Os conteúdos programáticos das licenciaturas em medicina e respetivos manuais, os prontuários terapêuticos e as carreiras médicas vão iniciar brevemente um processo exaustivo de revisão e atualização.
Embora a comunidade científica já desconfiasse desta possibilidade, as certezas intensificaram-se nos últimos meses. Foi identificada uma nova patologia: o vício da corrida!
Se achas que ainda não foste atacado por este potente vírus, deixo-te algumas dicas que te permitirão identificar se estás no grupo de risco desta terrífica virose e se deves resguardar-te desde já.
Um viciado em corrida…
… sorri quando, não estando a correr, avista um corredor a menos de 10 metros e sonha fazer o mesmo;
… ou sorri quando, não estando a correr, pensa avistar um corredor a mais de 500 metros, interrogando-se “porque não sou eu ali?”;
… sai de casa às 6 da manhã para correr, pois é a única hora do dia que tem disponível para o fazer;
… ou sai para a rua às 22 horas para correr, porque não conseguiu alojar o treino em nenhuma outra hora do dia e é impensável deitar-se sem a dose diária de serotonina;
… vive em estado de ansiedade até que chegue domingo, dia típico para realização de provas de competição, sabendo de antemão que nunca subirá ao pódio e muito dificilmente alcançará os primeiros 1.000 lugares da classificação geral;
… imagina-se nas areias da Marathon des Sables ou nos percursos montanhosos do Ultra Trail du Mont Blanc, quando sentado no banco do carro, parado no trânsito caótico ou simplesmente aguardando que o semáforo fique verde;
… proclama “time is running”!
… descobre, onde quer que vá, um lugar fantástico para correr;
… usa siglas indecifráveis para o comum dos mortais quando fala dos seus feitos, conferindo assim um cariz mais profissional – PBT (personal best time), RP (recorde pessoal), PB (personal best), PR (personal record), MMP (melhor marca pessoal), entre outros;
… ouve um novo hit na rádio e de imediato pensa que se trata do “beat” ideal para a série de 400 metros num minuto;
… sempre que vê alguém correr mais depressa, assume de imediato que não correrá uma distância tão longa quanto ele próprio (e sente vontade de o dizer em alta voz);
… inicia qualquer conversa com um desconhecido com um desbloqueador de conversa do tipo “crise financeira”, rapidamente substituído pelo tema “corrida” e a forma como esta lhe salvou a vida;
… anuncia no Facebook que vai correr;
… anuncia no Facebook que já foi correr;
… anuncia no Facebook a distância que correu, a velocidade a que o fez e quantas calorias queimou (há quem converta as calorias em embalagens de Haagen Dazs);
… partilha no Facebook dezenas de parágrafos relatando a última corrida de 8,5 km, não esquecendo nenhum detalhe: frio ou calor, vento ou ameno, à beira rio, perto de casa ou na Serra de Sintra, a dor no tensor da fáscia lata, a contratura na nádega esquerda ou as caimbras no dedo mindinho do pé direito;
… partilha no Facebook a foto dos últimos ténis que acabou de comprar, esperando de volta 1.456 comentários dos amigos a felicitarem-no pela criteriosa seleção (e fica zangado se disserem que foi má opção);
… aprende a conviver com tendinopatias do tendão de Aquiles, luxações e entorses nos tornozelos, fascites plantares e outras maleitas que requerem paragem obrigatória, continuando a correr como se não houvesse amanhã, exclamando “no pain, no gain”!
Chegou o momento do auto-diagnóstico…
Se não te identificas com nenhuma destas situações, estás safo. Podes voltar para o sofá e ver o AXN.
Se porventura já viveste alguma destas situações, tem cuidado. Vais no bom caminho!
Se poderias ser tu em mais de metade das situações, informo, rejubilando: estás viciado!
Para ti, que és viciado na corrida, proponho a integração imediata nos Corredores Maníacos Anónimos.
Não temos muitas cadeirinhas disponíveis mas aconchegamo-nos mais um pouquinho.
De toda a forma não ficamos muito tempo sentados. A terapia é mesmo… Correr!
Bem-vindo!
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