(foto de Andreia Fontes)
Percorrer ilhas de Costa a Costa parece começar a fazer parte da minha vida. Felizmente o Faial é mais estreito do que a Madeira, poupando-me assim as alucinações que vivi há pouco mais de um mês naquela que designam de pérola do Atlântico.
Isto põe-me a pensar e a acreditar que a ilha do Faial seja a perolazinha do Atlântico, pelo simples facto de ser mais pequenita. Beleza não lhe falta. Só faltaram as hortenses "aos molhos". Infelizmente não é tempo delas.
Recuando 31 anos
As minhas amigas de sempre chamam-se Sofia. Estratégia minha. Desde cedo me rodeei de “sabedoria”. Conheci uma das Sofias com 7 anos, enquanto rebolávamos no relvado anexo ao Clube de Oficiais da Base Aérea nº 4, nas Lajes. Estávamos em setembro e ambas tínhamos acabado de aterrar a bordo de um Hercules C130. Creio que o C130 abanou demasiado, porque nem o meu pai nem o pai da Sofia pilotaram o dito aparelho. Entretinham-se antes com outros mais pequenos, mais rápidos, mais… acrobáticos!
Para quem não sabe, as Lajes ficam na ilha Terceira. A “terceira” ilha, de um conjunto de 9, que tive a sorte e oportunidade de conhecer nos dois anos que vivi e cresci nos Açores. Tenho pena de não poder oferecer à Inês e ao Diogo a liberdade de que usufruímos naquele canteirinho no meio do mar plantado. Um canteiro muito verde, sem quaisquer perigos, pelo que brincávamos livremente após a escola, até o sol se pôr, ansiando pela próxima visita ao “BX”, o famoso armazém na parte americana da base, para adquirir o modelo mais recente da Barbie, boneca que ainda não havia sequer sido descoberta pelas meninas do continente.
Fui uma criança cheia de sorte. E a Sofia também. E serve a presente introdução saudosista para dizer que 7 das 9 ilhas açorianas e suas gentes estiveram presentes enquanto fui crescendo e, por isso, nutro um carinho muito especial por elas. Continuam por conhecer as Flores e o Corvo. Lá chegarei.
Fui uma criança cheia de sorte. E a Sofia também. E serve a presente introdução saudosista para dizer que 7 das 9 ilhas açorianas e suas gentes estiveram presentes enquanto fui crescendo e, por isso, nutro um carinho muito especial por elas. Continuam por conhecer as Flores e o Corvo. Lá chegarei.
Bom voltar ao Faial
Terei visitado o Faial pela última vez em 2007, por motivos profissionais. Os aeroportos fazem parte da minha vida e o do Faial não é exceção.
Soube bem voltar agora, movida pela corrida. Foram os trilhos que me fizeram regressar. E sabe muito bem nestes moldes, com um conjunto de várias dezenas de pessoas que partiram de Porto, Lisboa e região centro, para sujar os pés, a uns milhares de quilómetros do continente.
Num grupo tão grande, reina naturalmente a diversidade. Mas é impossível não nos sentirmos bem junto de pessoas que sabemos partilharem deste gosto pela montanha e que, mais do que ninguém, entendem a razão de ser de sorrirmos desmesuradamente, quando cortamos a meta, 46 km depois de termos partido, há 8h56m atrás.
A 500 metros da meta, ouvindo o meu nome e o do Rui, acabaram-se as dores e o cansaço, e só me lembro de soltar as pernas sobre aquelas cinzas fofas, ver o mar e uma mancha de gente ao fundo, a aplaudir-nos. Não faltaram as felicitações dos amigos e também do primeiro atleta a cortar a meta, 4h30 antes de nós. Grande Armando Teixeira. Belíssimo gesto para "gente da montanha" pequenina (literal e metaforicamente falando), como eu.
46 km, "de A a Z"
Pusemos os pés a mexer na Ribeirinha, descendo até ao mar. Escusado será dizer que me apeteceu mergulhar naquelas águas. Às 9 da manhã o dia já prometia aquecer.
O Rui já me havia "briefado" e a estratégia seria seguir com calma até ao km 21, para depois tentar imprimir mais velocidade na segunda parte do percurso.
Cedo percebi que não conseguiria seguir senão com muita calma, claro! Depois de rolarmos um pedacinho, surgem diante de nós várias dezenas de degraus, aproveitando alguns socalcos, recentemente recuperados pela organização propositadamente para esta prova. Iríamos percorrer cerca de 22 km em trilhos até à Caldeira. Pela frente teríamos diversos pisos, ora em estradão, ora em pedritas, mas quase sempre subindo, subindo e subindo. Recordo particularmente o estradão aos ziguezagues, que me obrigou a "desenhar com os pés" a primeira letra do meu nome, umas várias dezenas de vezes.
Como escreveu a Anna Frost, o Azores Trail Run foi uma verdadeira experiência 360º. É de facto uma designação muito bem conseguida, esta da Frosty. Entre uma diversidade de pisos e paisagens, foram-nos sendo oferecidos cenários idílicos, do tipo "brochura férias de sonho", geralmente carregados de Photoshop. Aqui sabemos que vemos as coisas como são: o verde como só o conheço nas ilhas açorianas, um azul que só reconheço no mar que as rodeia e... vacas como não vejo em nenhumas outras paragens... e pastagens! Até as vacas são mais bonitas nos Açores. Mérito do prado, seguramente.
Na Caldeira inicia o Trilho dos 10 Vulcões, o qual percorre os 10 vulcões principais existentes no alinhamento fissural do Capelo. Pensava que conseguiria correr muito ao longo da Caldeira. A irregularidade do solo e o cansaço já acumulado nas pernas derivado das muitas subidas não me permitiu correr como desejava, pelo que lá fui seguindo como podia, tentando apanhar a minha lebre. Por vezes a lebre parava e ficava a contemplar tudo o que nos rodeava. Eu lá chegava, uns minutos depois, libertando para o ar longos suspiros.
Passamos por um casal sentado junto a umas pedras que serviam de miradouro. E por ali ficaram, porque os voltámos a ver um par de horas depois, quando o percurso voltou a passar perto daquele local. A Caldeira isso pede. Horas a contemplá-la. Horas a ver o verdadeiro "jardim botânico" que se desenvolve no seu interior. Creio que gostaria de descer lá abaixo um dia. E colocar-me sobre o exato ponto por onde começou a "festa explosiva", há muitos milhares de anos atrás. 10 mil, dizem. Poderia ter aprendido muito mais com o "wikipinho", mas o cansaço que sentia era tal, que a certa altura exclamei "quero lá saber da cn43$#%o0i5 dos 10 vulcões". Quem perdeu fui eu.
Tínhamos chegado às antenas, logo agora só poderíamos descer. Por alguns momentos somos brindados com nevoeiro. Eu que lá vivi, sei bem como os Açores são pródigos em oferecer as 4 estações do ano num único dia. A organização esteve tão irrepreensível que nem na meteorologia desiludiu. Sol e visibilidade extraordinária em quase todo o percurso, permitindo à vista alcançar o Pico e São Jorge.
Os voluntários recebem-nos em todos os postos de abastecimento como heróis, mas os verdadeiros heróis já aterraram há muito na meta. Estamos na "reta" final e não recuso a meia bifana que me é oferecida. Lá seguimos, e um pouco mais tarde vejo uma placa a indicar que faltam 5 km para os Capelinhos. Sei bem que 5 km podem demorar muito tempo a percorrer.
Apenas lamento a fadiga que já sentia na altura, porque foram os 5 km mais brilhantes do percurso. Cada qual se sensibiliza com o que lhe toca e eu comovi-me inúmeras vezes ao longo daqueles 5.000 derradeiros metros. De tudo um pouco. Trilhos onduladinhos a descer recheados de pedra-pomes. Escadas a subir o Cabeço Verde que me deixaram quase sem respiração. O verde continua a perserguir-nos. O vassoura Otávio acompanha duas brilhantes atletas uns metros atrás, que se estreiam na distância. O Rui segue na frente. Corre e volta atrás, como fez ao longo de toda a prova. Gostava de saber quantos quilómetros marcou o seu Garmin.
Chegamos à estrada. Receio que nos ponham a descer em alcatrão até lá baixo, à meta. Não. Pela frente temos 500 metros de cinzas. Cinzas fofas. Amortecem o impacto. Não receio cair sobre elas. E solto a pequenina Frosty que há em mim. Os 500 metros de corrida mais divertidos e saborosos que alguma vez vivi.
Não preciso repetir como chegámos à meta. Já o escrevi acima. Terminei feliz, com um sorriso de "Costa a Costa". E creio que o Rui também. Mesmo depois de várias horas a rebocar-me e a lidar com o meu mau feitio. Sou escorpião. É inevitável.
Até já, Faial...
Sim. Até já. Porque vou seguramente voltar. Para correr. Cheguei antes do pôr-do-sol, é certo, mas o Garmin morreu às 8 horas. Vou voltar também para petiscar no café delicioso junto à Praia do Norte. Para conhecer o que ficou por conhecer. Para rever o que tanto gostei.
Três dias depois, reconheço que mais importante que ter finalmente conhecido a Anna Frost, terá sido o trabalho herculano desta organização, muito particularmente do Mário, em garantir a sua participação no Faial Costa a Costa.
A presença da Anna Frost e a divulgação que esta atleta internacional fez desta ilha e deste Arquipélago colocaram seguramente os Açores nas bocas do mundo e mais além. Bem merecem! Aplausos, muitos, para todos os que montaram o Azores Tral Run!