Antes do Pôr-do-Sol
sexta-feira, 16 de novembro de 2018
43 Voltas ao Sol
Há uma clara tendência para, à medida que envelhecemos, procurarmos recuperar o nosso “eu” de quando éramos novos.
Recuar no entanto a este “eu” da década de 70 poderá até ser contraproducente. Afinal, os dentes não seriam mais que 6 e o cabelo pouco farto - para lá caminho de novo!
Talvez seja a necessidade de mostrar aos que só me conheceram “4 olhos” ou com as primeiras e segundas rugas que, apesar deste meu sobejamente conhecido mau-feitio, já fui uma coisa fofinha - e é sempre bom ouvir “oh, que coisa fofinha”, certo?
Seja lá qual for a real motivação por detrás da partilha desta foto, venho informar que esta barriguda (fofinha) já passou por 43 quase-sempre-bonitas-primaveras.
Muita coisa mudou desde a primeira primavera e não falo exclusivamente da cor dos olhos. Crescer é bom, envelhecer… tem dias! Mas há sem dúvida um sentimento de rejuvenescimento diário, reflexo de uma vivência rica com os dois melhores presentes que tive nesta vida – a Inês e o Diogo. Não são raras as vezes do dia em que experimento o “já fui assim”, “já disse isto”, “oh, como me lembro”, “eu era tal e qual”, “ah, ah, ah, ah”, “deves pensar que nunca passei por isso”, “ora, ora, sabes tudo – eu também sabia”, “os meus pais tinham tanta razão” e por aí fora. É de facto um desafio concentrado de dúvidas, poucas certezas e muita ternura que, pasmem-se, me faz (sentir) muito mais nova - talvez por reconhecer que fiz, num passado que não me parece tão longínquo assim, exatamente as mesmas asneiras!
Seja qual for o percurso que me espera, tenho uma única certeza: será com poucos dentes, cabelo ralinho e neste Algarve da foto que me sentarei numa cadeira de baloiço, no alpendre, a ouvir cigarras, ao sabor da brisa do fim de tarde da Serra Algarvia, folheando um livro e esperando os figos que cozem ao lume… salivando!
quarta-feira, 16 de maio de 2018
Enjoy the Ride!
E, de repente, percebo que já não me esperam para cantar os
parabéns pelas 15:20, aquela hora que não é nada, nem início de tarde, nem
final de tarde, nem logo a seguir ao almoço. É aquela hora que sempre causa
constrangimento na atividade profissional. Mas é a hora que a professora manda
e pais e mães odedecem para ver os filhos felizes.
De repente, percebo que hoje não terei que ir à hora de
almoço, a correr, sempre a correr, tratar de um bolo que chegue para 22 meninos
e meninas, mais uma fatia para a professora e as 3 ou 4 auxiliares que, também
merecem porque, vá-se lá ver, também cuidam dos nossos meninos, certo?
De repente, percebo que hoje, depois das 15:20, não irei
concluir, uma vez mais, que voaram todas as fatias de bolo porque,
inesperadamente, os meninos e meninas que querem sempre ir para o recreio,
afinal querem repetir a dose e eu, meio sem jeito, não vou dizer que não, e
assim as fatias de bolo não chegarão às mãos das auxiliares, levando-me ao
plano de contingência – caixinha de biscoitos no dia seguinte.
Entre fatias de bolo, um trilião de coisas boas e algumas
centenas que nos fazem lembrar que “os nossos pais é que tinham razão”… 11
maravilhosos (e rápidos) anos passaram.
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
hip hip hooray!
Às vezes tenho saudades dos tempos em que me cabia no
antebraço, barriga para baixo, cabeça encostada na palma da minha mão,
esperando poder resolver as cólicas que a atormentavam (e pouco ou nada
resolvia, mas valia pelos segundos em que acalmava).
Às vezes tenho saudades dos tempos em que toda ela eram
faróis azuis, os olhos maiores do que tudo o resto, mais azuis ainda quando a
vestia de azul (e estão agora ainda mais bonitos, mas já não sei bem de que cor
são, depende dos dias).
Também tenho saudades dos tempos em que podia escolher
vestidos, frufrus e outras coisinhas pirosas (e não a ouvia resmungar com
isso).
Tenho saudades da primeira sopa, que desastre aquela
primeira sopa, chorámos as duas (e agora come tudo o que é verde e tomate como
quem come cerejas).
Às vezes tenho saudades de a ver pequenina, no berço, no
carrinho, no andarilho, no parque ou em qualquer outro sítio onde não me
pudesse fugir (e é certo que me vai fugir um dia).
Às vezes tenho saudades das músicas de embalar da Sara
Tavares, das canções tontas da Carochinha, de bater palminhas nas festas da
escola, com aquele sorriso parvo de quem tem a certeza que tem a melhor filha
do mundo (e todas as mães a têm).
Às vezes tenho saudades destes 12 anos que já me deu, nos
deu, carregados de doçura (oxalá nunca perca esta doçura, dizem que é doce de
Sagitário, o mais doce do Zodíaco).
Daqui a uns anos terei saudades dos recadinhos no papel, dos
beijos de bom dia e de boa noite, dos “até logo” quando vai para a escola, dos
“olá” quando regressa, de todos os beijos-porque-sim que nunca se esquece de
dar (e que nunca são demais).
Vou ter também saudades que me explique o que significam
expressões como "bugados", "bem podre" e coisas que tais
(para concluir que estou de facto muito “bugada”).
Mas que coisa boa e rica esta de ver uma filha crescer!
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
O Trilho dos Pescadores
A "porta de saída" do Trilho dos Pescadores em Porto Covo, em direção ao Porto de Pesca
Mais do que palavras, o Trilho dos Pescadores pede imagens.
De Porto Covo a Odeceixe, o som das ondas e o cheiro a
maresia são companhia constante.
Uma das primeiras pausas, antes da Praia do Malhão
De igual forma, as arribas cobertas de areia - aquela
fofa-fofinha onde nos enterramos e progredimos de forma (ainda) mais lenta –
são o nosso trilho. Nosso e de todos os caminheiros que o cruzam, na sua grande
maioria “fora daqui” e absolutamente deslumbrados com esta nossa Costa
Vicentina.
Estas são as vistas do Trilho dos Pescadores
Depois de Almograve, a caminho da Zambujeira do Mar, avistamos o Cabo Sardão com o seu bonito farol
Para que não existam dúvidas - estamos mesmo no Trilho dos Pescadores!
Também eu me deslumbrei. Pensava que já a conhecia de fio a
pavio, mas estava enganada. É ainda mais bonita do que eu a julgava.
O Trilho dos Pescadores, parte integrante da longa Rota
Vicentina, desenvolve-se ao longo do Parque Natural do SW Alentejano e Costa
Vicentina, não é para gente apressada – é para quem tem tempo.
Pedras no caminho na Praia da Ilha do Pessegueiro
Dicas que inspiram na Praia do Carvalhal
A 3ª manhã, à saída da Zambujeira do Mar (o verdadeiro Regime TI, com banho de espuma e tudo)
Por vezes podemos trocar as arribas pelo areal e refescar as pernas!
Uma "caminheira-chorona" passou por aqui e deixou a sua marca decorativa!
Riscas, riscas, riscas a colorir a paisagem
Para tudo melhor se apreciar, é o Sol quem dita as regras.
Sai-se quando nasce e chega-se antes de se pôr. De preferência umas horas antes
de desaparecer no horizonte, só porque nos espera um revigorante mergulho na
praia no final de cada etapa.
A chegada a Odeceixe acontece pelo lado Norte da praia. Felizmente a maré estava vazia, permitindo atravessar a ribeira a pé e terminar esta maravilhosa aventura com um revigorante banho no mar!
terça-feira, 8 de agosto de 2017
Le Tour du Mont Blanc
Aos 41 anos matei a ilusão de que as vacas dos alpes são lilases. Não são. São pretas, castanhas, com pinta(s) ou sem ela(s) e fazem chichis grandes e feios, sem pudor.
Com ou sem "milkas", percebi que teria que palmilhar os trilhos do Monte Branco no verão de 2013. Num jantar de amigos em casa do Pedro Quina vi pela primeira vez o filme promocional do UTMB. Fiquei deliciada e agarrada a um cenário em especial. Via os atletas subir o que parecia ser uma interminável "parede", uma tenda amarela, e depois a descida, "prado" fora. Quatro anos depois sei que aquele "topo" se chama Arret du Mont Favre e foi nesse mesmo local que o cume do envergonhado Monte Branco se revelou pela primeira (e quase única) vez nesta viagem de 7 dias.
O Tour do Monte Branco é para todos. Dos 8 aos 80. E foi precisamente isso que presenciei ao longo destes dias. Centenas de caminheiros a partilhar trilhos. Umas vezes energia, outras fadiga, mas sempre um sorriso no rosto, vagar de sobra para um "bonjour", "ciao" ou "pas de soucis" com quem nos cruzávamos pelo caminho.
A célebre citação "a terra é redonda para não sabermos o que nos reserva o caminho" deve ter encontrado inspiração por aqui. Depois da subida a um qualquer "col" a que não vemos o fim, logo se seguia a descida a mais uma "vallée".
Ao Col du Tricot, que também poderia ser o Cume da Trança pelo ziguezague no trilho, logo se seguiu a belíssima vista sobre o Glaciar de Bionnassay a mostrar que isto tudo terá mesmo começado com o Scrat e a sua irrequieta noz na Idade do Gelo.
Horas depois viria a subida ao Col du Bonhomme, debaixo de chuva, vento e granizo, a gelar-nos mãos e pés e a mostrar que é a montanha quem manda. Poderíamos ter seguido nesse segundo dia para Saint Tropez, na medida em que um maluco português, cujo nome não revelarei, decidiu anunciar no Refúgio de La Croix de Bonhomme que quase fica no fim do mundo, que o shuttle partiria em 10 minutos ("Saint Tropez, dix minutes!"), roubando gargalhadas aos mais tímidos e gelados caminheiros que se tentavam aquecer. Mas resistimos.
Resistimos para no dia seguinte ter um pé "na" França e outro em Itália, depois de atingido o Col de Seigne, não sem antes contar 452 carneirinhos no Vale des Glaciers. A chuva partiu e nós também, rumo ao Vale Vény, chegando depois ao Lago Combal, barreira natural da moreia do Glaciar du Miage. Chegámos nós e 345.224 chineses ou coreanos ou gente de olhos em bico que estão por todo o lado, saltam debaixo das pedras, nascem como cogumelos e tiram fotos a cada 10 segundos - olha a novidade! Olhámos os olhos (!) em bico com inveja, porque caminhavam sem peso às costas. As mochilas iam de táxi, vejam só. Olha se eu alguma vez pagaria viagem de táxi à minha mochila e eu iria a pé. Mochilas com vidas de luxo, é o que é!
Mais uma voltinha, mais uma subida e encontrámos a melhor esplanada do percurso, a Maison Vieille. O nome é francês, mas estamos em Itália e a carta do ristorante do refúgio enche-nos as medidas. Pasta, pasta, pasta! Que rico almoço. Linda descida pelo bosque e eis que chegamos a Courmayeur, civilização a custo não suportável por portugueses, arregalamos os olhos, remexemos e vemos tudo o que não iremos comprar, mas trazemos connosco o buff do Tour do Mont Blanc para usar no último dia. Mas antes disso ainda faremos a magnífica subida ao Grand Col Ferret, onde Itália e Suíça se tocam. Esta subida-nunca-mais-acaba tira-nos o fôlego pela dureza e beleza. Para melhor chegarmos ao topo, o Rifuggio Elena reserva-nos o melhor chocolate quente, para depois, bastante tempo mas poucos quilómetros palmilhados depois, festejarmos a ascensão a mais um cume. O dia ainda não tinha terminado e a descida do Vale Ferret até La Fouly faz-nos não querer parar, por entre prado, single tracks rodeados de árvores e flores, de todas as cores. Uma delas, diz-nos o Gonçalo que nos guia desde o primeiro dia, chama-se "femme au réveille". Perguntei se era por ter um look despenteado. Acertei.
A viagem não termina sem a passagem pela Buvette de Bovine, esplanada com vista a rivalizar com a Maison Vieille, e o seu melhor bolo sem chocolate do mundo. Pedimos a receita que nos foi gentilmente cedida. Agora é com a Gi e as suas mãos talentosas para a doçaria.
Em Trient o esforço do dia foi recompensado com um delicioso fondue de queijo que deixou naturalmente reservas para o último fôlego, no dia seguinte, para a magnífica subida ao Col de Balme e então avistarmos o grande vale de Chamonix aos nossos pés.
Nestas aventuras as metas não têm pórticos, mas eu e a Gi registámos o momento como se de uma ultramaratona se tratasse. Inesperadamente houve "medalha", com a calorosa receção já em Lisboa, no aeroporto, das fantásticas duas esses, que nos receberam efusivamente, com balões, chá quente e biscoitos. E prémio de finisher pois então.
Obrigada Gi, Monsieur Otto, Gil, os simpáticos Rita e Gonçalo, os sensatos Fernanda e Mário e o valente super-Mário.
Um agradecimento especial ao Gonçalo Silva e à Outside, que tão bem nos guiaram.
Devagar espero chegar longe.
domingo, 26 de março de 2017
Vicente, o fim do caminho e da Algarviana
Km 300. A meta (ou o início de qualquer outra coisa), no fim da terra!
Há 1 ano (sim, 1 ano) pisei o km 0 da Via Algarviana em Alcoutim. Hoje, no mesmo dia, mas 1 ano depois, cheguei ao Cabo de São Vicente. Foram precisas 55 horas, distribuídas por 11 dias, para aqui chegar.
Esta aventura nada tem de mérito desportivo: o Algarviana Ultra Trail receberá em novembro próximo 60 atletas que se proporão fazê-la, sem interrupções, num tempo máximo de 72 horas - estes atletas sim, terão por que se orgulhar (mas eu cheguei primeiro!).
Esta aventura também não é o pagamento de qualquer promessa ao mártir São Vicente que, por ter recusado oferecer sacrifícios aos deuses durante a perseguição aos cristãos, acabou por ser morto e mais tarde trasladado para o Promontorium Sacrum, onde agora me encontro: já paguei todas as promessas feitas e, ao contrário dos políticos, faço poucas.
Esta aventura é sim a concretização de um desejo pessoal, que há muito procurava: eu e o trilho, num canto do País que tanto gosto, numa serra que percorri de lés-a-lés e que tão bonitas vistas, cheiros, sons (silêncio também) e motivos para sorrisos (alguns “ais”) me ofereceu.
Em boa verdade, e fora do contexto das caminhadas ou corridas, há dias ouvi algo que traduz na perfeição o que foi esta minha Via Algarviana: “Sometimes it’s not about how far can I go, but about how yummie can I make it”. E foi isso que foi este longo (e demorado) passeio. Muito yummie!
Tempo agora para arrumar as sapatilhas e as ideias também - em breve sairão meia dúzia de linhas sobre esta aventura de 11 dias num ano. Porque não vivo sem palavras escritas.
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Passadeira Vermelha na Serra da Lousã
foto: Miro Cerqueira
As coisas nem sempre correm como planeado, mais ainda quando o espírito é no sentido de pouco planear.
Nada mudaria nesta aventura, que apenas terminou quando eu e a Gi decidimos terminar, percorrendo assim os trilhos mais bonitos que nos oferece a Serra da Lousã.
Como disse em tempos, não são as pernas que me movem, mas tudo o resto, e naquela serra é difícil escolher o melhor daquilo que é uma verdadeira passadeira vermelha de luxo.
Cada um de nós
que por lá passa arrecada o óscar para “melhor caracterização” no estilo
lamacento. O óscar de “melhor canção original” vai para a água a escorrer pelas
cascatas e riachos abaixo, enquanto os pés pisam o cascalho e folhitas, o óscar
de “melhor fotografia” é atribuído à vista que nos oferece o Penedo dos Corvos,
o trilho das pontes tortuosas depois do Gondramaz arrecada o óscar de “melhor
montagem”, o óscar de “melhor guarda roupa” vai sem dúvida para as atletas
femininas que muito coloriram a serra e o óscar de “melhor design de produção”
vai para a escada de pedra depois da Senhora da Piedade.
Finalmente, e sempre o
mais importante: o óscar de "melhor realização", atribuído uma vez
mais à numerosa equipa/família abútrica que, ano após ano, ainda nos consegue
acolher com mais simpatia e alegria.
foto: Matias Novo
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