Esta rica experiência tem que se transforma num tónico para inspirar o
caminhante em novos desafios, sabendo sempre que o caminho se faz caminhando. A
vida sem obstáculos perdia o sabor da glória no momento da conquista.
Assim escreveu Rui Nóbrega, dinamizador
do grupo Madeira de Lés-a-Lés, enquadrando um outro texto. O do Mário.
Foi em maio último. O Mário fora
desafiado para uma caminhada nível de dureza 5 (numa escala de 5). O nível de
dureza concluí eu, depois de ler o que escreveu, claro. Qualquer coisa como “em
números redondos, 3 horas para cima e 4 horas para baixo” (palavras do Mário),
entre a Vereda da Achada dos Judeus e o Topo das Queimadas, locais que, apesar
da minha “vasta” experiência de 85 km sobre pés, de lés-a-lés, naquela ilha,
desconheço. Ainda. Lá voltarei, como de resto havia apalavrado com o Mário, 4
dias antes do dia em que o coração do Mário decidiu parar, já que o seu dono
teimava em não lhe dar descanso.
Nesse texto que o Mário escreveu e me
enviou, intitulado “Rocha, o homem caiu”, o homem que caiu foi efetivamente ele próprio,
mas rapidamente se levantou porque, claro, e palavras dele, “havia todo um
prestígio a manter”. Assim era o Mário.
Foi nesse texto também que soube existir
a palavra “bordão”. “O que é? Um bastão?”, perguntei eu. “É uma espécie de
cajado”, respondeu ele. O bordão. De madeira, pesado, a contrastar com essas
modernices que uso, leves, em carbono, que encolhem e esticam, para não
comprometer o desempenho do “atleta” e que, só para marcar a diferença, têm o nome
de bastão. “Super Mário” era o que lhe chamava a brincar. Mais uma vez provava que
o era. No sábado passado, antes de partir para a sua caminhada, enviou-me a foto do bordão. Vou guardar, qual relíquia.
Há um par de meses, quando fiz 40
anos, deixou-me três lindas garrafinhas de poncha da Madeira. Não tive coragem
de lhe dizer que detesto licores ou bebidas doces. Mas as garrafas eram (são)
lindas. Prometo que as vou esvaziar, por ele, para ele, brindando e exclamando
o seu nome. Não por acaso, ainda há dias lia “there is no eternal resting place
for anybody, we exist to eternally create”. O Mário que não pense que lhe vão
dar descanso.
De resto, do Mário guardarei a contagiante
alegria, a genuína amizade, os “olás” inesperados (e que sabiam tão bem) e os fantásticos momentos pós-foruns-europeus-sobre-qualidade-de-serviço-aeroportuário: o melhor
kebab no tasco mais manhoso de Istambul e a requintada “raclete” no Café de
l’Hotel de Ville de Genebra, onde o chefe dos empregados era emigrante
português, proferiu com dificuldade a palavra “saudade” e nos deixou a ambos a
choramingar.
Saudade é o que me, nos deixas. Olha
por nós. Decerto estás bem e confortavelmente instalado nesse cantinho de céu
que é teu por direito.