sábado, 29 de dezembro de 2012

O tempo voa

A culpa de tudo é do tempo. Não do meteorológico. Esse também não tem culpa. É do outro tempo. Aquele do relógio. O do calendário. Bem vistas as coisas, a culpa nem é do tempo. É da falta dele.
“Aos 20 anos, tens tempo e saúde, mas não tens dinheiro. Aos 40, tens saúde e dinheiro, mas não tens tempo. Aos 60 anos, tens tempo e dinheiro, mas não tens saúde”. A 3 anos dos 40, sinto-me afundada naquela que é a segunda fase da vida, de acordo com este célebre escrito. Talvez por isso este tema tenha surgido espontaneamente e, assim, resolvido escrever umas palavras sobre o assunto.

Deixo agora o meu Algarve. Depois de 7 dias com tempo, regresso à capital do tempo que não chega. Não será diferente de qualquer outra capital, é certo, mas lá o tempo passa a correr. Mesmo quando não corro. É uma correria. Curiosamente, depois de 7 dias de sol, o Algarve despede-se de mim com chuva. Eventualmente fá-lo para que não vá tão triste.
Mas voltemos ao outro tempo.
"A vida já é curta e nós encurtamo-la ainda mais desperdiçando o tempo", escrevia Victor Hugo. "Nunca penso no futuro, ele chega rápido demais", partilhou Albert Einstein. "O homem que tem coragem de desperdiçar uma hora do seu tempo, não descobriu o valor da vida”, disse sabiamente Charles Darwin. E depois, aquelas citações mais vulgares, que usamos no dia-a-dia… "O tempo passa a correr". "O tempo voa". Quantas vezes dizemos que o tempo passa devagar? São raras, certo? Só acontece quando estamos demasiado entediados. E, nos dias que correm, já não há sequer tempo para estarmos enfadados.
Elas e eles. O tempo não é seletivo. O tempo não é generoso, mas é justo. Ou melhor, é igualmente injusto para ambos os sexos.
Elas… Super-mães, super-solteiras, super-profissionais. Têm que trabalhar, têm que educar os filhos, quando os há. Também têm que brincar com eles. Têm que fazer exercício físico, têm que fazer manicure e pedicure. Têm que fazer psicanálise - não entendo esta necessidade de se “escarafunchar” no passado para descobrirmos o que somos hoje. Têm que pensar no que fazer para jantar, depois têm que o fazer. Às vezes têm que fazer acupunctura, têm que estar lindas, têm que ser lindas. Se souberem dançar, tanto melhor, pelo que têm que aprender salsa, dança jazz ou kizomba.

Eles… Super-pais, super-solteiros, super-profissionais. Têm que trabalhar, têm que educar os filhos, quando os há. Também têm que brincar com eles. Têm que levar o cão à rua. Têm que mudar a areia do gato. Têm que fazer a revisão ao carro, têm que pôr a pressão de ar certa nos pneus. Têm que tratar dos seguros do carro, de saúde, de vida e do recheio da casa. Têm que cuidar das contas do condomínio, da prestação da casa e da gestão financeira diária. Geralmente não sabem dançar, mas não faz mal. Não têm que saber dançar. Não têm que saber o que há para fazer em casa. Basta que haja alguém que lhes diga o que fazer. Uma coisa de cada vez.

O ano tem 365 dias, porque a Terra decidiu que esse seria o tempo que levaria a dar a volta ao Sol. Porque decidiu ser tão rápida? Cada dia tem 24 horas porque a Terra entendeu que esse seria o tempo que demoraria a rodar sobre si própria, numa volta completa. Está com pressa, porquê? Cada hora tem 60 minutos e cada minuto 60 segundos. Se cada minuto tivesse 5 segundos a mais que fosse, ganharíamos ao fim do ano nada mais, nada menos, do que 730 horas. Ora isso é muita hora.

Quero fazer tudo isto e muito mais. Mas quero mais tempo em 2013.
Vou lançar a petição "Esticar o tempo". Ou então "Ó Terra, gira lá mais devagar".
Assinam?

A dois dias de fechar o ano, faço votos para 2013 seja um ano cheio de saúde. Quanto ao resto, como um amigo do meu pai escreveu há dias - que vos/nos traga o suficiente, para que melhor possamos apreciar o que nos oferecer!


domingo, 23 de dezembro de 2012

Mais um Natal na Serra Algarvia

O Natal está a chegar. Tenho a família reunida. Respiramos saúde. Que mais posso pedir?
Confesso que anseio pela noite de amanhã.
Não porque espere que o Pai Natal desça pela chaminé carregado de embrulhinhos. Oxalá não desça. Receio que se queime com as labaredas da lareira. Cá em casa os miúdos já sabem. O Pai Natal tem chave e entra pela porta enquanto jantamos. A árvore está numa sala distinta daquela onde fazemos a ceia. Tudo cuidadosamente planeado. Enquanto jantamos, um dos crescidos coloca os presentes junto à árvore de uma vez só.
Na realidade, eu estou em pulgas porque adoro o bacalhau cozido com todos da minha mãe. Atenção, tem mesmo que ser o da minha mãe. E o vinho tinto escolhido pelo meu pai. Todos os anos fico a observar os restinhos nas travessas. O dia seguinte, dia de Natal portanto, é dia de "roupa velha" e serão precisos o bacalhau e as couves. Sabes o que é "roupa velha"? Não? Pois, só conheces Haagen Dazs. Sabes lá o que perdes.
As sobremesas são muitas, mas eu só tenho olhos para uma. A aletria. Atenção. Não é arroz doce. Só gosto daquela massa fininha, ultra calórica, polvilhada com canela.
A minha mãe é algarvia, o meu pai de Penafiel. Quis o destino que se encontrassem. A gastronomia também se cruzou, pelo que, acredita, tenho o melhor dos dois mundos em casa.
Paladares à parte, gosto mesmo é deste Algarve. O Algarve no Inverno. E esta aldeia na Serra Algarvia em particular. Tenho amigos que cresceram comigo aqui. Eram Verões com os avós que duravam 3 meses. Praia, mas também campo, muito campo. "Stop", macaca, cabra cega, escondidas, cartadas, mata, eu sei lá. O tempo nunca mais terminava... Olha, fui e sou uma afortunada.
Enquanto escrevia, vi a reportagem "Solidariedade em Lisboa" e ouvi a conversa na SIC notícias entre a Ana Lourenço - gosto desta jornalista - e o Frei Fernando Ventura. Que facilidade de expressão. Que inteligência. Que frontalidade. É um homem do norte, bem se vê. Se pudesse, parava o tempo amanhã. Assim teríamos mesmo Natal "todos os dias".

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

“Either write something worth reading or do something worth writing”

Há algumas semanas cruzei-me com esta preciosidade, da autoria de Benjamin Franklin. Redigi três linhas e partilhei no FB. Alguns segundos depois arrependi-me e eliminei o “post”. No entanto, este “quote” ficou a marinar, a marinar… E atingiu entretanto o ponto de rebuçado.

Tenho tido experiências de corrida verdadeiramente maravilhosas nos últimos meses. Aquilo que era uma brincadeira, virou paixão e agora vício. Por outro lado sempre gostei de palavras. Simpaticamente, a família mais próxima sempre me encorajou a escrever. Escrevia para mim, às vezes para alguém. Desde que descobri o FB e a corrida, escrevo para quem me queira ler.

Não sei muito bem porque o faço. Ainda há dias lia um artigo sobre as propriedades terapêuticas da escrita. Pensava eu que a corrida era a atividade das propriedades terapêuticas por excelência – as endorfinas, a serotonina e outras hormonas do género. Mas sejamos francos. Nos dias que correm, tudo é terapêutico. Não tarda virá algum iluminado dizer que estar duas horas por dia no pára-arranca do trânsito é benéfico para a saúde, porque nos permite atingir estados de introspeção e reflexão profundos e descobrir o “verdadeiro eu”.

Dizia eu que tenho corrido. Por aqui, por ali, por aí. E escrito sobre cada uma dessas experiências. Há quem partilhe o treino registado no garmin. Fale da velocidade média, do melhor tempo, da volta mais rápida. Eu gosto de escrever sobre a experiência “correr”. Talvez tenha interiorizado que tenho uma missão de evangelização - pôr “meio-mundo” a correr. Afinal… Antes de começar, eu também não gostava. Corria 2 metros e ficava com a vulgar dor de burro. Desesperada, portanto. E depois… Depois não mais consegui parar.

Minto. Páro agora. Páro agora porque a minha amiga Sofia, que por sinal é fisiatra, me disse que tinha que parar. “Consegues fazer isso, Susana?”, perguntou-me. Respondi “sim, claro”, interrogando-me em silêncio como isso iria ser possível.

Mas é assim mesmo. Esqueci-me que já não tenho 20 anos. Esqueci-me que o corpo precisa de descansar. Na realidade não andava a correr 40 km por semana. Andava a correr para deixar ou apanhar os filhotes na escola, a correr para o trabalho, a trabalhar a correr, a fazer o jantar a correr, a dormir a correr (quando não corria a dormir!). Enfim, uma correria. E agora… Puffff.

Não sei o que me aterroriza mais. Não poder correr. Ou não ter tema para escrever. Mas enquanto espero pela autorização para regressar ao alcatrão ou aos trilhos, irei aprender a escrever, seguindo a sugestão do amigo Jorge. E assim, quando voltar às corridas, talvez consiga escrever algo que valha a pena ler, depois de fazer algo sobre que valha a pena escrever.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Corrida, esse desporto solidário!

Desenganem-se os que dizem que a corrida é um desporto solitário. A corrida é um desporto solidário, isso sim.

Senão vejamos...

Ontem, a Henriqueta, companhia recente das corridas e experiente no assunto, cuidou de mim como uma princesa. Depois de uma massagem desportiva, aplicou-me uma daquelas bandas coloridas - sou tão rookie, continuo a não atinar com o nome - para dar maior suporte à musculatura da perna avariada.

Esta manhã, o Heitor, apoiado de mais um conjunto de amigos - a Verónica, o Luís e outros corajosos que não conheço o nome - levaram a cabo a maravilhosa missão de conduzir a Carina na sua cadeira de rodas durante 42 km, por esta cidade de Lisboa.

O Nuno acompanhou a Joana na sua primeira maratona. O Nuno e a Cristina cruzaram-se e percorreram juntos parte da maratona e meia-maratona.

A Andreia e a Gabriela concluíram também a sua primeira maratona, com o apoio da Henriqueta, Verónica e Heitor.

Ouvi palavras de incentivo de vários companheiros de corrida - a Ana, o Carlos, o Ricardo, o Pedro João, o Pedro. Que bom ver tantas caras conhecidas.

Cerca do km 28, corria sozinha, e com vontade de encostar às boxes. Depois de uma paragem forçada de duas semanas, não foi fácil explicar às minhas pernas que a sua razão de existir era correrem para mim. Seguia "zangada" neste monólogo com os membros inferiores e, confesso, acusando já algumas dores, pensei "estacionar" em Algés. Surge então o Zé. Nunca o nome do blogue do Zé me assentou tão bem. "De sedentária a maratonista". Foi mesmo assim que me senti quando iniciei a minha segunda maratona esta manhã - sedentária. Parecia que em duas semanas tinha desaprendido tudo.

O Zé acompanhou-me até aos 42. Conversando, fazendo-me gargalhar, puxando por mim. Na subida da Almirante Reis pedi-lhe desculpa, mas fui a ouvir a musica "fly", da nicki minaj. "I came to win, to fight, to conquer, to survive (...)". Cantei alto e tudo. Largou-me à entrada do estádio, para que seguisse e cortasse a meta dos 42 pela segunda vez. Lá dentro, mais umas palavras de incentivo do Nelson.

Se podia ter deixado um intervalo maior para a segunda experiência 42? Podia, mas não era a mesma coisa. Admito que o empeno na próxima semana seja significativo, mas nada que algo ao estilo de restaurador olex não resolva. Estar rodeada de "locos que corren" deixa-me mais "loca" ainda. E teria ficado inquieta em casa esta manhã.

De toda a forma, agora vou mesmo descansar e recuperar, para iniciar em grande o ano de 2013, com o meu ultra-objetivo na Serra da Lousã. E depois Sevilha, se as pernas o permitirem. Agrada-me esta história da internacionalização!

Continuação de boas corridas para quem corre. E quem não corre, sugiro que acrescente o objetivo à lista de desejos para o dia 31 deste mês. Sugiro que comam 4 passas de uma vez, para que se concretize mesmo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Wish List dos 37

Não obedece a nenhuma ordem de preferência. Quero tudo o que listo. De forma faseada, claro.
Saúde. Km's a correr. Cheesecake. Meias de compressão rosa choque. Que o Diogo não tenha mais bronquiolites. Que a Inês não tenha mais otites. Emprego e trabalho (em simultâneo, de preferência). Família. Haagen Dazs. Amigos. Força nas pernas. Mar. Serra. "Coragem para mudar o que posso mudar, serenidade para aceitar o que não posso mudar e sabedoria para distinguir uma coisa da outra". Pasteleira preta com selim bege. Bifes de perú panados com arroz de tomate e feijão. Um país onde os bons são recompensados e os vigaristas vão para detrás das grades. Semáforos verdes para mim. Bastões para o trail running. Velas de baunilha. €. Pés descalços na areia. Gargalhadas da Inês. Disparates do Diogo. Martini Rosso com gelo e limão. Pode também vir o Clooney. Cheirinho das amendoeiras algarvias em flor. Upgrade de memória. Maratonas. Boa música. Loirinha outra vez. Crumble de maçã. Ultra-Maratonas (bastam-me 2 km para além dos 42). Gerberas. Chá verde. Muito!

domingo, 11 de novembro de 2012

Os primeiros passos na Lousã

Portugal tem coisas absolutamente lindas e é bom que nos lembremos disso. É bom que me lembre disso.

Hoje estive na Lousã com um grupo de amigos a fazer a minha 2.ª prova de trail. Rapidamente cheguei à conclusão que afinal era a minha estreia. Os Trilhos de Sesimbra que fiz em março são o "kindergarden" dos trilhos.

Não vou perder muito tempo a falar da dureza da prova, da chuva, do vento e da lama. Do desnível acumulado de cerca de 3.800 metros. Das levadas, das cordas para passar obstáculos, das descidas em slide (nome técnico pomposo que arranjei para designar “descidas com rabo no chão”).

Por várias vezes me interroguei “quem sou eu, para onde vou, o que faço aqui”. Decidi que no final da prova tiraria uma foto à “Susana-Versão-Lamacenta” e colaria em várias partes da casa para que, quando confrontada com um momento de loucura nos próximos meses, e sentindo-me tentada a inscrever numa outra prova de trilhos, depressa desistisse da ideia.

Mas agora, sentada no conforto do lar, já sei que irei repetir. Não sei bem quando, mas voltarei seguramente à Serra da Lousã e outras lindas serras que este país oferece.

Corri os últimos 6 km absolutamente sozinha. Foi tempo de qualidade comigo própria, num daqueles locais a que poderíamos chamar “paraíso”, com o sol finalmente a querer despertar por detrás das nuvens. Sim, estava preocupada em não perder de vista uma única fita de sinalização que fosse. Sim, também pensei nos simpáticos javalis. Mas sim, foi absolutamente maravilhoso.

Maravilhosos são também os loucos que, esperando acumular 3 pontos para aspirarem ao Ultra Trail du Mont Blanc, se atreveram a correr 82 km naquela serra. Estes sim, são verdadeiros super-heróis. No abastecimento dos 17 km, onde atletas das duas provas se cruzavam, vi uns quantos loucos dos 82 km a chegar. Achei que precisavam de umas palavras de ânimo. “Huuuummm, não vêm com muito boa cara”, disse eu. “Sabem, eu demorei 3h30 a fazer 17 km, mas já só me faltam 13 km. Vocês porém estão na marca dos 45 km e já correm há 7h30. O problema é que vos faltam mais 37 km”. Riram-se, claro está, e ficaram bem mais animados. :-)

Concluo dizendo – visitem a Serra da Lousã. Mas saiam do carro.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Os 42 aos 36

O meu amigo José Guimarães tem um blog. Chama-se “De Sedentário a Maratonista”. Connosco tem partilhado muitas das suas aventuras, desde o primeiro dia em que calçou os ténis e correu uns metros na Praia de Carcavelos. Entretanto, dos metros evoluiu para os km, dezenas de km e, há 3 dias, quase duas centenas – 166 km em la Ultima Frontera em Espanha. Antes de partir para Amesterdão, desafiou-me para escrever sobre a minha primeira experiência “42”.
Vamos lá esclarecer uma coisa. Sou maratonista – na medida em que concluí a minha primeira maratona há 3 dias. Mas não era sedentária. Uma mãe de duas crianças de 6 e 5 anos não pode ser sedentária. Não é possível. É contra-natura. E existe sempre a possibilidade de, além de mãe, se ser daquele tipo de pessoa “pula-do-sofá”, quando se verifica que o comando da TV tem um desvio de 25º relativamente ao monte alinhado de revistas (sempre a mesma publicação, para ter exatamente as mesmas medidas). Uma pessoa assim não é de todo sedentária.

Adiante…

Decidi correr a maratona em março deste ano. Estava para os lados de Sesimbra, a estrear-me numa prova de trilhos. Corria há pouco mais de um ano. E porque o decidi fazer, perguntarão alguns de vós? Para visitar Amesterdão. Falso. Não precisava de um pretexto para viajar. E a cidade tem muito para oferecer. Canais, o Amstel, bicicletas, socas, Anne Frank, Van Gogh, bolos espaciais e especiais. Para provar ao “mundo” que conseguiria. Falso. O “mundo” sabe bem como sou teimosa e persistente quando meto uma ideia na cabeça. De resto, e naturalmente, o “mundo” não anda por aí preocupado com o facto de eu ser ou não bem sucedida nas minhas corridas. O “mundo” está em casa (ou fora dela) a fazer ginástica financeira, tentando gerir o pouco que tem, para o tanto que lhe falta. Para massajar o meu ego. Falso. Conheço outras formas menos penosas para alimentar o ego. Ocorre-me de imediato uma. Com o dinheiro gasto em inscrição na prova, viagem e alojamento comprava a minha super-pasteleira preta, com estofo camel, pneus castanhos e beges, guiador largo e cesta de madeira decorada com malmequeres e gerberas. Porque queria chegar ao fim. Verdadeiro. Neste último ano tenho lido e ouvido muito sobre o assunto. Testemunhos na primeira pessoa garantiam que a sensação era inigualável. Pois bem. Queria sentir isso.
Antes de prosseguir com este relato, esclareço desde já que não percebo nada de corrida. Apenas corro. Ao ritmo que me sabe bem. Esta é a experiência de uma “miúda” que correu a sua primeira maratona em 4h07m.

A preparação

Comecei os meus treinos “a sério” 6 meses antes da prova. Era um treino profissional. Para profissionais, eu diria. Tudo correu bem até ao momento das indesejáveis séries. Não sou veloz. Não tenho pernas de gazela. Sentia-me verdadeiramente exausta depois dos treinos de séries. E desconsolada. Recordo-me de ver a marca do Usain Bolt para os 400 metros nos JO de Londres este verão. 49 segundos. “Hummmm, este número é-me familiar”, pensei. Consultei os meus registos no garmin connect. Levara 1’49″ a percorrer a mesma distância. Daí a familiaridade. Mas faltava o algarismo “1″ à esquerda. Ora isso não estimula uma pessoa que se propôs a correr a maratona.
Fui à net e criei um plano da asics. Coloquei os meus dados, a data da prova e o tempo em que pretendia concluí-la. Estabeleci o número de treinos por semana – 4 dias em 7. Os treinos combinavam diferentes distâncias e diferentes velocidades. Cumpri sempre os objetivos. Parecia que tinham sido desenhados para mim. E foi desta forma, com muitos km nas pernas e dezenas de horas a correr por aí que cheguei ao dia “A”. “A” de Amsterdam.

A véspera

Na noite anterior à prova bebi um copo de vinho tinto. Sabem lá as propriedades calmantes da uva preta. Dizem que a camomila tem efeitos semelhantes. Mas não é a mesma coisa. Deitei-me antes das 22 horas. Estava exausta. E anestesiada pela uva preta. Demorei mais de 3 horas até adormecer finalmente. Senti literalmente os membros superiores e inferiores derreterem-se contra o colchão. A sensação era de que viravam pernas de polvo. Estranho, muito estranho. Felizmente não acordei molusco.

A prova

Quando tudo indicava que correria sozinha os meus primeiros 42 km, eis que surge uma lebre caída do céu. Duas amigas recentes das corridas puseram-me em contacto com um grupo que partia também para Amesterdão, para correr a meia e a maratona. Tudo gente bem disposta. E assim foi. Eu e o Al – tive que arranjar um nickname porque temia que durante a prova me faltassem as forças para chamar pelo Albísio e felizmente o Al aceitou de bom grado a minha sugestão – começámos na zona D, reservada aos atletas que pretendiam terminar a prova em 4 horas. Tudo aconteceu de alguma forma ao contrário do que previa. Passo a explicar.
O meu i-pod não carregara na noite anterior. Por esse motivo, a hit list que havia cuidadosamente preparado vários dias antes não viria a ser ouvida. Corri sem música. Primeira vez em que tal aconteceu. Ainda na volta inicial que se desenrola dentro do estádio olímpico, cai o gel de laranja. Não havia tempo a perder, pelo que não voltei atrás para o recuperar. Segui em frente.
Os primeiros km da prova foram um verdadeiro “slalom”. Passa pela direita, passa pela esquerda, passa pelo meio. Sempre com elegância – não sou miúda de cotoveladas. Verdadeiros congestionamentos. O Al estava entusiasmado. Disse-me para não olhar para o relógio e esquecer os km que faltavam. Assim o fiz.
Pensava que as 4 horas de corrida me permitiriam resolver mentalmente muitas equações de segundo grau e alguns integrais triplos. Que pensaria na vida. No que passou. No que está para vir. Nada disso. Como escrevi no início, tudo saiu ao contrário. Não consegui sequer apreciar realmente o percurso da prova. Nem dei pelo moinho (aparece nas fotos promocionais da maratona, pelo que acredito que lá esteja, algures). Ia concentrada na minha passada, na minha respiração, no piso e em não perder o Al de vista. Olhava para as pernas, para os ténis e rabiosques que tinha pela frente, fazendo avaliações cuidadosas dos outfits dos atletas. Vi vestidos e saias de corrida. Vi meias de compressão rosa-choque. Vi bandoletes com penas de pavão (ou de outra ave rara qualquer). É assim mesmo. Não tenhamos receio de nos afirmar enquanto corremos!
Já fora da cidade, por volta do km 15, olhei para o relógio. Achei que íamos rápido demais. 5´10''. “Ó Al, não vamos demasiado depressa?”, perguntei eu. Comi um figo seco que o Al trouxera. Não gosto de figos secos, mas aquele soube-me pela vida. Passámos os 21 km (meia-maratona, portanto) abaixo do meu melhor tempo. “Sinto-me bem”, pensei.
A dado momento o Al queixou-se de uma lesão que levava mal curada. O tendão de Aquiles. Reduzimos o ritmo. Mandou-me seguir. Não fui. Se o problema era o Aquiles, então eu seria a Helena de Tróia. As minhas desculpas pela falta de modéstia, mas não me importaria de ser a Diane Kruger naquele filme. Bem vistas as coisas, não me importaria de ser a Diane Kruger. Iríamos terminar juntos aquilo que havíamos começado. Faltavam muitos quilómetros ainda e eu sabia que iria precisar do Al ao meu lado.
Vi a marca dos 32. “A partir de agora descubro o admirável mundo novo”, disse eu. O meu treino mais longo havia sido precisamente de 32 km. Passei os 33, os 34, os 35 e os 36. Devo ter-me desviado do célebre muro. O tal de que todos falam, mas ninguém vê. Ia batendo com as minhas mãos nas mãos pequeninas de crianças que se encontravam junto à berma. Não falhei uma única loirinha, pequenina e de óculos. Só pensava na minha Inês.

A chegada

Quando avistei a placa “500 metros” comecei a choramingar. A sério que chorei. Ouvi um “bravo, madame!”. Agradeci em francês, claro está. Entrámos no estádio tal como tínhamos saído. Juntos. Dei um grito estridente para uma fotógrafa que estava muito bem posicionada quase na linha da meta. Espero conseguir localizar essa foto. Cruzámos a meta rigorosamente ao mesmo tempo – hora, minuto e segundo. Os resultados não me deixam mentir. “Estou muito feliz”, disse eu ao Al.

O dia seguinte

Mandam os manuais e artigos da especialidade repousar no dia seguinte à maratona. O Pedro havia-me acompanhado a Amesterdão para os meus primeiros 42. Não podia desiludi-lo ficando sentada num qualquer banco de jardim, num dos muitos e maravilhosos parques que Amesterdão oferece. Pedalámos todo o dia. Todo o dia. E fomos ao Rijksmuseum. Não estava com grande disposição para apreciar Rembrandt mas, verdade seja dita, não sei se algum dia estarei. Fiquei antes fixada num roupeiro feito de madeira de oliveira que pertenceu algures no tempo a uma qualquer princesa. Esse sim, teria gostado de trazer para casa.
Pedalar foi de facto uma grande estratégia. Poupei os pés e, rolando a baixa velocidade e com mudança baixa, fui alongando os músculos das pernas. Esta estratégia garantiu-me “dores zero” até ao momento.

E depois?

Muitos planeiam fazer uma maratona em breve. O testemunho que quero deixar é que está efetivamente ao alcance de qualquer um. Com treino, claro, muito treino. Falo de concluir uma prova em 4 horas e terminá-la bem, sem sofrimento. Falo também de Amesterdão, cuja altimetria é muito particular. Falo apenas do que conheço.
Esta manhã decidi que não queria de modo algum entrar na fase “blues do corredor”. Tinha que estabelecer um novo objetivo rapidamente. “Without having a goal it’s difficult to score”. Pois bem. Sevilha é mesmo aqui ao lado. Fevereiro é um mês perfeito para a segunda maratona. Está perfeito. Simplesmente perfeito.
Vou-me embora, que já se faz tarde, mas antes…
Plantem uma árvore. Tenham um filho. Escrevam um livro. Sim, tudo isso. Mas corram também uma maratona. Vivam a ansiedade das semanas que antecedem a prova, os momentos de confiança e os de dúvida. Treinem. Olhem para o relógio. Não olhem para o relógio. Vivam com alegria o registo de um tempo melhor que o anterior. Protestem quando o treino não corre bem. Vivam a véspera, o dia da prova, a passagem da meta aos 42. Corram uma maratona. Aqui, ali ou em qualquer lugar.
NB – Deveria terminar com um agradecimento em jeito hollywoodesco (lá estou eu com a mania que sou artista), mas sei que esqueceria algum nome importante e não me perdoaria mais tarde por isso. E, o que é certo, é que nestes momentos, à sua maneira, todos os que fazem parte da minha vida são importantes.


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Faltam 10 dias para os primeiros 42,195 km

Este texto não é sobre o FMI, a TSU, a aprovação ou chumbo do orçamento. Nem tão pouco sobre o futuro do sporting.

“Esos locos que corren”. Há dias tive oportunidade de conhecer este maravilhoso texto narrado, de um corredor e escritor uruguaio (obrigada pela partilha, Albísio!). Depois de ouvir, procurei o texto, li e reli e fiz um rewind…

Eu conheço uma dessas “locas que corren”. Com 35 anos decidiu começar a correr. Até aí quaisquer 100 metros eram uma maratona. Foi num almoço de amigos. “Vou começar a correr às 6 da manhã”, disse ela. “Vais, vais. Vais mesmo começar a correr”, responderam com pouca fé os amigos. No dia seguinte começou a correr. 2-3 vezes por semana. A primeira vez correu cerca de 4 km. Doeu, mas não parou. E depois, a cada treino, mais um pouquinho. Veio uma amiga. Uma outra “loca que corre”. Iniciou-a nas provas. Começou na corrida do DESTAK, em 2011. 1h01m para 10 km. “Isto assim é ainda mais divertido”, pensou. Veio outra prova de 10 km, a primeira meia-maratona, outra e outra. Uma corrida em grande para fechar o ano, no dia 31 de dezembro. A abrir o ano seguinte, 2012, o “Treino do Fim da Europa” levou-a de Sintra ao Cabo da Roca. Maravilha. Depois veio outro grupo de amigos. Também eles da estirpe “esos locos que corren”. Estes loucos corriam por toda a parte. E esta miúda que conheço fez a sua primeira prova de trilhos. Em Sesimbra. Troços de areia, troços de terra batida e pedra, troços com vista magnífica sobre a Praia da Ribeira do Cavalo. Troços por entre arbustos. Troços de toda a espécie. Até que chega o percurso na pedreira. Um louco saltou ontem da estratosfera. Mas nesse dia a miúda que conheço pisou a lua. Tudo branco, tudo “paz”. Tudo lindo. Tão, mas tão pequenina naquele imenso branco. “Este ano corro a maratona”, pensou. E assim foi. Escolhida a cidade – Amesterdão –, esta miúda que conheço começou a treinar sério. Comprou um relógio garmin e iniciou um plano de treinos de 5 meses e picos. E sabem o que é que o garmin lhe diz 5 meses e picos depois? 845,46 km percorridos, 84h00m53s para cumprir o desiderato e 46.204 calorias queimadas. Um litro de haagen-dazs tem aproximadamente 520 calorias, pelo que esta miúda que conheço queimou quase 90 embalagens de chocolate belga em 5 meses e picos.

A miúda entretanto tem 36 e vai a caminho dos 37. Mas antes vai concluir com êxito a sua primeira maratona. Porque não pode mesmo ser de outra maneira. Faltam 6 dias.

sábado, 29 de setembro de 2012

Higiene pessoal...

Está tudo lá.
Tudo dito e escrito na revista do expresso de hoje. Até sublinhei.
E transcrevo agora.
"É uma espécie de higiene pessoal, uma disciplina de que não abdicam, e que encaixam acrobaticamente em horários blindados". "Não posso negar que sou viciado na corrida". "Viajar para correr passou a ser um ritual". "Preciso é de música de carrinhos de choque". "E é mais barato do que ir ao psicólogo ou comprar sapatos". "Como uma praia em Porto Santo, sem uma única pegada antes de eu passar". "Aquilo que outros encontram na meditação ou na fé, eu encontrei na corrida". "Sempre corri sozinho. Para mim é um ato intimista. Completo-me desta maneira". "Quando corro sozinha resolvo imensos problemas". "O meu marido não me acompanha, mas respeita a minha necessidade de correr. Ele acha que para percorrer 42 km existem os carros". "Dá para ter uma progressão muito rápida, e isso é motivador. Isto entranha-se".
Recomendo a leitura e, acima de tudo, que calcem os ténis e corram.
Amanhã há mais no Diário de Notícias.

sábado, 8 de setembro de 2012

As minhas primeiras Rampas, perdão, Lampas!

A rentrée do atlestismo aconteceu hoje em São João das Lampas (vulgarmente conhecida como das Rampas!).

As rampas lá estavam. Foram 21 km de verdadeira montanha russa.

Aos 3 km vi uma placa que indicava "Casal Oliveira". "Ora aqui está um bom local para me retirar", pensei eu. Mas depois lembrei-me que quando casei com o Pedro Oliveira, achava que era uma miúda moderna, tendo mantido o apelido de solteira.

Segui em frente. Ouvi "Wild Ones" dos Florida, "Wild One" de Iggy Pop. Tudo o que remetesse para "sou wild" servia o propósito - aniquilar o diabinho do lado errado do cérebro que me lembrava que tinha 36 anos, o que raio pensava estar ali a fazer e que devia estar no sofá a ver um qualquer programa tonto de sábado à tarde. Afinal, cansa menos. Mas não sabe tão bem.

Caloricamente falando, hoje queimei um porco XXL, untado com banha, 2 doses de batatas fritas e um montinho de cenoura ralada.

A organização da prova esteve ao melhor nível, as gentes locais uma delícia - ora as crianças de braços estendidos esperando poder tocar os atletas (senti-me super importante!), outros batendo palmas, e outros não olhando ao bolso, usando as mangueiras particulares para nos regar.

Quem sabe, sabe, e a gente da província é que sabe.