A abertura da minha época desportiva aconteceu a 12 de janeiro.
Atrevo-me a dizer que naquele dia a Cumeira terá recebido maior número de atletas do que os habitantes que tem. Se não eram em maior número, eram seguramente mais barulhentos, mais divertidos, mais desenrascados… mais… enlameados!
As equipas
Nunca eu estive numa prova onde visse tanta gente “igual”. Muitos amarelinhos. Muitos azulinhos. Muitos laranjinhas. Mas os amarelinhos esmagavam todos os outros, é certo. Tal como os outros, os Offtel Runners lá exibiam orgulhosos as suas t-shirts. Num cantinho fui observando toda aquela dinâmica. “Susana, se calhar devias começar a pensar neste assunto. Pertencer a uma equipa, a um clã”, pensei eu para comigo.
A verdade é que vou respondendo orgulhosamente que na corrida não pertenço a ninguém, senão a mim própria. Costumo até dizer que me agrada a ideia de ser por conta-própria a correr, já que em tantas outras coisas sou por conta-de-outrém. Refiro-me naturalmente à atividade profissional, mas também a quase tudo o resto. Afinal, hoje em dia, o que somos senão pessoas por conta-de-outrém? Por conta das decisões da troika, do governo, da oposição, do Banco de Portugal… ou do vizinho de cima que nos acorda porque faz sapateado a horas impróprias! Cada vez menos por nossa conta e mais por conta do resto do mundo, é certo!
Mas voltemos aos outros clãs…
Na verdade eu queria fazer parte de uma equipa. Queria ser coleguinha da Anna Frost. Queria pertencer à equipa de trail running da Salomon. Estarei a sonhar demasiado alto? Eu corro com ténis da marca. Corro com uma saia-calção da marca. Corro com uma t-shirt da marca. Corro com uma mochila da marca. Apenas… preciso de correr mais! Certo? A alternativa será alguém na equipa da Salomon descobrir o potencial de mercado subjacente a mães-corredoras-não-tão-jovens-assim- que-não-correm-muito-mas-que-no-meio-de-tudo-o-resto-ainda-conseguem-correr-qualquer-coisa! Espero que a Bárbara Sá me esteja a ler e de volta de um ficheiro excel a fazer a análise custo/benefício da minha proposta!
Sentaram-se a rir? Dirão que sonho alto? Acham mesmo? Caramba! Conheço um tal senhor que faz muito menos e vive no Palácio de Belém. E não é patrocinado por uma marca, mas por um país inteiro. 11 milhões!
Mas voltemos ao que interessa e nos faz bem!
Lama na Laminha
14 km separavam a partida da meta.
A partida fez-se de forma muito relaxada. Cumprimentei alguns amigos. Fui “encontrada” por outros. Rolando com tranquilidade, como diria o outro. Bem vistas as coisas, saberei rolar de outra forma?! Creio que não!
14 km é coisa pouca, dirão. Pois sim. Mas nestes 14 km muita coisa aconteceu. E a organização teve o cuidado de alertar antecipadamente os atletas…
“Isto é de loucos” (várias vezes, ao longo do percurso), anunciava uma tabuleta.
Querem melhor forma de arrancar sorrisos a quem por ali passa? Muitos trilhos onduladinhos como gosto. Muitos zigue-zagues também. Direita, esquerda, direita, esquerda. A dado momento digo que estou tonta e uma atleta que segue na frente pergunta se preciso de açúcar. “Oh, obrigada… estava a brincar!”, respondo. “Não estou tonta, sou tonta”, penso para comigo!
“Super fácil”, anunciava mais uma tabuleta…
E logo éramos confrontados com pedra e lama, e lama e pedra, e de novo o inverso… e os sapatos a derrapar… e as pernas a dançar ao sabor da lama. “Ais” e “uis” ouvem-se pelo campo. Ou porque as silvas nos arranharam, ou porque pontapeámos uma pedra “à la CR7”, ou porque ficámos com o nariz a 2 cm do chão depois dos sapatos derraparem em mais… laminha!
“Cuidado… Merda” (não fui eu que escrevi isto).
Se dúvidas tivéssemos, o olfato logo nos esclareceria metros adiante. Ainda assim “não está tão mau este ano”, diziam os reincidentes na prova que seguiam por perto. “Este ano até temos pouca lama”, insistiam. “Certo… isto é pouca lama…”, pensei eu para com os meus botões (quais botões?!)…
“Não te afogues” é o próximo aviso e a lama não se faz tardar.
Um rio de lama… uma piscina de lama! Há quem se esforce e agarre em dois grandes troncos procurando construir uma ponte. Mas eu estou com pressa (como sempre) e não tenho tempo a perder… Splash, lama pela cintura! Estou certa de que a Inês e Diogo não reconheceriam a mãe naqueles preparos. Nunca ousaram chegar a casa no estado em que terminei a prova e têm menos 30 anos do que eu. Adiante…
“Ri-te agora”, anuncia a tabuleta seguinte…
Rapidamente me pergunto “espelho meu, espelho meu, haverá no mundo alguém mais lamacento do que eu?”… Ri-me é certo, mas lá atrás, uns metros atrás, ouvia outros atletas a rirem também. E ainda não haviam visto a tabuleta. Terá alguém conseguido não gargalhar a 12 de janeiro na Laminha? Não creio!
Entretanto, mais um obstáculo. A lebre do grupo pergunta-me se consigo saltar aquilo que me parece ser uma poçazita. “Para quê tanto esforço agora?”, respondo eu. Avanço para aquilo que penso não ter mais do que 2 cm de altura de água… e de lama. Pufff. Avaliação errada. Afinal era a albufeira de uma barragem (quase!) e fico com água pela cintura (fácil, não sou alta!).
“Falta 1 km”, anuncia a penúltima tabuleta.
Sorrio e penso no almoço. Já falta pouco mas sei bem que 1.000 metros neste tipo de experiências podem-se revelar… penosos! 600 metros passam e atingimos o último aviso: “faltam 400 metros”! Se fosse uma organização honesta, teria escrito “e vais subir que se farta!”. Sigo nos meus “baby steps”, determinada a não caminhar. Talvez tenha dado dois passos mas rapidamente me lembrei que tinha ido ali para correr. Mais um fôlego, só mais um, e sigo para o sprint de 5,30 metros, sem subidas nem descidas, até à meta.
O banquete
Quando cheguei ao local do almoço poucos lugares havia disponíveis. Os atletas e respetivos acompanhantes aguardavam impacientes. Coube-me a mim esperar também um pouco. Um pouco contra-vontade também, porque o apetite já se fazia avisar, entendi depois a razão de ser de tão longa espera.
Aquela era uma grande sala de banquetes para casamentos. Nos casamentos ninguém inicia o copo d’água sem que antes cheguem os noivos. E faltava o Victor Ferreira. Qual noivo no seu fraque, entrou pela porta dos fundos, e as salvas de palmas não se fizeram esperar. Mas ainda faltavam alguns convidados – os derradeiros atletas. Aqueles que demoram um pouco mais que os outros a cruzar a meta e que, por esse motivo, mais sujeitos às intempéries, mais merecem um almoço quente. Por isso, caros atletas rápidos… tivessem corrido mais devagar, é o que vos digo!
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