A Grande Rota, que liga Alcoutim ao Cabo de São Vicente
São 300 os quilómetros que ligam Alcoutim ao Cabo de São Vicente. A Via Algarviana está seccionada em 14 setores, adaptados a caminheiros.
Decidi fazer um pouco de batota. Não os farei de seguida. Mas juntarei dois setores de cada vez. E, se tudo correr bem, chegarei ao Cabo de São Vicente antes que o ano termine. Isso mesmo. Farei o caminho quando fizer, chegarei ao fim quando chegar. A única condição que me impus foi de o terminar este ano.
O que tem de especial? Provavelmente nada. Trata-se de adaptar um projeto há muito adiado à "disponibilidade da vida" e às visitas ao Algarve. Desta forma consigo tudo fazer - correr e gozar o amor da família.
O dia 1 desta aventura aconteceu em véspera de dia de Páscoa. O meu irmão levou-me ao km 0 - foram precisas quase hora e meio de carro para lá chegar - e o meu pai foi-me buscar às Furnazinhas, a "meta" que havia definido para o dia. Sou uma valente sortuda com apoios assim.
Estes dois troços estão muito bem sinalizados, não oferecendo grandes dúvidas. Esta questão é tanto mais importante para alguém como eu, que pouco se entende com GPS e que decidiu aventurar-se sozinha monte fora.
Os campos estavam lindos - não me canso de dizer que parece que o jardineiro por lá haveria andado na semana anterior - e a temperatura muito agrádavel. O sol tímido, espreitava uma ou outra vez, mas manteve-se a maior parte do tempo escondido, o que acaba por se revelar positivo neste tipo de experiências, que se querem mais frescas.
Ao longo do Guadiana
Os primeiros quilómetros ao longo do Guadiana são preciosos. O caminho a tomar para a GR está perfeitamente identificado, mas são muitos os PR que entrocam no percurso principal - mas não, não me desvio do meu caminho.
Sigo maioritariamente por estradões, que na generalidade das vezes estão limpos, salvo uma ou outra ocasião, em que se encontram pontuados de pedras.
Falhei os menires - sim, não me apeteceu desviar um pouco do trilho para os ir espreitar, seguindo sempre em frente, porque para a frente é que é o caminho.
Consigo manter um trote ligeiro a subir e em plano. Nas subidas opto por caminhar, da forma mais vigorosa possível, para não me atrasar.
Tudo o que desce, tem que subir!
O percurso está cheio de "sobe e desce", traduzindo-se assim nos seus mais de 1.000 metros de desnível positivo e quase 700 m de desnível negativo, para cerca de 38 km. No meu caso foram alguns quilómetros mais, porque na chegada ao fim do primeiro setor, em Balurcos, perdi "o fio à meada", depois de uma energizante cola e amendoins (daqueles a sério, que se descascam e tudo!) num café da povoação.
No regresso ao trilho, acabei por tomar a indicação de um PR (sim, a lista amarela estava desbotada e pareceu-me branca) e fazer alguns quilómetros fora da Via Algarviana. Percebi que algo fazia pouco sentido e voltei atrás, ao ponto de partida. Lá estava ela, a marca da GR, num pilarete semi-escondido pelas ervas do caminho - e segui então pelo trilho certo.
O jardineiro andou por aqui esta semana, certo?
Vou atravessando algumas povoações e deixando-me encantar pelas casas caiadas de branco, com os seus rebordos coloridos e cortinados de renda.
Posso entrar?
Os campos estão tão floridos, que até na água encontro flores. Água, sim, fui encontrando alguma pelo caminho e não perdi naturalmente a oportunidade de me refrescar (por vezes até à cintura), molhando o buff, passando-o pelo rosto e espremendo-o pelo pescoço abaixo - como fico revigorada com esta frescura!
Ao longo do percurso não tive outra companhia que a dos sons dos pássaros e, em particular, das perdizes. Muitas perdizes. Perdizes gordas, muito gordas. Minto. Nas primeiras horas, passaram por mim 3 ciclistas. Nada mais que isso. Tenho todo o tempo do mundo para em tudo pensar, alternando com "pensar vazio".
Flores por toda a parte!
A descida para a Ribeira da Foupana é longa. Tudo o que desce, sobe, por isso sei que depois de a atravessar a vida não vai ser fácil.
Chego a uma aldeia e perco o rumo, questionando dois velhotes que estão junto ao estradão. "Por onde segue a Via Algarviana?", pergunto. "É por ali. Mas a menina vai sozinha? E vai atravessar a ribeira sozinha?", respondem admirados. "Ah, não faz mal, estou habituada", pensando para comigo que dificuldade poderia oferecer uma ribeira na serra algarvia, depois de um inverno em que pouco chouveu. A ribeira não tinha muita água, é certo, mas como o objetivo é atravessar onde for mais fácil, perco a sinalização e, quando me encontro na outra margem, vejo-me abraçada por arbustos mais altos do que a minha altura. Caminho uns metros e só 5 minutos depois, que mais parecem 15, vejo a marca da Via Algarviana - é por aqui e... é para subir muito. "Coitados dos ciclistas", concluo.
Cenário divertidíssimo, este que encontrei.
O céu cobre-se de cinza escuro, olho para o relógio, avisto o reservatório de água e verifico que estou no topo das Furnazinhas. Desço as escadas até à vila, sem gente. Encontro um senhor que me pergunta se preciso de algo. "Onde posso beber alguma coisa?", respondo. O senhor era o dono do café, que acabara de ser fechado, para depois reabrir, apenas para mim.
Uns minutos depois chega a chuva e o meu pai, para me levar de regresso a casa, onde a Inês e Diogo me esperam para saber em que lugar fiquei na "corrida". Desta vez fui a primeira e a última, esclareço.
Próxima etapa: no dia que calhar, em abril ainda, assim o espero, Furnazinhas a Cachopo, completando assim mais dois setores da Via Algarviana, num total de 35,2 km.
Por agora, já só faltam 260 km!