domingo, 29 de setembro de 2013

Serra d'Arga contada às crianças

"Meninos, vamos para a caminha!", exclamo, exausta, ansiando também pelo meu momento de descanso, no final de mais um dia bem preenchido.
"Queremos uma história, mamã! Já não nos contas uma história há tanto, tanto tempo!", reclamam a Inês e o Diogo.
"Têm razão", respondo. "Há quanto tempo não me sento a ler-lhes uma história aos pés da cama", penso para comigo.
"Ora então vamos lá", começo eu.
"Vou contar-vos uma história de uma menina que conheço. Era menina como tu, querida Inês, mas depois cresceu e hoje já é uma mulherzinha". "A menina também tinha um mano, sabes Diogo?", acrescentei.
"Coincidência ou não, esta história aconteceu no dia 28 de setembro. É um dia muito especial para a mamã. O que quer que seja que venha a acontecer, nunca deixará de ser especial", expliquei à Inês e ao Diogo.

Era uma vez...

Certo dia de setembro, numa linda serra chamada Serra d'Arga, muitas centenas de meninos e meninas, uns mais crescidos, outros menos, uns com pernas maiores, outros com pernas mais curtas, partiram de manhã bem cedo, estrada de pedra acima, em busca de um lindo tesouro na Serra d'Arga.

Eram realmente muitos e, por vezes, os caminhos eram tão estreitos, que tinham que esperar à vez a sua passagem. Cada um esperou pelo seu momento, sem tropeções, encontrões ou palavrões!
A menina lá seguia no seu caminho, umas vezes correndo, outras andando, apoiada em duas poderosas muletas, que tornavam a escalada das paredes de pedra um pouco mais ligeira.

Foi subindo, subindo e a chuva não tardou a cair. E choveu mesmo muito. Choveu quase o tempo todo!
À medida que subia, o vento soprava mais forte. Vruummmmmm! E soprava cheio de força, de todos os lados. Umas vezes era vruummmmmm, outras vroommmmmm, adivinhando-se um daqueles grandes moinhos de vento, escondido atrás do nevoeiro. O "vrooooommmm" era mesmo tão assustador, que a menina concluiu que o moinho de vento deveria estar a produzir energia para Portugal inteiro!

Entretanto, avista uma descida e começa a correr, destemida, sobre as pedras. Tem mesmo muita pedra a Serra d'Arga. A menina não corria muito rápido, mas devia fazê-lo de forma engraçada, pois um outro corredor disse-lhe que parecia que estava a dançar ballet sobre as pedras!

E lá seguia a menina correndo quando... Catrapum! Escorrega numa pedra e puf! Grande queda. Ficou sentada por uns momentos e logo chegaram outros meninos perguntando se estava bem. Ninguém seguiu caminho sem que a menina se levantasse e confirmasse que tudo estava no mesmo sítio.

Recomeça assim a corrida, um pouquinho dorida e com uns arranhões na perna, que as simpáticas urzes - uns arbustos muito bonitos mas que picam muito - iam acariciando ao longo de todo o percurso. Havia urzes mesmo por todo o lado! Era impossível escapar!

E, por falar na impossibilidade de escapar... "Tantas ovelhinhas que por aqui andam", pensava a menina enquanto subia e descia a montanha. Na realidade, não avistou nem uma. Mas as pedras estavam cheias de vestígios de ovelha! Se calhar haviam-se escondido dos lobos que por lá andam. Mas a menina não teve medo, porque na véspera tinha lido que os lobos não atacam os homens, fogem deles!

A Serra d'Arga está salpicada de vegetação rasteira. É comum que assim aconteça quando estamos a maiores altitudes. Mas, de quando em vez, lá aparecia uma árvore com uma grande copa, mesmo grande, e a menina perguntava-se como teria ido ali parar uma árvore. Uma única árvore, nascida no meio do nada, com muitos ramos e folhas, que nem a chuva, nem o vento, haviam destruído ao longo de todos estes anos.

A chuva continuou a cair. A terra, que há poucos dias estava seca, depressa se transformou em lama. Chlop, chlop, lá seguia a menina com os sapatos, as pernas, as mãos dentro da lama. Sentia comichão, coçava o nariz e ganhava um nariz com cor de carvão. Felizmente lá aparecia um riacho com água cristalina, onde aproveitava para limpar o que conseguia. Temos que lavar sempre as mãozinhas! Mas a lama era tanta, que receava mesmo levar um ralhete quando chegasse a casa. Bem vistas as coisas, a menina já era crescida para levar ralhetes, mas seriam bem merecidos!

Ao perto ouvem-se os sinos da igreja. A menina corre e conta as badaladas. Quatro badaladas! São quatro da tarde, portanto. Mas, como sempre na montanha, o perto torna-se longe, e dá umas voltinhas mais por entre as pedras, cascalho e folhinhas.

Mais de 8 horas depois, a menina chega à meta. Encontra os tios queridos, alguns amigos e gente que não conhece, mas que a felicitam como se tivesse ganho o primeiro lugar.

"E o tesouro, mamã, alguém o encontrou?", perguntou o Diogo.
"Acho que todos os meninos e meninas que por lá andaram encontraram um tesouro, Diogo. Para uns o tesouro estava na chegada à meta, o fim da corrida. Para outros, o tesouro foi sentir a chuva no rosto. Para outros ainda, ouvir o vento forte. Todos encontraram qualquer coisa valiosa", respondi.

"Como se chamava a menina desta história?", pergunta a Inês.
"Chamava-se Susana. Mas esta é também a história de muitas outras meninas que por lá andaram, naquela serra. É a história da Maria, da Ana, da Carla, da Gília, da Cláudia, da Aida, da Anabela, da Mariana, da Sónia, da Otília, da Cristina, da Júlia e de tantas outras meninas", respondi cheia de certezas.

"Inês e Diogo, não me interessa que sejam os melhores. Quero que sejam únicos no que fizerem! Como a única árvore que avistei lá em cima na montanha. Não será a maior do mundo, mas ali era especial no meio das urzes! Prometem?", pergunto.
"Sim, mamã!", respondem em uníssono.
"Então... vitória, vitória, acabou-se a história!", remato.