Azahar, Erica, Enebro, Éon, Era,
Espiga, Fado, Fresa, Fresco, Drago, Fauno, Foco, Calabacín, Biznaga, Flora,
Fruta, Castañuela, Artemisa, Juromenha, Jabugo, Jacarandá, Katmandú, Kentaro,
Kahn e tantos outros. Olhos de gato amarelos-esverdeados, “colar de pelo” que
mais parece juba de leão, manchas de leopardo.
Assim é o lince ibérico. Assim o são
todos aqueles que enunciei acima e já passaram pelos 5 Centros de Reprodução do
Lince Ibérico, localizados em Espanha e Portugal.
Em 2002 a população deste felino
estava no limiar da extinção, ocupando a categoria que é considerada a
“ante-sala” da extinção de uma espécie na natureza. Em Portugal, não se via um
único lince na natureza desde o início da década de 90.
O lince ibérico não está livre de
perigo e integra ainda a lista de espécies ameaçadas do planeta, mas o
sentimento de quem se lhes dedica é de confiança. Depois de assinado o “Acordo
entre Portugal e Espanha para a Criação em Cativeiro do Lince Ibérico”, que
constituiu a base para a participação de Portugal no programa de reprodução em
cativeiro, Espanha passou a ceder exemplares para a respetiva reprodução em
cativeiro no Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico (CNRLI), a
funcionar na Herdade das Santinhas, em Silves.
O I Trail do Lince, que se realizou a
12 de setembro em pleno coração da Serra Algarvia em Silves, foi o primeiro de
muitos que lhe seguirão, seguramente. Trata-se de um projeto que pretende aliar
o desporto à defesa deste bonito felino, sendo que o propósito da organização é
alargar o projeto à escala ibérica, já em 2016.
Por cada inscrição no Trail do Lince
foram entregues dois euros ao World Wide Fund for Nature (WWF) e ao Instituto
de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), apoiando assim a preservação
do único grande mamífero carnívoro endémico da Península Ibérica atualmente em
perigo.
Com um percurso traçado pela
associação Algarve Trail Running (ATR), a prova apresentou-se em três
modalidades – trail longo (42 km), trail curto (10 km) e caminhada (10 km) – e
reuniu cerca de 300 participantes.
Mais coisa, menos coisa, foram 600
pés a seguir as pegadas do lince, a disfrutar da sossegada Serra Algarvia, a
beneficiar do cuidado dos elementos da organização e da simpatia das gentes
daquelas paragens - bombeiros e locais, pouco habituados a tanto frenesim,
quase exclusivo do litoral algarvio.
Num percurso muito bem marcado, com
partes coincidentes com a bonita Via Algarviana (confirmado o meu desejo de a
percorrer, de “lés-a-lés”), fomos brindados ora com a sombra proporcionada por
eucaliptos e pinheiros nos vales, ora pelo sol que já fazia anunciar um dia
quente, enquanto calcorreávamos bonitos estradões na cumeada dos cerros –
verdadeiras “chapas” HD a 360º, com horizonte a perder de vista. Foram precisos
30 km para avistarmos as primeiras habitações e ouvir outro som que não fosse o
do cantar das cigarras.
A título pessoal, guardarei as
imagens de locais que me viram crescer e brincar, a presença do meu pai, que
seguindo a sua “cria”, me foi surpreendendo com os seus mimos em diversas
partes do percurso e a companhia do António, que prescindiu de seguir o seu
caminho mais rápido, dizendo que esta seria uma “experiência diferente”, a de
ir “corrandando” pelo trilho (e assim garantiu, naturalmente, o último lugar da
classificação geral).
Guardarei também a deliciosa
experiência de conseguir o meu melhor e pior resultado de sempre – 3ª e última
classificada geral feminina, garantindo-me assim a subida a um pódio que já
havia sido atribuído às duas primeiras atletas, alguns minutos antes, com os mesmos
aplausos que os primeiríssimos recebem, mas palavras ainda mais carinhosas –
porque sim, porque ser (e saber ser) último também exige trabalho.
No sábado passado, os 300 participantes
que estiveram na Serra Algarvia “vestiram a pele” dos cerca de 11 linces ibéricos em Portugal a usufruir da liberdade na
natureza. Até ao final do ano mais lhes seguirão as passadas. Por muito que
corramos, nunca correremos tanto quanto eles. Os dois manos Kentaro e Kahn, libertados há 8 meses no centro de Espanha, percorreram mais de 2.500
km, tendo um seguido para Norte, passeando-se por terras do Douro e outro para
o Sul de Portugal, numa viagem épica de duatlo, que incluiu o atravessamento a
nado da barragem do Alqueva.
Só este ano o CNRLI já viu nascer 13 crias. Se a reprodução é um
sucesso, já a reintrodução desta espécie na natureza apresenta enormes
desafios. O nosso desejo é de voltar aqui, daqui a uma década, depois de mais uma
edição do Trail do Lince, e podermos escrever que foi retirada a classificação
“em perigo” aos exuberantes linces ibéricos.