Há momentos nas nossas vidas em que precisamos de injeções de confiança.
Atenção. Não falo de massagens ao ego provindas de outrém. Falo de injeções de confiança resultado de atos nossos.
O que são injeções de confiança, perguntarão? Podem ser tantas e de natureza tão variada.
Uma filha sussurar-nos que somos a melhor mãe do mundo. Ou um filho responder rapidamente com "sim" a todas as questões triviais que colocamos ao telefone, mas quando perguntamos "tens saudades minhas", responde "muitas". Faz-nos acreditar que, no que respeita à educação dos filhos, alguma coisa devemos estar a fazer bem.
Pode ser um pai a dizer "gosto muito de ti, ó piruças". Faz-nos acreditar que mesmo fazendo asneiras, somos a filha que deseja.
Pode ser alguém que amamos dizer-nos que quer ficar connosco para sempre. Faz-nos acreditar que valeu a pena preparar aquela salada com 15 ingredientes, cuja combinação foi cuidadosamente estudada.
E depois...
Pode ser a montanha. A montanha tem uma capacidade imensurável de nos injetar confiança, que só apetece colar pensos rápidos para que não saia pelos poros. Chegar a "certas e determinadas" metas na montanha faz-nos acreditar que temos forças para fazer parar a Terra de girar em torno de si própria e em torno do Sol. Mesmo que acreditemos apenas por uns dias, já terá valido a pena.
Pouco ou nada me tem faltado. Sou uma afortunada.
Mas, desde a experiência na Madeira, tenho vindo a somar "fracassos" - perdi-me no Paleozóico, abandonei o Marão, abandonei a Estrela, enfim... confesso que no sábado estava a precisar de uma injeção daquelas que só uma meta a 70 km da partida e a Serra da Freita podem dar.
No fim-de-semana anterior ao UTSF (Ultra Trail da Serra da Freita, para quem me lê mas pouco quer saber de corridas) fui até ao local onde se desenvolve a prova. Tinha pedido ao Rui para percorrermos um pouco do traçado que a constitui, ficando claro que teria que visitar a Frecha da Mizarela. Sabia que muito dificilmente teria capacidade para lá chegar dentro do tempo estabelecido e, se porventura um milagre sucedesse e lá chegasse, o Sol já se teria deitado e nada veria.
Assim foi. Percorremos aquilo que é a Corrida da Freita mais uns pózinhos. E adorei. Quando chegámos ao Merujal, o Rui indicou-me onde era a meta, junto à casinha de pedra. Nada lhe disse mas cá dentro pensei "e se... e se correr bem? que bom seria!". A tal injeção de confiança.
Porque fui então ao Ultra Trail da Serra da Freita?
Porque queria experimentar as passagens no rio. Queria chegar a Drave. Queria saber se todas as pedras eram como as que vi no PR7, em tons de prata e dourado, num padrão que daria o melhor vestido. Queria ver montes e vales entrelaçados, fazendo-me acreditar que na serra também há penteados e que naquele dia a Freita havia escolhido usar uma trança. Queria molhar os pés, as pernas e o buff no Paivô. Queria, ó se queria, ver os Três Pinheiros. A partir daí... a partir daí logo se veria.
Depois dos 30 km sabia que só teria mais 10 para percorrer. Nunca chegaria dentro do tempo de controlo. Mas era impensável deixar-me ficar por ali. Eu queria a "chapa" ao lado dos Três Pinheiros. Segui com a Carla e a Anabela, esta última que, num ato altruísta, desistiu de seguir em frente, ajudando quem precisava. Rapidamente se juntaram os "rapazes-vassoura", a retirar as fitas de marcação atrás de nós e, um pouco adiante, o Miguel e a Lia, que andavam a certificar-se que ninguém ficava sem dentes naquele troço do rio.
(foto de Miguel Catarino)
De pé aplaudo todos aqueles que cruzaram a meta do UTSF. Já nos balneários, a querida Júlia Conceição dizia-me que os primeiros 40 km do UTSF eram um docinho. Sorri. Sorri e pensei como tinha ousado pensar por segundos, no Merujal, ao lado da casa de pedra, "e se?".
Há que ter humildade. Sabem bem as palavras de força e incentivo. Mas é importante reconhecermos que na vida há que batalhar muito para se alcançarem algumas metas. O UTSF deve ser isso mesmo. Uma batalha para grandes guerreiros!
Vou voltar à Serra da Freita e é certo que não vou esperar por 2015. Voltarei sem fitas de marcação, seguirei os PR traçados no mapa que guardo comigo e terei o Rui a guiar-me "besta" acima. Certo, Rui?
Quanto à injeção de confiança da montanha... essa terá que aguardar um pouquinho mais. Para já, vou desfrutando dela, como sei, como posso, como me dá prazer.
Susana, vais voltar por onde andou e correu o Sálvio Nora sem fitas e sem rumo certo… Sálvio Nora que é o grande culpado destas nossas andanças e maluquices... Sálvio Nora, o Homem bom e grande desportista, amigo de José Moutinho e colega de clube (GD4Caminhos) e meu amigo virtual durante alguns anos no Fórum “O mundo da Corrida”, onde todos os dias o visitava e bebia sofregamente os excelentes e arrebatadores textos que abarcavam os mais variados temas, mas sempre muito actuais, acutilantes ou não, mas sempre muito bem-dispostos. Infelizmente só tive o grato prazer de o conhecer pessoalmente numa São Silvestre do Porto (2005), cinco meses antes da sua prematura partida…
ResponderEliminarSusana, desistir ou ser barrado(a) aos 60km, 50km ou 40 km na Serra da Freita, naturalmente que não é uma vitória, mas também não se deve considerar uma derrota. Não é qualquer um que chega a esses patamares… Roma e Pavia não se fizeram num dia, e tu, um dia, também vais subir o PR7. Não sei se de dia, se ao Pôr-do-Sol ou de noite, mas tenho a certeza que vais descer aquele trilho mágico em direcção à casa da pedra!
Um Abraço!
Orlando Duarte
Sempre a subir e a desfrutar... Gosto!
ResponderEliminarVenha a próxima prov(s)a!