Esta não era uma viagem para correr. Era sim uma viagem para passear. Com calma. Era a viagem das três esses em Copenhaga - Sandra, Sofia e Susana.
Acontece que, cerca de três semanas depois de tudo marcado, uma conversa me remeteu para corrida. Corrida levou a maratona, e... "Copenhaga há-de ter uma maratona, pois então", pensei. Fui ver. Se não foi um sinal dos astros, não sei o que terá sido - a maratona acontecia precisamente nos dias em que por lá estava. Sem hesitar, apesar do preço proibitivo, inscrevi-me. Estávamos a 8 semanas do dia "C".
A minha última maratona de estrada havia acontecido em novembro de 2013, no Porto - lá muito longe, portanto. Teria que, em oito semanas, tentar fazer o que pudesse para tornar a experiência o menos sofrida possível. Sofrida porque, como bem sabemos, 42 km em estrada são para fazer sem paragens. Não há momentos de contemplação da paisagem ou pausas para sandwiches de presunto. Isso é lá na montanha, para que não tem pressa como eu.
A maratona não era prioridade nesta viagem. Não era a causa. E por isso, rolando sobre uma bicicleta, procurei que os dias que a antecederam fossem bem recheados - e não falo exclusivamente da gastronomia! A cidade é lindíssima, os seus habitantes muito prestáveis e, contra todas as expectativas, até o São Pedro nos brindou com um sol que já fazia aquecer as costelas sobre a bicicleta. Uma vez mais confirmei que viveria numa cidade onde as duas rodas e os pedais são dos meios de transporte que mais adeptos reúnem.
A história que se segue é efetivamente da maratona. Aquela que designam de Prova Rainha. Curiosamente, cerca de 3 dias antes da data, havia recebido um e-mail da organização, dando conta da possibilidade de associarmos ao nosso BIB NUMBER (vulgo, dorsal) um conjunto de mensagens, que seriam publicadas na página da conta pessoal do FB. A cada 5 km teríamos o controlo (do chip, entenda-se) e nessa mesma altura, seria publicada a referida mensagem. Como adoro escrever e praticar futurologia, acabei por tratar do assunto. Feliz ou infelizmente, ninguém acabou por ser bombardeado com as referidas mensagens que, por erro meu ou da organização - inclino-me para a primeira hipótese, já que, apesar de licenciada em engenharia, tecnologia não é o meu forte - nunca chegaram a ser publicadas.
Como as guardei, e porque fizeram efetivamente sentido - antecipei de forma quase precisa o que me sucedeu na prova - listo-as abaixo, agora com o devido enquadramento.
5 km
Ved langt, så godt!
De facto, 5 kms depois, corria tudo bem e esperava que o google translator fosse uma fonte fidedigna de
tradução. O pelotão seguia junto e ainda avistava os balões vermelhos que deveria perseguir, para garantir o tempo de chegada à meta de 4h00. Ligeira brisa a refrescar, anulando um pouco o calor que já se fazia sentir. O do sol e o humano!
10 km
Mais rápida do que a minha própria sombra!
Certa, certinha. 28 minutos para os primeiros 5 km. Outros 28 minutos para os segundos 5 km. Abaixo da 1 hora, portanto, sentindo-me bem. Nesta altura o sol encontrava-se diante de mim, aquecendo-me o rosto, e projetando efetivamente a sombra atrás. Estava de facto mais rápida do que a minha própria sombra!
15 km
Estes dinamarqueses têm pernas demasiado compridas!
Já não vejo o balão das 4 horas!
E não o via, de facto. Aos poucos a dúzia de balões encarnados desapareceu no horizonte. "Daqui a pouco recupero", pensei. Enganei-me. Mas continuei na minha passada certinha. 30 minutos para cada 5 km, apreciando outros dinamarqueses, os que se encontravam na beira dos passeios e ciclovias, apoiando cada corredor como se do mais importante atleta se tratasse.
20 km
Quero uma pasteleira daquelas!
Quero sim. Em outubro de 2012, quando relatei a minha primeira maratona em Amesterdão, já fazia referência à pasteleira preta com selim camel. Três anos se passaram. Acho que está na hora de investir e tentar a sorte nas ruas de Lisboa.
21,198 km
Ainda só fiz metade, na perspetiva do copo meio vazio.
Mas só falta metade, na perspetiva do copo meio cheio!
Meia estava feita e cerca de 1 km depois, oiço um "Susana" familiar. Vozes familiares. Sofia e Sandra, o meu boost inesperado ao km 22, quando as julgava a visitar museus! Que boa surpresa! A média ao km melhorou nos metros seguintes. E o sorriso foi o da foto acima, imagem captada pela objetiva da Sandra na máquina da Sofia!
25 km
Olha, olha... A pequena sereia!
Da última vez que a vi era maior do que eu!
Na realidade, não a vi. Mas como tem 1,29 metros é certo que desta vez estou um pouco mais crescida do que ela. Tenho também mais juízo. Aos 6 anos, quando a visitei, ainda acreditava em histórias de príncipes que resgatavam sereias do mar e que as escamas e caudas eram substituídas por lindos vestidos-balão e sapatinhos de cristal. Essa história já não pega! Mas é boa de ver nos filmes.
30 km
Já era raptada por um simpático viking, levada para um navio
dragão, descia o mar Báltico e rumava a Constantinopla!
(bati no "muro", foi o que foi)
2h57m se passaram. Ainda havia luz ao fundo do túnel. Um reforço energético repentino. Quem sabe. Talvez sim. Ou não. Verdade seja dita. Depressa concluí que já não há vikings. A melhor aproximação que tive foi um corredor com t-shirt do Viking Atletik, mas até eu tinha um ar mais robusto. Quando o avistei fugi, não fosse pedir-me para o carregar às costas.
35 km
Porque não fui simplesmente pedalar por aí?
3h30m. 35 km certinhos. 5 km a cada 30 minutos. Passada constante. Poderia ter ido pedalar, sim. Ou talvez não. Até as ciclovias estavam fechadas a bicicletas nessa manhã em Copenhaga. As gentes da cidade inundaram as ruas, e no que a "barulho" e "incentivo" diz respeito, nada ficam a dever aos Sevilhanos. Se tivesse optado por pedalar teria também perdido a oportunidade de ver os melhores cartazes dos apoiantes: "why are all the cutiest people running away?" e "you are ahead of everyone (who is behind you)"!
Eu que tantas vezes digo que não gosto do meu nome, decidi que chegaria a Lisboa e daria um forte abraço à minha mãe por escolha de nome tão internacional. Até as crianças gritavam entusiasticamente por mim. E que bem que soube ver mãos pequeninas estendidas.
É por esta altura que vejo ultrapassar-me o balão das 4h10m. Confesso que desanimei um pouco. Mas para a frente era o caminho. A meta esperava por mim.
40 km
Vá lá, Susana.
Isto é mais fácil do que subir ao Jardim do Torel!
Creio que aqui me terei enganado nas previsões. Aqueles quilómetros pareciam-me mais difíceis do que todos os outros que já fiz. Mas as coisas não acontecem por acaso e por mim passa um atleta empurrando uma cadeirinha de rodas, proporcionando a experiência da maratona a uma criança com deficiência motora e mental. Nó na garganta. O desânimo associado à perspetiva do resultado menos positivo e às dores que se faziam sentir, perde relevância e desaparece, como que se por vergonha. Oxalá um dia tenha a coragem para viver uma maratona desta forma!
42,195 km
Embora por vezes seja bruxa, desta vez é impossível prever o
desfecho.
Mas não preciso dos astros para saber o que aconteceu, caso
esta mensagem seja publicada.
Cheguei ao fim!
E cheguei sim. 4h17m depois. Creio que foi o meu pior resultado numa maratona. O meu segredo amplamente divulgado de desejo de baixar das 4:02 na maratona continuará guardado, esperando melhores dias e mais treino, claro. Mas ninguém me tira a Maratona de Copenhaga e a medalha que trouxe comigo.
Maratona. A Prova. A prova de estrada que mais leva de mim e prazer me dá. Tal como uma passagem do Inverno para a Primavera. Renovação, portanto. Deixei partes de Susana naquele asfalto. Não faziam falta. E no dia seguinte nasceram flores no meu cabelo.