terça-feira, 1 de setembro de 2015

Lisboa, temporada 3

ilustração: Desenhador do Quotidiano

Lisboa, temporada 3. A sequela da temporada 1 e 2, que já escrevi por aqui.

O primeiro dia do mês é sempre um bom dia para a tomada de decisões. Mais ainda quando se trata do primeiro dia do típico mês de regresso a qualquer coisa - à escola, ao trabalho, à rotina diária sem folgas ou sestas.

Por isso, no dia 1, calço as sapatilhas, saio de casa e desço a avenida do aviador até ao Campo Pequeno, acreditando que sou tão veloz quanto o Louie Zamperini retratado por Laura Hillenbrand – o livro das férias que me obrigou a secar muitas lágrimas nos bordos da toalha de praia. Agora, como estou a ler “A filha do capitão”, do José Rodrigues dos Santos, olho para os rapazes que jogam futebol de 5 no court e recordo que por ali, sem redes ou piso adequado, já outros rapazes correram atrás de uma bola e ainda não se falava em touradas. Vou-me obrigar a não falar de touradas, porque terei que ir buscar os kleenex (já não tenho comigo a toalha de praia) e porque é de facto um fenómeno atroz que não entendo. Tanta coisa que não entendo.

Sigo pela avenida de República, passo frente ao Galeto e penso nas tostas de bife com cebola caramelizada. Depressa me lembro de uma das resoluções do dia 1, largo a imagem e sabor da tosta na esplanada e sigo caminho. O Saldanha está mais bonito. Brutal, como tantos dizem. Oxalá o dia 1 traga consigo uma nova palavra da moda. Detesto “brutal” por ser uma palavra… bruta. Posso sugerir? Sensacional, incrível, estonteante, impressionante, eletrizante, fenomenal, fabuloso, espantoso, formidável, maravilhoso, surpreendente, esplêndido, notável, extraordinário, excecional. Ena, tanta palavra bonita!

Desço a Fontes Pereira de Melo, chego ao banzé do Marquês de Pombal. Cuidado, muito cuidado, Susana. Mais de 500 acidentes em 3 dias, registados pela operação de fim de época estival da GNR. Os números de feridos graves e mortos eram tão absurdamente assustadores, que eliminei dos meus registos. Que raio de gente ao volante neste País. Que giro, se escrevesse “deste”, a afirmação assumiria contornos totalmente diferentes. Mas também não vou falar de política.

Inicio a descida da avenida da Liberdade. Como sempre, os vestidos e malas que não poderei comprar. E, também como sempre, a importância disso é nenhuma. Ao lado do passeio onde corro, a ciclovia que há tempos percorri e mais parecia o mar alto sem amortecimento. Mas lá está. Os que ali fazem compras não se passeiam de pasteleira, por isso, porquê consertar?

Rocio. Sim, à moda do antigamente. Porque antigamente havia por ali os “água vai”, mas também passeavam carroças com cavalos e senhoras com vestidos compridos, chapéus e sombrinhas. E tomar café na esplanada era ritual de luxo. De gente com tempo. Hoje tomamos “bicas” à meia dúzia por dia. E engolimos em dois tragos porque não temos tempo a perder. Quero o Rocio em vez do Rossio, pode ser?

Cais das Colunas. Antes desembarcavam chefes de Estado, caminhando elegantemente sobre as pedras de mármore. Gente importante. Agora… agora vem gente não menos importante, apressadamente, balançando em cacilheiros, com as mordomias que o valor do passe mensal oferece. Nenhuma que não seja a de atravessar para um e outro lado. Mas podem contemplar o rio. Bem bom.

A minha viagem chega a meio. Agora há que voltar para trás. Subir tudo o que desci. E procurar sentido nas palavras de Ludwig Wittgenstein que o José Rodrigues dos Santos escolheu para arrancar a sua história. “O sentido do mundo emerge fora do mundo. No mundo tudo é como é e acontece como acontece”. Prefiro não pensar assim. Afinal, teremos algum propósito nesta vida que irá para além de garantirmos a nossa exclusiva felicidade, certo?

No final, quando tudo parecer demasiado complicado, façamos como nos canta a pequena Paula Bélier – “la vie c'est plus marrant, c'est moins désespérant, en chantant”. Se não viram o filme (La Famille Bélier), vão ver.

Setembro, “o Maio do Outono”. Existirá alguém que não fique feliz com a sua chegada?

Bem-vindo Setembro!


5 comentários:

  1. Ontem também foi para mim o início de um novo ciclo. Já ando em (re)inícios há um ano, mas espero que seja desta... Engordei, deixei os treinos por lesão, e outras coisas mais... Não foi um bom filme, este meu ano de 2015.

    Beijinho

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. "Baby" runner, a preguiça já tem raízes profundas no meu caso. Às vezes simplesmente não é o momento. Já pesnei que eventualmente deveria mudar de "ramo". Mas acho que não encontrarei em nenhuma outra atividade a satisfação que me dá a corrida. Tenho apenas que relembrar como se combate a preguiça. Setembro é um recomeço e mais uma oportunidade. Vamos lá? Beijinho!

      Eliminar
    2. Vamos, pois!! ;)

      (De todas as pessoas que não conheço ao vivo e a cores acho-te muito parecida comigo)

      Eliminar
    3. Que belo texto para a "rentrée"! Obrigado pelo «passeio», pelas imagens e pelo Rocio! :)

      Bons treinos!

      Bj

      Eliminar
    4. Obrigada! Ficou a faltar o Einaudi, entre outras coisas! Um beijinho.

      Eliminar