir da companhia de quem corre ao meu ritmo a cada momento – e, a verdade é que, mesmo numa prova de 21 km, foram tantos os ritmos e as companhias (mas também a ausência dela que sabe tão bem!), que o modo “enfado” se assume como uma verdadeira impossibilidade!
Desta vez tive a companhia de Lisboa, mas também da auto-designada comitiva alentejana (o “alto” e o ”baixo” Alentejo!) e sei lá de que regiões mais!

Os trilhos

Ora bem. Não corri à velocidade da luz. Nem bati o meu PBT aos 21 km. Não vos direi que subi paredes onde supliquei pelos meus bastões. Nem que as descidas me custaram ainda mais aos joelhos do que as subidas. Também não vou referir que adorei os trilhos onduladinhos. E os estradões. E os moinhos de vento. Ai, os moinhos de vento que dançam e dançam! E o banhinho na nascente? E os mergulhos no Lis? Devo ser arraçada de peixe!
Também vou omitir que dois alentejanos que vinham em amena cavaqueira me fizeram escorregar e ”cair de rabo”. Não uma, mas duas vezes! Um deles lá se redimiu, oferecendo-me mais tarde uma ameixa ultra-doce que apanhou numa árvore que estava no sítio certo do trilho que percorríamos. O “outro” alentejano está também perdoado. Apenas porque tem o nome do meu mano. E porque teve a gentileza de me indicar qual a sua viatura para que nela possa desenhar o já anunciado “S” de Susana no capot.

No meio da loucura da Reixida, aprendi duas coisas…

Nenhuma prova é demasiado curta para usar os bastões…
Usar sempre o camelback em detrimento dos cintos “Lara Croft” que só atrapalham. “Despachei” literalmente o meu aos 4 km. Fiquei de o recuperar na meta, mas já nem me lembrei dele. O simpático senhor da organização que fez o favor de o guardar faça bom uso dele!

A massagem depois do banho e do almoço (maravilhoso, por sinal!)

Esqueçam os luxuosos SPAs. Esqueçam essas salas lindinhas, a meia luz, com cheirinho a incenso e música zen.
As melhores massagens acontecem numa garagem da Reixida, pelas mãos, perdão, tenazes, do Nuno. É Nuno, não é Anabela?
Enquanto aguardava pela minha vez, duas meninas seguiram na frente. Contorceram-se, gritaram, quase espernearam. Pensei para comigo “que fiteiras, que disparate, que tontas”!
Pois bem. Pela boca morre o peixe. E eu mordi um anzol do tamanho do mundo. Para não chorar desatei a gargalhar e enterrei a cabeça na marquesa. Uma coisa é certa – 24 horas depois estou fina como nunca estive!

The End

Srs. organizadores dessa coisa linda que são os Trilhos Loucos da Reixida: são loucos mas não perderam a razão! Ganharam-na!
E ganharam também mais uma fã-louca dos vossos trilhos!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Crónica de uma vitória anunciada



Vitória: s.f. Ação ou efeito de vencer. Qualquer sucesso, êxito ou vantagem alcançada. Triunfo. (Do Lat. victoria)


Em vários momentos no sábado, debaixo de “60 ºC à sombra”, me lembrei das palavras que tinha partilhado no dia anterior.
Em vários momentos sonhei estar descalça, a pisar areia e a banhar-me nas águas do mar.
Mas tive o que havia desejado para mim naquele dia: cascalho, pedras e folhinhas. Assim como derreter ao sol. E banhar-me num dos muitos afluentes do Zêzere.
No sábado participei na segunda edição da prova Oh Meu Deus – Vila de Rei. E não a esquecerei.


Dureza…

Dois dias depois as emoções estão ainda à flor da pele. Foi duro, muito duro. Não sei se foi a prova mais dura que fiz. A verdade é que tenho ainda muito presente a aventura UTSM, com os seus 100 km e, claro, a subida a Marvão. Mas, uma coisa é certa. O meu corpo diz-me que sim. Os meus quadríceps dizem-me hoje que, no sábado, experenciei a prova mais dura até aqui.
Felizmente a mente humana tem a capacidade de eliminar seletivamente alguns registos. E, geralmente, tende a apagar os ficheiros menos bons, guardando apenas as boas recordações. Tal qual quando perdemos alguém de quem gostamos muito.
De Vila de Rei, só guardarei coisas boas.


O meu primeiro briefing

Pela primeira vez numa prova, decidi assistir ao briefing que a antecede. Cheguei a Vila de Rei na véspera e rumei ao pavilhão onde receberíamos algumas dicas importantes.
O Paulo Garcia, diretor da prova, já falava para um pequeno grupo quando entrei. Falou-nos do percurso e das suas dificuldades. Do calor que se iria fazer sentir. Do vento, que até saberia bem, mas que seria um fator acrescido para rapidamente chegarmos ao estado de desidratação. Das subidas. Das descidas. Dos trilhos técnicos. Dos estradões e das fitas de marcação. Nada ficou esquecido.
Saí de lá um pouco alarmada e, seguindo a estratégia que apontei acima, fiz reset ao que me assustava e concentrei-me no importante: “Susana, as fitas de marcação são de cor laranja. É esse o caminho a seguir”.


Um caso de polícia em Vila de Rei

7h30 da manhã e dirijo-me para o local da partida. Quando chego, já lá está o Carlos Freire e dois amigos – a Aida e o David – ambos da Policia Judiciária. O Carlos, não sendo polícia, é perito de balística da PJ. Naquela manhã estava sem bata branca e fugira do laboratório!
O grupo era pequeno – 38 atletas – contemplando três senhoras na prova de maior distância. Confesso que vinha consultando a lista de inscrições nos últimos dias, procurando ver as últimas atualizações. Se se mantivessem as três inscrições femininas, teria apenas que garantir que chegaria ao fim para assumir o terceiro lugar. Depressa o “apenas” se converteu numa árdua tarefa – a prova não tinha sido desenhada para “maçaricas” como eu.
A partida foi anunciada e lá saímos em ritmo sereno. Era tão sereno que consegui correr lado-a-lado com o Luís Mota. Reformulo. Consegui correr dois metros lado-a-lado com esse super-herói-da-montanha.
Foi precisamente com a Aida, o Carlos e o David que percorri a primeira metade da prova. Raramente deixei a posição “último lugar”. Uma ou outra vez lá brincava com os três, adiantando-me um pouco, rindo e perguntando se porventura tínhamos ido a Vila de Rei para alguma caminhada!
Por várias vezes vi o Carlos parar e aguardar debaixo da sombra de uma árvore. Quando passava por ele, logo lhe ralhava, dizendo que devia seguir e que estava proibido de esperar por mim. Eu safar-me-ía seguindo as fitas laranja fluorescentes.
Rapidamente me apercebi que sou ótima a falhar percursos. Vou demasiado focada no solo. No tal cascalho, nas pedras e nas folhinhas. E lá me escapa uma fita laranja do mais fluorescente que há!
Lá seguimos, dois polícias, um perito de balística e uma safada (eu própria, pois não esqueço o que exclamou um também polícia em Sevilha, quando me viu correr de saia de sevilhana), serra acima, serra abaixo. Sempre adiante. Subindo. Descendo e… catrapum! Numa descida, escorrego e enrolo-me nas silvas. Alguns arranhões, um polegar que desata de imediato a inchar, duas ou três palavras menos dignas de uma senhora, mas perfeitamente adequadas a uma safada, e continuamos caminho.
Antes de atingirmos o Centro Geodésico de Portugal – sim, o meio, mesmo o meio de Portugal! – passamos por uma hortinha, onde uma “Dona Aparecida” rega as suas couves e alfaces. Abeirei-me da senhora e perguntei se me podia ajudar, facultando-me água para lavar o braço que ostentava uma mistura de terra e sangue. Pois bem. Não só me lavou o braço, como o esfregou. “Ai coitadinha da menina, o que lhe foram fazer”, exclamou a generosa senhora. Perdi a coragem de lhe dizer que eu própria tinha tratado de assegurar uma maldade daquelas!
E assim continuou a perseguição policial serra acima e serra abaixo. Uma estranha perseguição. Nesta história, a safada vai atrás dos dois polícias e do perito de balística e não ao contrário. É mesmo safada!

Grandes Horizontes

Seria injusta se não falasse da organização (Horizontes) em geral e dos abastecimentos em particular desde já.
Tudo decorreu efetivamente de forma extraordinária. O percurso. As marcações. A equipa de apoio que, sem exceção, acolheu os atletas de forma exemplar. A papinha estava deliciosa. Até creme protetor nos ofereceram! No abastecimento de Formosa, a menina (esqueci o nome, lamento) proibiu-me determinantemente de colocar o protetor solar “genérico” no rosto e foi buscar o seu à mala para me dar. Protetor solar exclusivo para rosto da Avène, vejam só!
A cereja no topo do bolo, corrijo, a azeitona no topo da tosta barrada com paté de atum foi divinal!
Os “ratos da cidade” precisam sem dúvida visitar os “ratos do campo” e aprender com quem percebe de cidadania!

O Centro Geodésico de Portugal

O Picoto da Milriça acolhe aquele que é o centro de Portugal. E que centro este, vos garanto! Para lá chegarmos, iniciamos uma subida que nos consome toda a energia. O calor forte já se faz sentir. Quando julgamos que nada pode piorar, defrontamo-nos com uma subida vertiginosa que se desenvolve sobre calhau. Naquele momento lembrei-me da fase final da subida a Marvão, confesso. Os “degraus” formados pela pedras são de tal forma desnivelados que nada mais merecem do que os meus protestos por ter duas pernas curtinhas.
Chegados lá acima, o cenário é, aí sim, de cortar a respiração. Geograficamente estou perdida, é certo, mas sei que devo avistar algures a minha adorada Serra da Lousã e, em dias limpos como o que se verificava, à distância de 100 km, a Serra da Estrela. Absolutamente lindo. Senti-me muito, mas mesmo muito pequenina naquela vastidão que os meus olhos alcançavam.

Entre as Trutas e o Penedo…

Nesta parte do percurso segue ainda junta a comitiva da PJ e a safada. Converso um pouquito com a Aida. O David lá vai protestando e brincando comigo, dizendo para me apressar pois já se vai fazendo tarde. Mas, na maior parte das vezes, seguimos calados. É ótimo também!
Avistamos água e calculamos que o Penedo não esteja longe. “Se o Penedo não está longe, a minha banhoca está por perto também”, penso.
Mas as gentes da Horizontes são da mesma escola das gentes de São Mamede. “Descubra a forma mais penosa e longa para chegar do ponto A ao ponto B”, é o lema das escolas de marcação de percursos de montanha. Já lhe estou a apanhar o jeito e um destes dias organizo eu uma brincadeira destas para me rir, sentada na poltrona, à custa das agruras dos atletas!
Depois de muito subir e também descer, estamos praticamente dentro de água, caminhando ao longo da barragem. Em equilíbrio lá vamos seguindo, entrando finalmente em solo firme, mas continuando acompanhados por água à nossa direita.
E eis que… o paraíso aparece defronte de mim! Uma linda piscina, com cascata incorporada. Não vou seguramente recusar o convite que me faz para me refrescar. Tiro os ténis e tiro as meias. Arrefeço um pouco as pernas enquanto lavo os ténis e depois… “Splash, a caracoleta!” (lembrar-se-ão do título da versão original, presumo). A caracoleta nadou, mergulhou, foi junto da cascata e aproveitou os benefícios daquela água gelada em cada tendãozinho do seu corpo. Quando apareceu o fotógrafo Pedro que nos havia apanhado um pouco mais atrás, tratei de confirmar que o Luís Mota chegaria rápido à meta mas não tinha usufruído de um banho assim! As minhas convicções estavam certas!

Do Penedo à Formosa

Chegamos ao abastecimento do Penedo, onde nos demoramos um pouco. Depois do banho refrescante, há que repor energias. A Aida e o David partem primeiro. Fico para trás com o Carlos. Reenergizados, seguimos caminho. Estamos a meio da prova. O sol aquece. Espera-nos uma grande aventura.
Aos 40 km olho para o garmin que marca 8h30 de prova. Sorrio, e recordo-me que foi o tempo que demorei a concluir os 50 km de Sesimbra em abril último. “Isto é duro, muito duro”, concordamos os dois. O garmin, esse, “morre” ali mesmo. Não falamos muito. Andamos, corremos, seguimos em frente, pois para a frente é o caminho!
Chegamos à Formosa e à sua Aldeia de Xisto. Que coisa linda! O abastecimento espera-nos no varandim de uma casinha catita. Delicio-me com a porta de madeira e o corrimão da escada, em ferro, o qual desenha corações. A casa pertence a alguém de Lisboa, que visitou a aldeia há uns anos atrás e se apaixonou pelo local. Não tenho dificuldades em perceber porquê.

A caminho da EN2 e sem saber se me deixam prosseguir até à meta

Continuo a alguns metros do Carlos, que teve a infelicidade de, literalmente, furar o pé logo na fase inicial da prova. Segue assim com algumas dores que o impossibilitam de correr como deseja.
A dado momento mandou-me seguir. Confesso que tinha ido a Vila de Rei para abraçar a Inês e Diogo na meta e, como tal, receava que com o adiantado da hora, me vedassem a continuação na prova no abastecimento seguinte.
Perguntei-lhe se estava bem e garantiu-me que sim. Carlos, obrigada, foste uma ótima lebre e companhia!
Segui.
Diante de mim surge agora uma longa e abrupta descida, com pinheiros alinhados que distam menos de dois metros entre si. O piso é constituído por casca e folhas de pinheiro, pinhas, e muitas outras coisas desconhecidas que vou pisando com cautela. A progressão é lenta. Aquele piso não me permite que o faça de outra forma.
Finalmente chego à base e a um estradão. Agora sim, desato a correr. Penso no Diogo e na Inês. Quero que vejam a mamã chegar à meta e receber a medalha de terceiro lugar. Apenas isso me move.
Rapidamente o estradão termina e inicio uma subida muito íngreme que me conduz ao cume de uma serra. À minha esquerda, um vale encaixado que se desenvolve ao longo de várias centenas de metros. Cenário lindo. E vejo o sol a descer.
Quando chego ao fim deste estradão, avisto o Paulo Garcia. Estou assim no abastecimento da EN2. “Não me vai deixar seguir, pois não?”, pergunto. O Paulo sorri e diz-me que vou continuar e que tenho 11 km pela frente. “Mas… não trouxe o frontal”, respondo. O Paulo assegura-me que já tratou disso e que no último abastecimento terei o que preciso à minha espera.
Ganho um novo ânimo, bebo aquele que penso ser o vigésimo copo de coca-cola do dia, atesto pela sexta vez o depósito de água do meu camelback e sigo caminho.

A caminho do fim

Faltam 11 km. “6 km até ao último abastecimento, sempre a descer”, havia dito o Paulo. “E depois serão 5 km a subir”, acrescentou. Truques, só truques. Desci durante algum tempo, sim, e em estradão como me havia assegurado. Mas também subi. E também me enrolei novamente em silvas. E passei ao lado de uma casa abandonada digna de um conto de fadas. E assim, 8 km depois, cheguei a Poios.
Último abastecimento, uma bifana e, claro, coca-cola. O Paulo está lá de novo e diz-me que o Carlos continua em prova. Sorrio. Dois dedos de conversa com alguns dos elementos da organização e prossigo na minha aventura.

E, uma vez mais, o sol a pôr-se

Uns metros adiante surge uma parede como nunca subi na vida. Não olho para trás porque poderá correr mal. Se os meus filhos algum dia fizerem algo semelhante, prefiro não saber.
Chegada ao topo atravesso mais um caminho digno de conto de fadas e passo pelo fotógrafo Pedro, que me tira mais um retrato. Há umas horas atrás, enquanto me refrescava perto de Penedo, deveria estar com melhores cores seguramente!
Ligo o frontal que me foi dado em Poios e sigo para os derradeiros kms. Quando dou por mim, já avisto Vila de Rei. Quando me apercebo já os meus pés pisam pedra de civilização. Estou quase e não foram 5 km como havia dito o Paulo. Foram menos, muito menos! Gostei desta estratégia para a gestão do esforço, confesso!

A meta

Contorno uma esquina e avisto o Diogo e a Inês a brincar junto da linha da meta. Solto um grito de alegria profundo.
Correm na minha direção, agarro nas suas mãozinhas e termino, “Oh Meu Deus”, se termino! Chega assim ao fim a minha aventura de 65 km e 13h40m, e conquisto assim o meu primeiro terceiro lugar!
Foi uma vitória à minha maneira, mas foi a minha vitória!
 


quinta-feira, 13 de junho de 2013

O Moinho, a caminho do Cabo da Roca


Com D. Inês Quixote e Sancho Diogo, no mais bonito moinho das redondezas deste retângulo à beira-mar plantado...