segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A serra, uns dias depois



(Eu, na Cascata Abútrica)

és tão linda e melhor designação não te poderia ter dado o José Moutinho, tu Lousã, a terra do petróleo verde, já somos ricos, é o que é, ai não que não somos ricos,
és tão linda e já cá venho pela terceira vez, duas vezes na versão curta, no ano passado a versão longa, mas mesmo as experiências curtas são sempre demoradas, ai não que não são demoradas,
és tão linda, mesmo com chuva, vento, granizo e frio, lindos é que não nos deixas, encharcados e enlameados até à raiz dos cabelos, ai não que não nos deixas
és tão linda em todo o lado, mas tão linda mesmo depois da Nossa Srª da Piedade, já te vou conhecendo de cor, aquele sobe-sobe que não pára, tento andar mais depressa, ai não que não tento,
és tão linda, e quero vir cá com tempo quente, aproveitar estas cascatas, ai que fresquinho, os músculos vão gostar, ai não que não vão gostar,
és tão linda, e melhor que chegar ao fim é o percurso que faço até lá chegar, não fosse isso não fazia sentido, e para o ano (ou mesmo antes) cá estarei, ai não que não estarei.



[baseado num texto sobre amores e desamores de Pedro Chagas Freitas, “ai não que não (qualquer coisa)”]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Olá Lousã, que não me (des)cansas

(foto: João Pena Rebelo, a caminho de Gondramaz)

Há cerca de duas semanas que não pensava noutra coisa - que vontade de regressar à Lousã!
Esta seria a terceira participação nos Abutres. Em 2013 a estreia, nos então 23 km, e a minha terceira experiência na montanha. Em 2014, o ano passado portanto, tentei ir mais longe. Concluí os 47 km, já bem depois do cair da noite e com muito nevoeiro à mistura. Quase garanti o último lugar. Pouco faltou.

O dia 31 de janeiro de 2015 foi dia de regressar, depois de falhada a oportunidade de correr em outubro no UTAX, também na Lousã. Correram a Inês e Diogo por mim e foi igualmente fantástico. Desta vez, e à última hora, fiz "downgrade" para a prova de 25 km. Os treinos quase inexistentes e a condição física impossibilitariam seguramente a chegada com sucesso à meta.

O meu objetivo último era conseguir chegar à hora certa para tomar o antibiótico que, propositadamente, não levei comigo. Assim teria uma motivação extra para fazer algo que tão difícil é para mim conseguir concretizar - despachar-me!

Partida adiada

Depois de uma noite onde a chuva e o vento se fizeram escutar através das portadas de madeira das janelas do Quintal de Além do Ribeiro  (recomendo a visita), a organização decide adiar a partida das duas provas. A mensagem de alerta chegou já tomávamos o pequeno almoço. Não protestámos e regressámos para dormir mais um pouco, já de barriguinha cheia.

O sol lá apareceu por detrás das nuvens e abrilhantou a partida da ultra (50 km) e 30 minutos mais tarde da prova de 25 km. Muitos se estreavam numa prova de trilhos. Espero que não desistam deles, depois das várias provações que tiveram que entrentar. A montanha, na maioria das vezes, é mais meiga.

A Lousã não estava para brincadeiras. Ou, se calhar, até estava... muito brincalhona!

Despe-veste-despe o corta-vento. Rapidamente percebo que é mais prudente mantê-lo vestido. Vem a chuva miudinha. Depois as gotas gordas. Granizo. Muitos engarrafamentos, fruto da grande quantidade de atletas para um percurso pontuado de single tracks com obstáculos de natureza vária. Alguns ainda vão tentando fugir à água e lama. Nessas alturas escolho a opção mais descongestionada, até porque sei que chegará o momento em que não poderei fugir nem de uma, nem de outra. Ainda assim, nem as minhas piores previsões poderiam ter estimado algo assim. Verdadeiros banhos de lama, seguidos de charcos de água que garantiam, pelo menos, uma adequada "lavagem dos rodados". Por várias vezes penso que havia tomado a opção sensata - já teria "morrido" três vezes se tivesse seguido para os 50 km.

Uma coisa é certa. Ninguém poderia ir ao engano. Depois de anunciados os padrinhos da prova - José Moutinho e Flor Madureira - só poderíamos esperar dificuldades... e outras coisas!

Três aleluias à Nossa Srª da Piedade

"O ano passado cheguei bem mais cansada aqui", penso para comigo. Chego ao primeiro abastecimento aos 9 km, lavo as mãos, agarro em dois gomos de laranja e num quadrado de marmelada e sigo caminho. Sei que agora vou subir muito. Partes de rocha e pedra escorregadia junto a cursos de água e "escalada" que vai exigir forca das pernas e braços - este ano, depois do engano de 2014, dispensei os bastões e foi o melhor que fiz. Apesar de tudo, dúvidas não tenho - rumaria à Lousã todos os fins-de-semana só para poder percorrer este trilho.

Aquecer as mãos em Gondramaz

Embora este ano a chegada a Gondramaz se tenha feito por um percurso alternativo ao dos anos anteriores, não pude deixar de recordar a experiência de 2014 e aqueles minutos que antecederam a chegada aquela simpática Aldeia de Xisto. Não seríamos mais de 4 corredores e os vassouras, e lá do alto, elementos da organização gritavam que nos apressássemos pois estávamos no limite do tempo de corte. São momentos como aquele, de alegria, superação e partilha, que ficam registados no meu "diário da vida", deixam saudades e com vontade de regressar à montanha.

"Este ano chegou mais cedo", exclama divertida uma das simpáticas meninas da organização, que aparentemente não esqueceu o meu rosto. "É verdade", respondo, "mas este ano estou na prova mais curta", esclareço. Peço ajuda para me abrirem a mochila e retirarem a caneca, pois não sinto as mãos. Enchem-me a caneca de sopa e aguardo um pouco antes de a beber - quero voltar a sentir os dedos!

"Então e bifanas, não há? O ano passado tinham bifanas!", protesto eu. "Ainda estão a fazer, menina", respondem. Ora tudo o que eu menos esperava era sentir que tinha chegado demasiado cedo! Eu que já estava na cauda do pelotão e a ser ultrapassada por atletas dos 50!

Ai como se respira bem por aqui!

Saio de Gondramaz e faço uma grande parte do percurso sozinha. Gosto disso. Gosto muito. A Susana e os trilhos. A sopa ter-me-á feito bem, pois sigo energizada, percorrendo o percurso que no ano anterior havia feito de noite, com muita dificuldade em progredir, atendendo ao espesso nevoeiro que se misturava com a luz do frontal. Agora, porque o vejo, posso usufruir verdadeiramente do trilho.


Vou dando passagem aos rapidíssimos dos 50. Por vezes encosto e outras páro para que possam passar em segurança. Um dos super-atletas pergunta se preciso de ajuda. "Obrigada! Estou mesmo à espera que passes para não atrapalhar!", respondo.

Concluo que a montanha mata vírus. A infeção das vias respiratórias superiores que me atormentava desde o final da semana anterior parece dar tréguas. A tosse já não se faz ouvir. Por vezes o ar custa a passar, mas quanto mais subo, melhor me sinto.

Inês e Diogo, isto é tudo o que a mamã deseja que não façam, está bem?

Aquele banho de lama que nos espera depois de Espinho, já perto do final, custaria 500.000 euros num qualquer SPA luxuoso da capital. Lama por todo o lado. Pisei lama. Enterrei-me na lama. Comi lama. Saplicos de lama a voar por todo o lado. Uns caem. Outros riem-se. Todos perderam a "pressa" que levavam.

É neste momento que sou ultrapassada pela Ester Alves, a primeira senhora da prova dos 50 km. Saiu 30 minutos antes de mim e leva o dobro dos km nas pernas. Não sei se me deva envergonhar. Talvez não. Talvez deva aceitar que uns treinam para serem excelentes atletas. Outros, como eu, não treinam para serem excelentes atletas, nem tão pouco atletas medianos. Vou andando pela montanha desta forma. Andando, literalmente. Talvez seja esta a forma que me permitirá manter até mais tarde por estes trilhos que tanto bem me trazem.

Trouxe o par!

Chego à meta quase com 6 horas de prova e bem para lá da hora de toma do antibiótico. Recolho a minha sapatilha dos 25 km, que assim se junta à dos 47 km de 2014. Curiosamente, não fosse a diferença de "tamanhos", formariam precisamente um par! Gosto mesmo daquelas sapatilhas. São o único prémio de provas de corrida em que participei que merecem um lugar numa das mesinhas da minha sala.


Parabéns a todos aqueles que se meteram a caminho. Chegando ou não ao fim, a Lousã apresentou-se dura a cada metro que nos ofereceu. Mais do que uma prova para as pernas, foi seguramente um teste a tantas cabeças obstinadas que por lá andaram.