terça-feira, 30 de abril de 2013

Diz-me a primeira letra do teu nome, dir-te-ei como corres!

Depois do Horóscopo da Corrida (lembram-se?) e da astrologia aplicada à corrida, eis a ciência das letras!
Ninguém se entende quanto à origem do alfabeto. Há quem diga que quem primeiro simbolizou as ideias foram os egípcios, utilizando figuras de animais. Mais tarde, os mesmos reivindicaram a invenção do alfabeto que os fenícios já haviam introduzido na Grécia. Uma confusão, portanto. Mas deixemos os povos antigos nas suas zangas e concentremo-nos no essencial.
Todos aqueles que já tiveram a felicidade de ser mães ou pais terão seguramente perdido algumas horas a folhear livrinhos com o significado dos nomes ou das letras porque queriam o melhor para os seus bebés, certo? Ou, mesmo não sendo mães nem pais, quem não foi já vasculhar o significado do seu nome, ficando inchado de orgulho quando a descrição vem recheada de qualidades notáveis? Não é tontice, acreditem. Cada letra tem um som e cada som transmite uma energia que influencia a personalidade da pessoa.
A primeira letra do nome é conhecida como “pedra fundamental” ou “alicerce”. Se fôssemos um edifício, a nossa primeira letra seria o nosso primeiro tijolo. Os entendidos nesta matéria dizem que a pedra fundamental diz respeito às aptidões e às reações de cada um de nós perante diferentes experiências.
O princípio aqui adotado é o mesmo do Horóscopo da Corrida. Se a primeira letra tem um significado, então ele será extensível a tudo o que fazemos na nossa vida e dirá muito da forma como encaramos o solo sob os pés e sobre o nosso destino na corrida! Misturei os ingredientes no caldeirão, juntei uns pozinhos de pirlimpimpim e… Puff!
De A a Z, aqui vamos nós… a correr!

Corredores “A” de Ana, Anabela, Analice, Andreia, Alexandra, Albísio, António, Alberto, Álvaro e tantos outros!

Sempre prontos para a aventura, os corredores “A” têm muita energia e são dotados de uma personalidade ativa e decidida. Para estes papa-quilómetros, corrida sem desafios não tem qualquer graça. São líderes por natureza, pelo que atraem outros corredores (e não-corredores) com o seu entusiasmo, seduzindo-os com ânimo. Os “A” são também teimosos e birrentos, pelo que insistirão em correr à sua maneira.

Corredores “B” de Bárbara, Beatriz, Bruno, Bernardo e tantos outros!

Com a determinação que lhes é característica, os “B” chegam sempre lá, onde quer que o “lá” seja. Tanto podem ser os primeiros 5 km, como o ponto mais alto do Mont Blanc. Gostam de partilhar as suas experiências com os outros, especialmente com aqueles de quem gostam, pelo que raramente correrão sozinhos. São estudiosos por natureza. Devoram artigos sobre a técnica de corrida, a nutrição adequada, o equipamento recomendado e tudo o que esteja relacionado com a prática e melhoria de performance.

Corredores “C” de Carla, Célia, Catarina, Cristina, Carlos e tantos outros!

A expressividade e amabilidade característica dos corredores “C” transborda da vida para a corrida. Por serem curiosos, adoram meter o nariz em novos desafios. Gostam de partilhar os seus objetivos com os outros e a corrida não é exceção. Sempre de bom astral, são os corredores para quem correr é uma festa. Cada chegada à meta é celebrada com um sorriso do tamanho dos quilómetros palmilhados!

Corredores “D” de Daniela, Doroteia, Dulce, Dinis, Diogo, Daniel e tantos outros!

Muito atenciosos, os corredores “D” possuem um sentido maternal/paternal muito forte, gostando de se sentir úteis e necessários. Por esse motivo, serão ótimos parceiros de corrida e adorarão assumir a figura de lebre. Mas atenção. Correm o risco de viver e correr muito em função dos que os outros querem, pelo que deverão encontrar um ponto de equilíbrio. Muito ocupados, aproveitam todos os minutinhos livres para correr.

Corredores “E” de Eugénia, Elisa, Esmeralda, Edgar, Ernesto e tantos outros!

Com muita inteligência e poder de comunicação, os corredores “E” não dispensam uma boa conversa durante a corrida. São muito ponderados em tudo o que fazem e a corrida não é exceção. Devagar se vai ao longe é o seu lema de eleição. Dificilmente os veremos abraçar aventuras loucas sem antes terem testado o seu corpo em distâncias ou velocidades mais ligeiras. Têm ótimo perfil para professores, pelo que escutar o que o corredor “E” tem para dizer sobre a corrida é sempre uma boa opção!

Corredores “F” de Fátima, Fernanda, Filipa, Francisco, Franco, Fernando, Filipe e tantos outros!

Românticos e com muito amor para dar, os corredores “F” são pessoas divertidas que espalham simpatia em cada quilómetro que correm. Gostam de se sentir apoiados nas suas decisões – seja a primeira corrida fora de estrada ou a distância mais longa – procurando sempre o melhor para as suas vidas. Por vezes são um pouquinho egocêntricos, pelo que se aconselha a que atentem um pouco mais aos outros e os apoiem na corrida da mesma forma que o esperam para si próprios.

Corredores “G” de Gilda, Gabriela, Gonçalo, Gabriel, Guilherme e tantos outros!

Muito sérios e com grande honestidade, os corredores “G” buscam a perfeição em tudo o que fazem, corrida incluída. Aborrecem-se quando as coisas não saem conforme planeado, pelo que lidam muito mal com lesões ou quaisquer maleitas que os impeçam de correr. Os corredores “G” refletem muito antes de agir, mas quando tomam uma decisão, mergulham de cabeça no que se propõem fazer (ou melhor, correr) e esquecem tudo o resto. Gostam de assuntos ligados à saúde, pelo que estudam a fundo todos os aspetos que possam melhorar a sua performance na corrida.

Corredores “H” de Helena, Henriqueta, Heitor, Hugo, Hélio e tantos outros!

A personalidade dos corredores “H” sobressai perante grandes desafios. São otimistas por natureza e serão os mais entusiastas a apoiar grandes aventuras que outros corredores se proponham abraçar. Dificilmente passam os dias preocupados com problemas, pois são do tipo que encontra soluções para os mesmos em segundos. A corrida não é exceção, pelo que não há nada que os assuste ou demova de prosseguir em busca das suas conquistas e do desejo de palmilhar quilómetros.

Corredores “I” de Inês, Isilda, Iosif e tantos outros!
Fiel e carinhoso, o corredor “I” é também um pinga-amor. Muito protetor e prático, está sempre
pronto a ajudar um parceiro de corrida. E que bons parceiros são! Tem também uma forte tendência para se irritar quando não aceitam a sua ajuda ou recomendações. Um conselho para os corredores “I”: não deixem de ser protetores, mas não se esqueçam de deixar margem para que os outros corredores batam com a cabeça na parede (sentido figurativo, claro!) e aprendam com os seus erros!

Corredores “J” de Joana, Jéssica, João, José, Joaquim e tantos outros!

Os corredores “J” são pessoas apaixonadas pela vida. Não procuram ser melhor nem pior que ninguém – correr basta. Detestam ficar parados, possuindo grande agilidade. De mente muito aberta, não deixam passar uma oportunidade para viajar, levando a corrida sempre atrás. Não têm muita diplomacia na hora de dizer certas verdades, julgar ou criticar, pelo que estejam preparados para os ouvir porque têm sempre algo construtivo a dizer-vos sobre a forma como correm ou encaram a corrida.

Corredores “L” de Lígia, Luísa, Lara, Luís e tantos outros!

Os corredores “L” são os corredores de “cada coisa a seu tempo”. Se estão a correr, estão a correr e não vale a pena incomodá-los com o que quer que seja. Gostam de apreciar profundamente cada momento e cada quilómetro palmilhado. Ficam algo nervosos quando têm que tomar uma decisão, mas depois de definido o objetivo, nada os demove e viram uns verdadeiros teimosos. Se o corredor “L” decidir correr a maratona daqui a 3 semanas, é garantido que a fará!

Corredores “M” de Marta, Mariana, Mónica, Margarida, Miguel, Mário, Manuel e tantos outros!

Os “M” têm energia para dar e vender, procurando manter-se sempre ocupados com alguma coisa. A corrida é por isso um escape maravilhoso para estes corredores. São muito emotivos, pelo que viverão com muita intensidade todas as vitórias na corrida, mas também tenderão a deixar-se ir abaixo quando algo correr menos bem. Muito dinâmicos, serão ótimos anfitriões e adorarão promover encontros de pessoas que partilham o gosto pela corrida.

Corredores “N” de Natália, Nélia, Nelson, Nuno e tantos outros!
Os corredores “N” são incansáveis, dinâmicos, inteligentes e criativos, possuindo muita disciplina
e estando sempre dispostos a colaborar sem outra intenção que não seja a de ajudar os outros. Não gostam de ser interrompidos em qualquer tarefa e a corrida não é exceção. Quando estão a correr o melhor será não os interromper. Tendem a ser muito críticos consigo próprios e com os outros. Relaxem. Corram e usufruam do momento!

Corredores “O” de Otília, Otávia, Óscar e tantos outros!

Os “O” sentem-se em pleno reinado numa de duas situações: ou quando rodeados pela família ou quando estão a correr. Gostam de puxar para si responsabilidades e resolver todos os problemas, pelo que assumirão sem medo a organização de uma prova ou treino. Cada quilómetro palmilhado é sempre vivido com grande emoção, gostando de partilhar a alegria na corrida junto dos que mais gostam.

Corredores “P” de Patrícia, Paula, Pedro, Paulo e tantos outros!

“P” de paz é a melhor palavra que define as pessoas “P”. Para eles não é possível viver em ambientes hostis, carregados de encontrões e gritarias. Tenderão por isso a fugir da correria das cidades e procurar o sossego em ambientes mais serranos, não dispensando os seus ténis de corrida. Os corredores “P” raramente correrão sós já que adoram sentir-se acompanhados. Quando definirem algum objetivo importante na corrida não tentem demovê-los ou criticá-los. Levarão “tudo à frente”!

Corredores “Q”, de Quitéria, Querubim, ui… Não está fácil!

Os “Q” são acima de tudo do tipo ”bom-coração”, dispostos a ajudar quem necessite de cuidados, pelo que serão ótimos companheiros de corrida. Quando desejam algo correm atrás do que querem e a estrada não é exceção. Os corredores ”Q” movem-se pela intuição, correndo de forma destemida por caminhos desconhecidos. Têm dificuldade em manter os pés no chão e de fazer uma coisa de cada vez, sendo provável vê-los a correr no sábado à tarde na montanha e na manhã seguinte encontrá-los a palmilhar dez rápidos quilómetros numa prova de estrada.

Corredores “R” de Raquel, Rita, Rosa, Ricardo, Rui, Raúl, e tantos outros!

Sempre prontos a ajudar e aconselhar, os corredores “R” são ótimos a resolver os problemas dos outros, agindo com muito profissionalismo e sabedoria. Se correrem com um “R” estarão seguramente bem entregues. Porém, os “R” ficam desnorteados quando o problema lhes diz respeito ou quando o imprevisto surge nas suas corridas. A razão e a emoção fundem-se, dificultando a tomada de uma decisão. Tentem controlar a ansiedade nestas horas e não tenham medo de continuar, estrada fora. Se correr mal, funcionará como uma aprendizagem!

Corredores “S” de Sara, Salete, Sofia, Sílvia, Susana, Sandra, Sérgio, Serafim e tantos outros!

Os “S” sabem perfeitamente o que querem da vida e a forma como lá chegar. Têm grande habilidade para envolver as pessoas que podem ajudá-los a realizar os seus sonhos e objetivos e a corrida não foge à regra. Por vezes armam um “teatrinho” para conseguirem o que querem, correndo o risco de se tornarem dominadores. Quando um corredor “S” se atravessar no vosso caminho, ponham-no na linha. A letra é demasiado sinuosa!
Ui… eu sou isto tudo?!

Corredores “T” de Tatiana, Tânia, Tiago e tantos outros!

Com muito amor para dar, os “T” poderão passar a vida a fazer o bem pelos outros, esquecendo-se um pouco de si próprios. Adoram correr, melhorar a sua performance e chegar à meta, mas não hesitarão parar se virem um outro corredor em apuros. Têm uma certa aura de “santidade”, pelo que nem se atrevam a meter com os “S”, que se aproveitarão de toda essa vossa generosidade!

Corredores “U” de Úrsula e… Não conheço mais nenhum nome!

Os “U” são pessoas muito respeitadas, amigáveis, generosas e fáceis de lidar. São ótimos parceiros de corrida, usando exemplarmente a sua diplomacia quando perante algum conflito – seja um tropeção ou cotovelada despropositada numa corrida.

Corredores “V” de Verónica, Vanda, Vânia, Vera, Vasco, Vítor e tantos outros!

Os “V” possuem uma lucidez incomum. Cada vez que dizem algo, dizem algo certo. Mas, se são ótimos a julgar, tendem, por outro lado, a viver com os pés fora do chão e, no que à corrida diz respeito, conviria assentá-los! Dão muita importância à sua liberdade e a corrida é o caminho ideal para lá chegar. Quando correm desligam a sua atenção com uma rapidez incrível. São um pouco teimosos, pelo que na corrida, tal como na vida, tenderão a fazer as coisas à sua maneira.

Corredores “X” de Xavier e… Conhecem mais algum?!

Cheios de talento, os “X” têm muita energia e são capazes de levar o entusiasmo pela corrida ao extremo, deixando os parceiros de corrida com dificuldade em acompanhar o seu ritmo. Gostam de se envolver em muitas aventuras em simultâneo, mesmo que não terminem nenhuma, conseguindo arrastar os outros corredores a embarcar, tal é a agitação inicial. Um conselho: concentrem-se, não se dispersem e aprendam a escolher uma coisa de cada vez.

Corredores “Z” de Zélia, Zaida, Zacarias, Zulmira e outras esquisitices por aí!

A letra do destino, que confere uma personalidade mutável a quem a tem como primeira letra no seu nome. Por esse motivo são geralmente incompreendidos pela maior parte das pessoas, sendo frequente vê-los a disfrutar dos quilómetros sob os pés consigo próprios. Nada que os assuste, pois são dotados de grande vitalidade. Um conselho para os corredores “Z”: sejam mais positivos, acreditem e tudo correrá melhor. Corridas e não só!

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Na corrida não há distâncias

Paradoxo? Talvez. Na semana passada alguém me disse que no trail running não havia distâncias. O contexto era claro. Esse “alguém” sugeriu-me que abandonasse o tratamento na terceira pessoa. Nada que me cause urticária. Nesta comunidade que é a dos corredores, sou a primeira a dizer “posso tratar-te por tu, certo?”. Mas, neste caso específico, a iniciativa do tratamento na terceira pessoa havia sido minha, já que se tratava de alguém muito respeitável que faz provas de 50 km com 3.000 metros de desnível acumulado em 5h35. Tinha mesmo que fazer uma abordagem com muito respeitinho.
Adiante. Agarrei nestas palavras e converti-as no título deste texto. E já irão perceber porquê.
O meu último texto publicado neste blogue relatava a magnífica experiência dos meus primeiros 50 km em Sesimbra e foi redigido e publicado a 15 de abril pela manhã. Muito longe de imaginar o que viria a acontecer umas horas mais tarde em Boston.
No dia seguinte uma citação que poderia ser interpretada de mil e uma variadas formas remeteu-me para a imprevisibilidade dos acontecimentos do dia anterior: “life is too short and unpredictable not to live it exactly as you please”. Decidi várias dezenas de coisas depois de a ler. Mais tarde cruzei-me com um texto da autoria de alguém que se auto-intitula “Dimity”, que traduzia tudo aquilo que sentia e estava incapaz de concretizar em palavras.
Não sendo adepta de calcar e recalcar tragédias humanas, tinha mesmo que escrever duas palavrinhas sobre o assunto.
Assumindo que quem me lê são pessoas mais ou menos apaixonadas pela corrida e que conhecem as maravilhosas sensações ao cruzar-se uma meta – seja de 5 km, 10 km ou 42 km – escuso de me perder em palavras para descrever o que senti, já que presumo que tenham sentido exatamente o mesmo. Adicionalmente, mesmo recorrendo a uma extensa lista de cerca de 435.00 verbetes (verbetes são as palavras que possuem significado no dicionário da língua portuguesa), dificilmente se exprime o turbilhão imenso que corre por dentro quando confrontados com este tipo de notícias.
Tal como escrevia a “Dimity”, autora do belíssimo texto “Boston Marathon: Undone”, somos bombardeados diariamente com notícias tristes, trágicas, devastadoras. Todas elas nos tocam de alguma forma. Mas esta… esta, nós, os corredores, estando ou não em Boston, sentimo-nos lá dentro. Naquele cenário. Ou porque já terminámos uma maratona e conhecemos o ambiente de festa que se vive. Ou porque já tivemos a nossa família a aplaudir-nos nos últimos metros. Ou porque corremos maratonas em 4h00. Ou porque… porque simplesmente já nos aconteceu tudo isto em simultâneo, como é o meu caso.
Questionamo-nos sobre como é possível atacar uma comunidade tão pacífica quanto esta. Uma comunidade onde de facto não há distâncias. Não há raças, não há credos, não há tratamentos na terceira pessoa. Não há idades, senão nos escalões previstos nos regulamentos. Não há distinção entre homens ou mulheres, senão nas tabelas classificativas. Há corredores. Que correm. Que adoram correr. Que se deslocam sós ou em grupo, com um sorriso nos lábios ou com a expressão de sofrimento, com a certeza de que, no final, o sentimento de satisfação e “dever” cumprido compensará todas as cãibras, tendinites e outras dores em geral. Mesmo aquelas que não têm registo de existência nos manuais médicos.
Voltando a Boston. Não adianta tentar encontrar respostas para um ato desta natureza. Não pode haver um racional por detrás de uma atrocidade destas. São monstros, não é gente. Para os que ficaram e perderam os seus familiares ou amigos queridos, inicia agora o processo de cura. Não sei como nos curamos de algo assim, mas desisti de tentar “walk on their shoes”. Duvido que conseguisse lidar com tanto sofrimento assim. Os que ficaram e foram física e psicologicamente afetados terão que provar que tudo é possível. Terão que o fazer para continuar a viver.
Entretanto ontem em Londres já decorreu a mítica prova 42 K daquela cidade. E, com as devidas homenagens, foi uma festa da corrida, dos corredores e de todos os que os apoiam. Outros corredores por esse Portugal e mundo fora dedicaram os quilómetros palmilhados a quem perdeu a vida a 15 de abril. A página oficial da Maratona de Boston já anuncia, e bem, a realização da prova em 2014 e nós… nós continuaremos a correr. Porque somos corredores.
Termino como comecei. Com palavras que não são minhas, mas nas quais acredito tanto quanto todos os metros que já corri: “if you’re losing faith in human nature go out and watch a marathon“. Quem o disse foi Kathrine Switzer. Dispensa apresentações.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Trilhos em Sesimbra cheiram a maresia e alfazema

Ontem a Susana obteve o melhor tempo no III Ultra Trail de Sesimbra! Afinal, afinal… afinal não era eu.
Começo este texto por felicitar a Susana Simões, a primeira senhora a passar a meta do Ultra Trail de Sesimbra, em 5h36m! 50 km de verdadeira montanha russa neste tempo recorde não é para todos. E houve mais gente do tipo “supersónico” -  dezenas de atletas masculinos e femininos cujos tempos afixados na lista de classificações me deixaram de queixo caído. Mas deixemos as vedetas ultra-planetárias do trail running e regressemos ao mundo dos modestos terráqueos como eu.

Um ano depois tinha que lá voltar

Foi há precisamente um ano que fiz a minha primeira prova fora de estrada, em Sesimbra. Na altura, aventurei-me na distância mais curta, que totalizava 23 km. Esta experiência foi de tal forma inspiradora que foi aqui que decidi que correria a minha primeira maratona. E assim aconteceu. Em outubro lá rumei eu a Amesterdão para cumprir a minha primeira missão 42.
Se há um ano Sesimbra foi palco para tomada de uma importante resolução, ontem foi resultado da tomada de uma ainda mais importante decisão, assumida no início de março – iria correr a minha distância mais longa.
Porquê? Porque sim. Porque simplesmente queria saber como é.
Confesso que foi uma semana particularmente turbulenta. Emocionalmente falando. Desconhecia o mundo para lá dos 42.195 metros. Adicionalmente, esta ultra-distância tinha a particularidade de somar cerca de 3.000 de desnível acumulado, pelo que seria também a minha experiência mais ondulada na corrida.
O despertador tocou às 4h30. O corpo desta vez não resistiu. Depois da ansiedade ao rubro no dia anterior, tinha mesmo que ir correr e fazê-lo tão depressa e bem quanto possível.

7 da manhã, aqui vamos nós!

A partida aconteceu às 7 da manhã em ponto, ainda o sol se espreguiçava. Já familiarizada com a primeira parte do percurso, segui calmamente com o habitual grupo de amigos das corridas e mais uns quantos atletas. Corremos em passada verdadeiramente calma, pois, quando demos conta, éramos efetivamente os “carros-vassoura”. Preocupados com isso? Nem um minuto. Corrijo, nem um metro.
Começa a subida em estradão de areia que já conhecia e depois… A descida paradisíaca até à Praia do Cavalo. Trilhos em single track, carregadinhos de pedras e arbustos que acarinhavam as minhas pernas, ontem livres de meias de compressão. Vivo melhor com arranhões nas pernas do que com calor, confesso.
Entre descidas e subidas, alguns participantes vão perguntando “isto é que é uma prova rolante?” e sorrio. Acreditem ou não, é mesmo rolante. Naquele momento foi a prova das Rolling Stones, ou como dizem os nossos hermanos espanhóis, piedras rolantes. Melhor que a designação “piedras rolantes” só mesmo a de um atleta que seguia uns metros atrás de mim, que exclamou “parecem berlindes!”. Aquela descida merecia ser filmada. Estou certa que encheria as salas de cinema com a melhor comédia do ano.

The wall

E, como tudo o que desce, sobe, diante de nós surge o primeiro muro da prova. Ainda não descarreguei a corrida do meu garmin, pelo que não sei precisar o declive da subida. Só não se torna assustador porque é extraordinariamente bonito. Sobe, sobe, sobe. Inspira e expira. Continua a subir. E sobe, sobe. Chegados ao topo, suspiramos e, voltando-nos para trás, deparamo-nos com um daqueles cenários idílicos, que vemos apenas naquelas fotografias perfeitas carregadinhas de retoques de Photoshop, que julgamos ser algures na Nova Zelândia. É lindo e é nosso!
Novo fôlego, agora para correr em terra salpicada de pedras, mas que permite ganhar alguma velocidade. Cerca do km 7, desvio para a esquerda e, aí sim, conheço o novo percurso. O dos 50. A partir de agora teremos cerca de 30 km praticamente sempre junto à linha de costa. Entretanto o Pedro e Ricardo já se haviam distanciado e fico para trás com outros atletas e com o Luís a marcar o ritmo. Já sei que não vale a pena insistir para seguir caminho. Decidiu que me ajudaria a completar os 50. Eu que detesto ser “empata” e protesto sempre mandando seguir os amigos, desta vez nem refilo. Tenho ainda 43 km pela frente e o Luís garantirá que me mantenho acordada e não esmoreço. Se não conhecem o Luís, digo-vos. Tem histórias para contar durante 8 horas!
O mar à esquerda e… Alfazemas. Ui, que cheirinho! Alfazemas aos molhos! Da próxima vez ficarei por lá uma tarde inteira a encher saquinhos de cheiro.

Isto é tudo nosso?

Já ontem escrevi e hoje mais sentido ganham as palavras depois de uma noite de descanso. Se houvesse uma lista “best of” dos percursos de trilhos em Portugal, o percurso Sesimbra-Praia do Meco ocuparia seguramente os lugares cimeiros. Falésias, arribas e um mar como não há igual. Um cheiro como não há igual. Maravilhosa a chegada ao Cabo Espichel. Descidas abruptas para as subir de seguida no lado oposto. Algumas são impróprias para quem sofre de vertigens. Felizmente, estou imune. Deve ser genético. O meu pai andou a dar piruetas no ar nos Asas de Portugal, pelo que devo achar que tenho asas que me acudirão se algo correr menos bem.
Faltam-me as palavras certas para descrever com a devida justiça e exatidão aquilo que os meus olhos viram. Uns estiveram lá. Outros decerto já terão visto algumas fotos de amigos do percurso de ontem. Ou até talvez já por lá tenham caminhado ou pedalado.  É de cortar a respiração.
O sol entretanto já vai alto e o calor aperta. À esquerda o mar continua a acompanhar-me, oferecendo-me a maresia e umas ondas gigantes onde só apetece mergulhar. “Este ano o percurso alterou e já não desce às areias da Praia do Meco”, disseram-me na partida. “Hummmmm, então se não tem areia, o que é isto?”, penso eu. Pela frente temos cerca de 5 km de areia. Fofa e fresca! Os sapatos enterram-se e lutam para sair. As pernas já vão cansadas. Não desistimos. Alguns atletas sentam-se a contemplar o mar. Outros andam. E quem pode, corre. Os quilómetros acumulados e o calor já não permitem grandes raciocínios, mas sei que chegámos à Praia do Meco porque avisto um nudista a tocar guitarra!
Com 1 kg de areia em cada pé, descemos até à praia. E que descida esta. Estou certa que conhecerão as célebres mega-dunas do Meco. Descer as mesmas de ténis e a correr é das experiências mais divertidas que experimentei nos últimos tempos. Da próxima vez que for à praia, acompanho a Inês e o Diogo nas suas brincadeiras.
Passamos à frente do Bar do Peixe e já muitos almoçam na esplanada. Sonho com sangria e amêijoas à Bulhão Pato. Peixe grelhado escalado e uma salada de tomate carregadinha de orégãos. O Luís exclama “vá, vamos embora, tenho aqui uma sandwiche de presunto”. Encolho os ombros e sigo caminho. Certo é que essa sandwiche viria a reverlar-se vital uns quilómetros adiante e a ter o gosto de robalo de mar grelhado, regado com sumo de limão.
Mais à frente a sombra de uma centenária oliveira serve de abrigo. Sento-me para tirar a areia dos pés. “Será que me conseguirei levantar depois?”, penso. Arrisco. Faço-o tão rápido quanto possível, para que o corpo não cole ao chão. “Depois disto, dou por terminados os meus treinos em areia para a UMA em julho”, digo em tom de brincadeira. E, uma vez mais, seguimos caminho.

Depois das falésias e da areia, o resto!

A partir de agora, o percurso segue rumo ao interior. Umas vezes mais arenoso, outras mais compacto, vai-nos oferecendo a sombra dos pinheiros e algumas subidinhas ligeiras, que 32 km depois parecem rampas a 45%. Vejo azedas, mas desta vez nem me agacho para as apanhar. Os joelhos cederiam!
Os meus olhos já só veem as fitas de marcação. O Luís fala para que não esmoreça. Fala de triliões de pessoas que não conheço, diz os nomes de todos e fala, fala, fala. Se me perguntarem hoje sobre o que falou, não sei responder. Acho que já não estava ali.
43 km  e chegamos à pedreira. A pedreira que, por algum motivo que desconheço, mexe comigo sobremaneira. Aquele cenário árido e branco transporta-me até um planeta distante. Este ano não foi palco para tomada de nenhuma decisão importante. No que a corridas diz respeito, o calendário desportivo está definido há muito!
Está quase, mas ainda falta a subida ao Castelo de Sesimbra! E essa já eu conheço do percurso dos 23 km em 2012. Subimos, subimos e subimos mais um pouco. Ao topo, os elementos da organização fazem a festa! Bebo um copo carregadinho de coca-cola e inicio a descida. Quero chegar à meta!

A correria para a meta

A descida é feita com rapidez. Não sei de onde saiu a energia para o fazer, mas deveria estar de reserva num qualquer cantinho do meu corpo. Ultrapassamos alguns atletas e, chegados à estrada que nos conduzirá à meta, os pés ganham vida própria. Em velocidade (5’20’’ para o último km depois de 49 km a correr), ziguezagueamos por entre as centenas de pessoas que passeiam pelo passadiço. Vejo o amigo Rui Pedro a passear e solto um grito estridente de alegria. Ouviu-se 20 km lá atrás, na Praia do Meco, estou certa.
8h29m52s, 52,14 km e 2.806 metros de sobe e desce depois… A meta!
O sorriso que me acompanha ao chegar à meta é do tipo “desmesurado”. Telefono à família para os tranquilizar. Descalço-me e… atiro-me ao mar, para o primeiro banho do ano e aquele que julgo ter sido dos mais saborosos nos últimos 37 anos.

Ultra?! Ultra-caracoleta, isso sim!

Foi duro, delicioso e repetirei. Não gosto muito dessa história da ultra. Se insistirem na ultra, então ultra-caracoleta estará perfeito. E sinto-me bem assim.
É este o meu ritmo. Corro como sei, como posso e como gosto. No meu íntimo subi ao pódio. Cheguei ao fim!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Trilhos, batuques e gerberas em Almourol

Passei a semana a sonhar que domingo chegasse. Agora dou comigo a desejar que não tivesse terminado. Se dúvidas ainda tivesse quanto à minha opção de privilegiar a terra relativamente ao asfalto, hoje tê-las-ia dissipado nos Trilhos do Almourol. Está confirmado. É isto que quero e não quero outra coisa.
O destino desta manhã chamava-se “Curva do Rio”. Embora existam opiniões divergentes, pensa-se que o topónimo “Almourol” tenha origem na palavra celta “moraul”, que significa “curva do rio”, com o prefixo árabe “al”. Curva ou contracurva, foi lindo. Parafraseando o José Brito, um dos organizadores da prova, foi realmente do camandro, do catano e do caneco!

O despertador

5:00 da manhã. A 240 km de distância – uma Marathon des Sables, portanto – oiço um despertador. O sono era tão profundo que assim soava verdadeiramente. “Este despertador não é meu”, pensei. Mas efetivamente era. Aquela doce melodia tocava, dizendo-me que estava na altura de deixar para trás o edredon. Já me deitei ocasionalmente às 5:00 da manhã. Confesso que não me recordo de acordar tão cedo. Menos ainda com o objetivo de ir correr. Ainda meio acabrunhada, lá saí, rumo ao ponto de encontro em Lisboa onde me juntaria a um grupo alargado de amigos atletas com o mesmo fado que eu.

A partida

Primeiro passo – o levantamento dos dorsais. Assim que recebi o meu saquinho e espreitei o conteúdo, pensei “isto só pode correr bem”. O detalhe. Se há cuidado nos pequenos detalhes, tudo o resto só poderá estar perfeito. Pois bem. O dorsal lá vinha com os dois furinhos feitos, pronto a ser colocado no porta-dorsal. Este pormenor é tão mais importante quando se está a estrear orgulhosamente o equipamento novo, que dispensa furos de alfinetes!
Seguiu-se a viagem de autocarro até Constância para quem correria os 25 km, que afinal foram apenas 24. Na partida, aprontam-se cerca de 300 atletas. Curiosamente nos 42 km aventuraram-se quase 400. Ganham fundamento as palavritas que escrevi há dias e começo a descobrir a resposta para a questão “se correr 10 km é muito bom correr 100 km será 10 vezes melhor?”.
Pequeno aquecimento antes da partida, por insistência do Ricardo e Verónica. “Vou correr 25 km, tenho muito tempo para aquecer”, resmungo eu. Olho para o lado. “Pigeon pose”! É tão bom vermos os nossos “credos” confirmados! Um atleta aquece fazendo a minha tão querida posição do pombo, perfeita para trabalhar a abertura de ancas. Segue-se o “down facing dog” e sinto-me tentada a ir corrigir a postura das costas. Fiquei sossegadinha a observar, claro.

A largada e a fugida

Para os três – Ricardo, Susana e Verónica – começam 24 maravilhosos quilómetros. O Luís e a Rita também estão por perto para ajudar à festa.
Ora empedrado, ora cascalho. Ora terra seca, ora lama. Ora sobe, ora desce. Ora perto de água, ora longe dela, mas perto de campos pontuados de flores. “Hummmm, cheira bem!”, penso. De resto, eu diria que a Primavera terá chegado hoje a Almourol. Penso que terei ingerido mais de meia dúzia de mosquitos ou qualquer bichinho do género. É o que dá falar demais. Mas porquê preocupar-me? “É proteína, Susana, é proteína!”, convenço-me.
Adorei correr ao longo da linha de comboio. Se tivesse aparecido algum, teria corrido atrás da última carruagem, tal qual filme de aventura. A dado momento oiço gritos, aplausos e batuques. Estamos quase a chegar ao castelo. “Mas, o que se passa?”, pergunto. Ecos, muitos ecos. Um quilómetro adiante iria perceber. Passamos pelo interior do Convento do Loreto e lá dentro esperam-nos várias dezenas de jovens que tocam e fazem malabarismos. Quanto entusiasmo! Venho mais tarde a saber que se tratam dos MOVIRITMO, da Escola Luís de Camões em Constância. Um pouco depois, o abastecimento com líquidos e sólidos, onde não faltam as tostinhas com mel de que tanto gosto. Demoro-me um pouco por lá, claro está.
Bem docinhos, seguimos caminho. Espera-nos lama e cascalho. Mais subidas e descidas. Ainda assim, não me recordo de correr tanto numa prova desta natureza. Geralmente sou obrigada a caminhar com mais frequência. Aqui posso correr. E como gosto de correr! Chegam uns singles tracks onduladinhos e sorrio. “Adoro isto”, digo à Verónica. Entretanto começamos a cruzar-nos com os caminheiros. A organização dos Trilhos do Almourol não criou a categoria “equipa simpatia” na lista dos premiados. Devia tê-lo feito. Os 225 caminheiros ganhariam com distinção!

Uma meta com um presente especial

E assim chegámos à meta. Tal como começámos. O Ricardo, a Susana e a Verónica. O Ricardo foi um autêntico instrutor e estou certa que saímos de Almourol umas profissionais dos trilhos. A Verónica foi uma verdadeira valente que, correndo lesionada e estreando-se nos trilhos, subiu ao pódio para receber o prémio de 3.º lugar na sua categoria. Já eu… Bem, ainda não encontrei a Anna Frost que há em mim, mas continuarei a tentar!
Se começaram bem, os Trilhos do Almourol fecharam ainda melhor. Gerberas! Como adivinharam que é a minha flor preferida? Gerberas para as senhoras atletas! Uma gerbera cor-de-laranja para a Susana para fazer pandã com o equipamento. Se é para ser pirosa, há que assumi-lo com naturalidade até ao final.
Pela primeira vez cheguei antes do outro elemento do recém-criado grupo de amigos +Kms – o Pedro. De resto, até cheguei antes dos três simpáticos georunners papa-léguas e do Luís, a quem todos chamam tigre. Também cheguei antes do Iosif e fiz pirraça, claro. Não me interessa que tenham galgado 42 km. Cheguei primeiro e estava de banho tomado!

O descanso (posso acrescentar “da guerreirinhazinha”?)

Há dias, a amiga Gília das corridas partilhava o seu estado, depois de mais uma corridinha à beira do Tejo: “cansada, mas feliz”.
Pois bem, é como me sinto.
Com a certeza também que voltarei em 2014… Para a versão 42 dos Trilhos do Almourol!
Mas agora… Agora descanso, para voltar para a semana com a partilha daquilo que espero ser um ultra-relato. Façam figas.
Desejos de ótima semana!

terça-feira, 2 de abril de 2013

Se correr 10 km é muito bom, correr 100 km será 10 vezes melhor?

Depois de uma semana de férias bem molhada, estou de regresso.
Apesar de encharcada, o balanço é seguramente positivo. Estive com a família, retemperei energias, corri quando pude e… li! Li muito. Algo que infelizmente tenho descurado na minha rotina diária e que devo imperativamente voltar a implementar de forma disciplinada. Tal como a corrida!

Leituras, sonhos e loucuras

Nestas férias o tema mais procurado nas minhas pesquisas foi a corrida e tudo o que lhe está associado. Li várias dezenas de artigos, mas um deles ficou a marinar no meu subconsciente.
“Extreme distance running: too much of a good thing?”.  Assim que li este título, viajei até outubro de 2012 e à 3.ª série do AX Trail na Serra da Lousã. Recordei o momento em que subia uma “parede”, lado-a-lado com a Ana Guimarães, irmã do José Guimarães. Naquele dia, eu e a Ana corríamos (quando podíamos) os 30 km da versão mais curta da prova, enquanto o Zé e outros valentes galgavam a mesma serra por uns longos 82 km. “Onde vai o teu irmão buscar forças para os 82? E, acima de tudo, porque o faz?”, recordo-me de lhe perguntar enquanto subíamos serra acima.
Entretanto já vários meses passaram e verifiquei que esta história das ultra-distâncias ou distâncias extremas é mais comum do que pensava. Há várias centenas de “absolutamente locos que corren” por aí! E nem falo dos profissionais das ultras. Falo de gente comum, que trabalha e treina fora de horas para, de quando em vez, se aventurar nuns modestos 100 ou mais km. Conheço um grupo de gente maravilhosa que vai em breve estrear-se nos 101 de Ronda. Não fazem outra coisa senão correr. E correm, correm. No dia seguinte correm também. E até correm duas vezes ao dia! Não se cansam?!

Tudo, nada ou um pedacinho?

Diz-nos a sabedoria popular que a moderação é a chave do sucesso para tudo na vida – o que comemos, o que dormimos, o que trabalhamos. A moderação deve ser o nosso “mantra”.
Nos anos mais recentes este “mantra” ter-se-á estendido ao exercício físico. Os cientistas de laboratório dizem-nos que devemos exercitar o nosso corpo apenas algumas horas por semana para combater doenças cardiovasculares ou prevenir o cancro e viver melhor. Vários investigadores dizem que 15 a 20 km de corridinhas por semana podem acrescentar anos às nossas vidas.
Mas digam lá isto às centenas, milhares e dezenas de milhar de corredores para quem 20 km numa semana não são mais do que um passeio no parque. Para estes corredores não se trata de uma coisa que tenham de fazer. Trata-se de… Ser o que são!
Esta estirpe considera que não há nada mais natural do que correr 150 km por semana. Se necessário for, e porque o dia é limitado, correm de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Atendem o telefone enquanto correm para resolver o problema de um cliente ou o desabafo de um amigo.
É possível que o exercício em excesso possa eliminar os benefícios que se retirariam do exercício em doses moderadas. É possível também que quilometragem a mais conduza mais rapidamente ao aparecimento de lesões, caso não haja uma preparação adequada. Há quem diga que os desportos de “endurance” impõem muito stress ao nosso organismo. Outros contrapõem dizendo que o “hardware” do corpo humano está geneticamente preparado para ser testado até aos limites.
Em boa verdade, as vozes na corrida não são diferentes das que se insurgiram contra o azeite há uns anos atrás, vangloriando o óleo alimentar. Depois voltou tudo atrás. Mais tarde a manteiga versus a margarina. E, afinal, haviam-se enganado outra vez!

A curva em “U”

De toda a forma, a curva em forma de “U” é geralmente aceite pela comunidade científica, indicando que, quanto maior o esforço, maior o benefício que retiramos da corrida, mas apenas até um determinado ponto. Depois desse ponto, os benefícios deixam de existir, sugerindo que existe um nível máximo de exercício até se tornar “não-saudável”. Isto significa que alguém que corre 40 km por semana pode efetivamente ser mais saudável do que um corredor que corre 100 km no mesmo período.
Uma coisa é certa. Se todos estão de acordo quanto à curva em forma de “U”, poucos conseguem concluir qual é efetivamente o nível máximo de exercício que constitui esse ponto de viragem. Qual o teto que nos faz mal. Dizem inclusivamente que assumindo que existe um nível de segurança, ele estará provavelmente fora do alcance da maioria dos atletas. Boas notícias, então!

Corre até onde te leva o coração!

Resumindo e baralhando. Não sou cientista, é certo. Mas acredito verdadeiramente que se correr 10 km é bom, correr dez vezes a distância nos trará 10 vezes o prazer, a satisfação, o orgulho. “Puxa, eu consigo tudo isto? Então faço qualquer coisa!”, devem pensar. Eu pensei desta forma quando terminei a minha primeira maratona. Foi o limite estabelecido na altura. E, passo a passo, se vão construindo novos limites e objetivos. E é tão válido o objetivo de completar 5 km para quem se está iniciar na corrida, quanto concluir os 240 km da Marathon des Sables para o Carlos Sá e a Analice Silva!
Como diria uma outra Susana, a Susanna Tamaro, e fazendo a devida adaptação “corre até onde te leva o coração”! O coração leva-nos sempre a lugares maravilhosos.