quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Luzes de Natal em Lisboa

Hoje troquei a montanha pela cidade. Verdadeiramente pela cidade.
Fui à procura dos cheiros, das buzinas, dos semáforos.
Arranquei do Campo Pequeno, corri pela Avenida da República, apeteceu-me um hambúrguer com cebola confitada no Galeto, cheguei ao Saldanha. Desci depois a Fontes Pereira de Melo, vi gente a entrar para o teatro, segui em direção ao Marquês de Pombal. Ziguezaguei entre carros, de
safiei semáforos, desci a Avenida da Liberdade. Olhei para as montras, vi o que nunca poderei ter, mas não é importante. Ao meu lado alguém dorme num banco de jardim. Cheguei aos Restauradores, depois ao Rossio. Desci pela Rua Augusta. Não gosto das iluminações. Têm qualquer coisa de Santos Populares. Não bate certo. Cheguei ao Terreiro do Paço. Simples e lindo. Vi algo a brilhar de forma muito ténue no pavimento. Pirilampos, pensei. Não. São mesmo luzes encastradas no cimento. Disse olá ao rio e voltei para cima. A subir a Rua Augusta de novo, decido que é cedo demais para regressar e subo a Rua da Conceição. Vejo umas escadas e diversifico o treino. Não páro. Chego ao Chiado e contorno a árvore de Natal. A da Praça Camões. Volto a descer ao Rossio, soltando e abrindo a passada, como manda o meu treinador. Agora, até casa, é sempre a subir. Sempre, sempre. Chego de novo ao Campo Pequeno. Os 10 jogadores e os dois suplentes que jogavam futebol de 5 quando parti são os mesmos. Eu dei a volta à cidade. Eles não saíram das 4 linhas.
Dou conta que as crianças, as minhas, estão a crescer. Eu também, mas não no sentido desejado. E mais um Natal à porta. Que venha a família, o bacalhau, o tinto, a lareira e o clarinete do Kenny G, com o seu "The Holiday Album".

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Trail do Zêzere em factos

Facto 1. TUDO O QUE SOBE, DESCE. Mentira. Ontem encontrei a confirmação da exceção à regra. Tudo o que sobe, sobe mais, e mais, e mais.

Facto 2. NENHUMA PROVA TEM A DISTÂNCIA QUE ANUNCIAM. Voltei a confirmar isso em Ferreira do Zêzere. O meu relógio diz-me que estou a 750 metros da meta, mas a placa de identificação anuncia que faltam “só” 3 km para chegar ao tão desej...
ado local.

Facto 3. A DUAS É MUITO MELHOR. Estreia absoluta da Sofia nos trilhos. Estreou-se em setembro na Meia-Maratona em São João das Lampas. Dois meses mais tarde estreia-se nos trilhos, numa prova não aconselhável a principiantes, nem tão pouco reincidentes. De resto, um dos membros da organização teve a delicadeza de anunciar na partida que quem tinha vindo para se estrear, tinha feito uma escolha bem ousada!

Facto 4. OS 38 NÃO ME TORNARAM MAIS RÁPIDA. Não foi a Sofia que me atrasou, mas sim o contrário! Quem sabe o problema tenha residido no esquecimento do amuleto das corridas – as asas. Ou quem sabe esteja mesmo condenada a ser lentinha para viver tudo mais devagar.

Facto 5. SÓ CONHECERÁS O TEU PAÍS SE SAIRES DO CARRO. Eu já sabia disso. Já havia escrito isso. E fartei-me de rir quando, a meio de uma potente subida, a Sofia me perguntou “nunca chegaríamos aqui de carro, pois não!?”.

Facto 6. OS ESCORPIÕES ADORAM VALES E MONTES. Quem sabe, sabe, e os escorpiões é que sabem. Qual o melhor “spot” para comemorar aniversários? A montanha, claro está. Estava lá eu, a
Maria e o João Carlos. Três escorpiõezinhos adoráveis!

Parabéns a todos os estreantes nos 23 K e nos 48 K. Parabéns aos que invariavelmente subiram ao pódio e voaram pela montanha. Parabéns aos que, não contentes com os 48 K, decidiram palmilhar umas dezenas de kms mais, passando pela meta duas vezes. E parabéns a todos os que escolheram Ferreira do Zêzere para desfrutar de uma belíssima manhã solarenga e fria de domingo!

domingo, 3 de novembro de 2013

Maratona à Moda do Porto

Dificuldade
*** (média)


Tempo de preparação
4h11 ou, numa abordagem que prefiro, 3h71.


Ingredientes
- Brincos formato "asinhas"
- Ténis padrão pantera
- Sol brilhante
- Temperatura amena
- Mar revolto, na Foz
- Rio Douro, na Ribeira e do lado de Gaia também
- 2 colheres de chá de mimos dos tios na partida e na meta
- Várias colheres de chá de sorrisos de atletas amigos, em todo o "tempo de preparação"
- Força q.b.


Modo de Preparação

Posicione-se na meta. Simule que faz um aquecimento, rodando os tornozelos. Exiba um ar concentrado. Ligue a música. Quanto mais alto, melhor. Localize o balão (pacer) das 4h00. Se não o encontrar, não se preocupe. Eventualmente terá a sorte de se cruzar com ele nos próximos kms. Ligue o relógio.

Quando ouvir o sinal da partida, comece a correr. Suba. Suba mais um pouco. Pergunte-se a si mesmo quando termina a subida. Sorria. A subida terminou mais rápido do que previa. Comece a descer. Sempre a descer. Está a descer a Avenida da Boavista. Não chore porque não pode ter o porsche que avista no stand. Há coisas mais importantes na vida. Siga para direita, seguindo o desvio. Em breve voltará à luxuosa avenida. Sorria. Chegou à Foz. Não vai voltar à esquerda. Ao invés, irá dar uma voltinha a Matosinhos. É um passeio simpático.

Entretanto, começam os sorrisos. Alguns amigos já vêm em sentido contrário. Grite por eles. Sorria quando gritam por si. Sorria para os fotógrafos também! Chegará o momento em que também dará meia-volta e voltará a cruzar-se com caras conhecidas. Sorria. Mostre-se confiante e diga palavras de incentivo!

Chegará de novo ao Castelo do Queijo e, desta vez, seguirá mesmo no sentido da Ribeira. Tente fugir do empedrado escorregadio e não nivelado, se conseguir. Siga em frente e depois siga para a direita. Se for menina, está tudo estragado. Vai perder a cabeça nas tendinhas que exibem lindas peças de artesanato e "tarecos" que adoramos. Serão uma boas centenas de metros de tendinhas. A solução passa por não levar a carteira consigo. Se assim for, está safa!

Vire à direita e atravesse o rio Douro na linda Ponte de São Luís até Gaia. Sorria. Alguém chamou pelo seu nome! Está de novo numa parte do percurso onde os atletas se cruzam e vai desejar ser rápido como os que já vêm no sentido contrário. Um, e outro e mais outro. Alegre-se! Fique feliz por eles. São mais rápidos porque treinam seguramente mais do que você. Siga sempre em frente. Já não falta tudo. Está na Afurada e portanto no km 27. Dê a volta! Agora vai cruzar-se novamente com atletas que vão um pedacinho mais lentos do que você próprio. Sorria e grite palavras de encorajamento!

De novo em direção à Ponte de São Luís. Atravesse o Douro. Vire à direita. Mais um pedacinho, mais uns sorrisos, mais uma voltinha no km 31,5, no Freixo. Tantas voltinhas! Mas acabaram-se. Agora é sempre a direito. Sempre, sempre, sempre até ao fim. Menos um bocadinho. Coma as passas, os gomos de laranja e as bebidas isotónicas que a organização lhe oferecer. Vai precisar disso tudo, lhe garanto!

Chegou de novo ao Castelo do Queijo e agora vai voltar a subir a Avenida da Boavista. Mas só um pedacinho. Prometo. Aviste a meta. Sorria. Ponha Iggy Pop a tocar. "Wild One" é o tema perfeito. Vai sentir-se... Wild! Mais amigos a gritarem pelo seu nome. Desconhecidos também, apenas porque transbordam simpatia e o seu nome é exibido no dorsal.

Chegou. Sorria de novo. Receba a medalha e fique feliz porque acaba de terminar mais 42.195 metros!

(receita redigida a bordo do autocarro mais barulhento em que alguma vez estive, a caminho de Lisboa)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Correndo por terras Andaluzas

Quando nos propomos fazer 1500 km de carro para correr 83 km é expectável que, no mínimo, nos esforcemos para que sejam as “duas maratonas seguidas” mais memoráveis da nossa vida. Assim aconteceu.
A “Ultima Frontera” é uma prova circular, que se desenvolve em duas distâncias à escolha – uma volta de 83 km ou duas voltas de 83 km, totalizando assim os 166 km, vulgarmente designados de 100 milhas.
Há alguns meses havia decidido que tentaria completar as minhas primeiras 100 milhas mas, a 2 semanas do dia “UF”, resultado de inúmeros fatores com maior ou menor relevância, recuei na minha decisão. Alinharia na partida dos 83 km.
Dos 27 atletas que partiram às 9h15 de dia 19 de outubro em busca das 100 milhas, apenas 11 conseguiram fazê-lo com sucesso. Preciso dizer algo mais?
Destes 27, apenas uma era menina. Chama-se Carla e já falarei dela mais adiante.

Começando pelo fim…

Enquanto me arrastava, encosta abaixo, rumo a Loja, localidade onde se encontrava a meta dos 83 km e o ponto de partida para a segunda volta (para os valentes que seguiam para os 166 km), gritei para as estrelas e para quem me quisesse ouvir – pobre Zé! Zangada comigo, muito mesmo, exclamei como poderia ter tido a ousadia de, há uns meses atrás, ter pensado que teria condições para completar as duas voltas e, como tal, aquelas que seriam as minhas primeiras 100 milhas. Tenho tanto para aprender ainda. Tanto mesmo!
Estão de parabéns o Miguel e o Ricardo que, não só completaram com sucesso as primeiras 100 milhas, como o fizeram numa prova a que a gíria designaria de “pica-miolos”. Não se iludam. O que ambos fizeram não está ao alcance de muitos. Desde os primeiros passos, os primeiros metros, cada um daqueles atletas sabe que daí a umas horas estará a repetir exatamente o mesmo percurso. Acontece no entanto que, nessa altura, levará consigo o cansaço acumulado de muitas dezenas de kms e já conhecerá todos os desafios que o esperam pela frente.

Voltando ao início…

Na véspera da prova, falava com os meus filhotes. O Diogo, que já não se recordava bem do que a mãe ia fazer, perguntou-me quantos quilómetros tencionava correr. “83″ – disse-lhe. “Mas… já correste 100!”, respondeu indignado. Ainda assim, sabendo que não conseguiria deixar o meu filhote deslumbrado, lá alinhei animada na partida.
Andaluzia recebeu um grupo de seis divertidos portugueses. Numa prova organizada por um casal americano estabelecido em Espanha – os simpáticos Michelle e Eric -, verifiquei que eram poucos os espanhóis que por lá andavam. Ingleses, americanos, japoneses, dinamarqueses, belgas, alemães e até uma portuguesa que vive no Dubai… enfim… uma miscelânea de nacionalidades numa prova que reuniu 99 participantes. Os seis portugueses eram seguramente os mais animados. E também os mais barulhentos. Michelle, sempre atenta, não precisou de muito tempo para o perceber. Na primeira noite já exclamava “finally quiet“, nos raros momentos de silêncio que o Pedro lhe proporcionava.

O outono Andaluz, corrijo, o verão Andaluz!

Há várias semanas que brincava com estas palavras. Ultima Frontera seria a minha oportunidade para conhecer o outono Andaluz.
Quis o destino (ou São Pedro) que o dia fosse de verão. Terei que voltar de novo para conhecer as temperaturas amenas, desfrutar dos pingos de chuva no nariz, ouvir o vento soprando fresco e sentir os estalinhos das folhas que piso no chão.
Várias vezes olhei para as marcas desenhadas no alcatrão e na terra batida. Às vezes setas apenas, outras setas com as iniciais “UF”. Respondia-lhes “à letra”… Uffffff!

Partida, largada, fugida!

Partimos juntos, mas o Miguel, Pedro e Ricardo logo se distanciaram. O Zé corria com uma fascite plantar, pelo que teve que se proteger. Só desta forma o conseguiria acompanhar. Não sei se se protegeu efetivamente ou se fez estragos maiores correndo ao meu ritmo. Ele lá saberá. Creio que perto do km 81 desisti de insistir para que seguisse caminho, mais rápido. Era por demais evidente que não o ia fazer.
O trio Carla, Zé e Susana manteve-se coeso até cerca dos 70 km. Depois disso, a Carla acelerou e rumou em busca do seu sonho, ao som da sua música.
70 km e qualquer coisa como 12 horas a três. São estas partilhas que tornam estas experiências verdadeiramente únicas. Todos nós gostamos de correr sozinhos. No entanto, quando nos aventuramos nas longas distâncias, a companhia é um estímulo fundamental. Ora avança um, ora avança outro. “Mas será que viemos aqui para alguma caminhada?”, brinca um dos três. Daí a umas horas os papéis inverter-se-ão. Uns servem de lebre no alcatrão, outros são mais rápidos nos trilhos. Uns cantam, outros calam-se. Uns dizem disparates, outros riem-se. E todos, sem exceção, se interrogam “quem é que teve esta brilhante ideia de nos trazer para aqui?!”.

Adónis não vive no Olimpo, mas sim em Andaluzia!

Chegámos ao PC 2, correspondente aos 35 km, debaixo de um calor intenso. Sonho com coca-cola mas têm apenas água para me oferecer. Um dos elementos da organização convida-me a sentar e faço-o sem hesitar. Baixo a cabeça e, quando a levanto, convenço-me que estou a ter alucinações. Vejo chegar um jovem de corpo atlético, cabelo loiro, pela altura do queixo, correndo em tronco nu. Abri bem os olhos. Olhei para o meu copo para me certificar do que tinha dentro. Volto a olhar para o deslumbrante atleta. Vejo-o falar com os elementos da organização. Pergunto ao Zé e à Carla o que se está a passar. Interrogo-me se já vai na segunda volta. Estou verdadeiramente atordoada. Antes de partir, com a frescura de quem corre algures no Pólo Norte, deseja-nos “good luck“. Bem sabe que vamos precisar dela. De sorte! Vejo-o partir e finalmente entendo que leva 32 km de avanço, sendo que acaba de passar o ponto marcado no mapa como o cruzamento do “8″, que eu virei a cruzar mais tarde… muitas horas mais tarde.
Seguimos caminho e, em vários momentos, aquela imagem me atormentou. Não sei se o Adónishimself” ou o facto de perceber quão pequenina sou. Quão veloz ele era. Quão lenta eu sou. Quão resistente ele era. Quão destreinada eu sou. Mas, uma coisa é certa. Eu vi Adónis. Em carne e osso. Esse Deus existe!

O paradoxo da subida a Montefrio, debaixo de um calor abrasador…

Começa depois uma das subidas mais desafiadoras do percurso. Vários kms a subir, pisando o alcatrão. O calor aperta e o asfalto aquece os pés. O Zé explica-nos que o Carlos Sá corria sobre a linha branca do asfalto quando fez a Badwater. Aí o pavimento aquecia um pouco menos.
Na subida avistamos romãzeiras. Do que me recordo, só no início de novembro as romãs estarão boas para comer, mas quem sabe em Espanha amadureçam mais cedo. O Zé colhe uma romã e parte-a ao meio. De repente senti-me como uma criança com um punhado de Smarties na minha mão. Todos da mesma cor, claro. A romã estava incrivelmente verde e ácida, mas soube-me tão, mas tão bem! Certo é que foi aquela meia romã que me conduziu estrada acima, até Montefrio.
O calor não nos dava tréguas e a estrada parecia não ter fim. “Não tarda tenho pipocas a saltar da cabeça”, disse eu, admitindo que, naquela fase, apenas poderia ter milho dentro dela. O discurso era efetivamente pouco coerente.
Avistamos finalmente Montefrio. Vemos atletas a subir na direção em que descemos e questionamo-nos se vamos no caminho certo. O GPS da Carla diz que sim e continuamos a descida até à simpática localidade onde atingiremos a marca dos 48 km e onde nos espera o repasto que preparámos horas antes. À chegada liberto-me das meias de compressão, das caneleiras de compressão e de tudo o que me possa comprimir. Confesso que não sei fazer uso deste tipo de equipamento em dias de calor.

As oliveiras

Oliveiras à direita. Oliveiras à esquerda. O que tenho à frente? Oliveiras. Oliveiras por toda a parte. E assim penso nas “oliveirinhas” da minha vida – Inês e Diogo Oliveira -, que aquela hora deverão estar a brincar no eirado da casa dos avós. Rodeados de oliveiras, por sinal.

A luz do luar Andaluz

Estamos algures perto do km 70. Chegámos ao último PC antes da meta. A Carla deixou-nos há cerca de 2 kms. Arrancou depressa, para agarrar a segunda volta. Confesso que já não me restam grandes forças. O calor derrubou-me. Talvez ande exausta e precise de descansar um pouco. Adicionalmente, erro de principiante seguramente, sei que escolhi o calçado errado para este tipo de prova. Da próxima vez estudarei melhor a lição. “Correndo e aprendendo”, concluo rapidamente.
Bebo o quadragésimo terceiro copo de coca-cola do dia e prometo ao Zé que tentarei correr mais depressa. “Depois daquele poste, de acordo?”, dizia eu. E, sistematicamente, o poste avançava até ao seguinte, até à próxima ponte, até à árvore do lado esquerdo, até ao local onde se avistavam dois “faróis” pequeninos, anunciando um gato que nos observava.
Entramos numa zona de planície carregada de oliveiras e apercebemo-nos do luar a iluminar o caminho. Em simultâneo, extraordinariamente em simultâneo, apagamos os frontais e seguimos caminho com a Lua como companheira. Vale bem sair de casa por isto, caramba!
O meu telemóvel, em modo silêncio desde o início da prova, ilumina-se. Espreito e vejo que acabo de receber uma mensagem da minha amiga Sofia. Não resisto e ligo-lhe. E, por breves minutos, acompanha-nos estradão acima, debaixo do luar.

A meta

Os joelhos já não respondem quando lhes peço que avancem. Imploram-me que calce pantufas. Que sossegue. Que me sente num qualquer pouf a ver um programa tonto de TV. “Sim, já trato disso, mas ponham-me por favor ali em baixo. Estão a ver as luzes? É ali”, respondo-lhes.
Chegamos e encontramos o Pedro e a Carla. O Miguel e o Ricardo já estão na segunda volta. A Carla prepara-se para iniciar os “segundos 83″. Está entusiasmada. Abraços, beijos, mil “forças à Carla” e lá a vemos partir, noite escura fora. Questiono-me se é uma questão de loucura, de coragem ou de determinação. Talvez seja um pouco de tudo. Há um ano atrás, também o Zé seguia para a segunda volta, na companhia da Teresa Afonso.
Algumas horas mais tarde, já depois do banho e de um sono leve no pavilhão, acordo. Talvez seja a minha intuição de escorpião. Envio uma mensagem à Carla. Fico a saber que acaba de chamar a organização para a recolherem. 115 km depois, a guerreira Carla regressa a Loja, embrulhada não na manta de sobrevivência, mas numa capa dourada, que só as rainhas podem ostentar!
O sol parece querer nascer e aguardamos pelo Miguel e Ricardo. Já tivémos notícias do segundo que, depois de uma soneca de 30 minutos à beira da estrada, lá se decidiu meter a caminho da conclusão das 100 milhas. Em Loja é recebido como nenhum outro atleta. O Zé anuncia a chegada do Ricardo acordando toda a povoação. O Pedro corre atrás do Ricardo, filmando-o, num derradeiro sprint que não deve ter andado longe dos 3 min/km. Valente!
O Miguel, que esperávamos muito depois, tendo presente algumas informações da organização, surpreende-nos 30 minutos mais tarde. Não teve o acolhimento merecido, pois andávamos distraídos a descobrir os escorregas no parque infantil. Redimimo-nos como pudémos e oferecemos-lhe todo o banco traseiro do carro na viagem de regresso, para que pudesse dormir… como um bebé!

O regresso a casa…

Estamos cansados. Uns mais que outros. Queremos chegar a casa. Queremos chegar a casa rápido, de preferência.
Alguém que assume o papel de co-piloto (não referirei nomes) coloca-nos no meio de Sevilha. Não experimentem entrar em Sevilha sem o propósito efetivo de visitar a cidade. Dificilmente se consegue encontrar o caminho de saída. Fizemos um lindo tour e aproveitei para indicar partes do percurso da maratona que os restantes passageiros vão encontrar no próximo mês de fevereiro.
Quando conseguimos finalmente sair de Sevilha, rumando a Portugal, o co-piloto, cujo nome continuarei a não revelar, decide que qualquer coisa que se chama N433 e indica “PORTUGAL” em tamanho de fonte 456, deverá ser a melhor opção.
Não duvidem… Há muito que não percorria uma estrada tão bonita. “Que linda estrada para uma corrida”, exclamei! O Pedro discorda e diz que preferia fazê~la de bicicleta. Talvez tenha razão.
Como disse o Miguel, quase garantimos a entrada em Portugal na fronteira com a Guarda, mas que percorremos um lindo percurso para chegar a casa, lá isso percorremos!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Amesterdão, um ano depois

Não, ainda não são as palavrinhas sobre La Ultima Frontera.
Impossível acordar hoje e não sorrir.
Há precisamente um ano, a esta hora, corria a minha primeira maratona em Amesterdão.
Os meus primeiros 42 km, na companhia do grande amigo Al.
A primeira a que chamam "Prova Rainha"....

Como diz o João Campos, a vida não é só corrida. Mas acredito genuinamente que a corrida me permitiu estar melhor em tudo o resto que faço. Os cientistas explicarão melhor do que eu porquê. Eu apenas posso dizer o que sinto. E o que sinto deve ser semelhante ao que sente o milho quando é aquecido e explode "virando" pipoca (vou usar esta analogia, numa ótica diferente, quando vos contar o que aconteceu em Andaluzia).
Correndo o risco de me tornar repetitiva, arrisco mesmo e volto a escrever o que disse há um ano.
Plantem uma árvore. Tenham um filho. Escrevam um livro. Sim, tudo isso. Mas corram também uma maratona. Vivam a ansiedade das semanas que antecedem a prova, os momentos de confiança e os de dúvida. Treinem. Olhem para o relógio. Não olhem para o relógio. Vivam com alegria o registo de um tempo melhor que o anterior. Protestem quando o treino não corre bem. Vivam a véspera, o dia da prova, a passagem da meta aos 42. Corram uma maratona. Aqui, ali ou em qualquer lugar.
Desejos de uma ótima semana!

domingo, 29 de setembro de 2013

Serra d'Arga contada às crianças

"Meninos, vamos para a caminha!", exclamo, exausta, ansiando também pelo meu momento de descanso, no final de mais um dia bem preenchido.
"Queremos uma história, mamã! Já não nos contas uma história há tanto, tanto tempo!", reclamam a Inês e o Diogo.
"Têm razão", respondo. "Há quanto tempo não me sento a ler-lhes uma história aos pés da cama", penso para comigo.
"Ora então vamos lá", começo eu.
"Vou contar-vos uma história de uma menina que conheço. Era menina como tu, querida Inês, mas depois cresceu e hoje já é uma mulherzinha". "A menina também tinha um mano, sabes Diogo?", acrescentei.
"Coincidência ou não, esta história aconteceu no dia 28 de setembro. É um dia muito especial para a mamã. O que quer que seja que venha a acontecer, nunca deixará de ser especial", expliquei à Inês e ao Diogo.

Era uma vez...

Certo dia de setembro, numa linda serra chamada Serra d'Arga, muitas centenas de meninos e meninas, uns mais crescidos, outros menos, uns com pernas maiores, outros com pernas mais curtas, partiram de manhã bem cedo, estrada de pedra acima, em busca de um lindo tesouro na Serra d'Arga.

Eram realmente muitos e, por vezes, os caminhos eram tão estreitos, que tinham que esperar à vez a sua passagem. Cada um esperou pelo seu momento, sem tropeções, encontrões ou palavrões!
A menina lá seguia no seu caminho, umas vezes correndo, outras andando, apoiada em duas poderosas muletas, que tornavam a escalada das paredes de pedra um pouco mais ligeira.

Foi subindo, subindo e a chuva não tardou a cair. E choveu mesmo muito. Choveu quase o tempo todo!
À medida que subia, o vento soprava mais forte. Vruummmmmm! E soprava cheio de força, de todos os lados. Umas vezes era vruummmmmm, outras vroommmmmm, adivinhando-se um daqueles grandes moinhos de vento, escondido atrás do nevoeiro. O "vrooooommmm" era mesmo tão assustador, que a menina concluiu que o moinho de vento deveria estar a produzir energia para Portugal inteiro!

Entretanto, avista uma descida e começa a correr, destemida, sobre as pedras. Tem mesmo muita pedra a Serra d'Arga. A menina não corria muito rápido, mas devia fazê-lo de forma engraçada, pois um outro corredor disse-lhe que parecia que estava a dançar ballet sobre as pedras!

E lá seguia a menina correndo quando... Catrapum! Escorrega numa pedra e puf! Grande queda. Ficou sentada por uns momentos e logo chegaram outros meninos perguntando se estava bem. Ninguém seguiu caminho sem que a menina se levantasse e confirmasse que tudo estava no mesmo sítio.

Recomeça assim a corrida, um pouquinho dorida e com uns arranhões na perna, que as simpáticas urzes - uns arbustos muito bonitos mas que picam muito - iam acariciando ao longo de todo o percurso. Havia urzes mesmo por todo o lado! Era impossível escapar!

E, por falar na impossibilidade de escapar... "Tantas ovelhinhas que por aqui andam", pensava a menina enquanto subia e descia a montanha. Na realidade, não avistou nem uma. Mas as pedras estavam cheias de vestígios de ovelha! Se calhar haviam-se escondido dos lobos que por lá andam. Mas a menina não teve medo, porque na véspera tinha lido que os lobos não atacam os homens, fogem deles!

A Serra d'Arga está salpicada de vegetação rasteira. É comum que assim aconteça quando estamos a maiores altitudes. Mas, de quando em vez, lá aparecia uma árvore com uma grande copa, mesmo grande, e a menina perguntava-se como teria ido ali parar uma árvore. Uma única árvore, nascida no meio do nada, com muitos ramos e folhas, que nem a chuva, nem o vento, haviam destruído ao longo de todos estes anos.

A chuva continuou a cair. A terra, que há poucos dias estava seca, depressa se transformou em lama. Chlop, chlop, lá seguia a menina com os sapatos, as pernas, as mãos dentro da lama. Sentia comichão, coçava o nariz e ganhava um nariz com cor de carvão. Felizmente lá aparecia um riacho com água cristalina, onde aproveitava para limpar o que conseguia. Temos que lavar sempre as mãozinhas! Mas a lama era tanta, que receava mesmo levar um ralhete quando chegasse a casa. Bem vistas as coisas, a menina já era crescida para levar ralhetes, mas seriam bem merecidos!

Ao perto ouvem-se os sinos da igreja. A menina corre e conta as badaladas. Quatro badaladas! São quatro da tarde, portanto. Mas, como sempre na montanha, o perto torna-se longe, e dá umas voltinhas mais por entre as pedras, cascalho e folhinhas.

Mais de 8 horas depois, a menina chega à meta. Encontra os tios queridos, alguns amigos e gente que não conhece, mas que a felicitam como se tivesse ganho o primeiro lugar.

"E o tesouro, mamã, alguém o encontrou?", perguntou o Diogo.
"Acho que todos os meninos e meninas que por lá andaram encontraram um tesouro, Diogo. Para uns o tesouro estava na chegada à meta, o fim da corrida. Para outros, o tesouro foi sentir a chuva no rosto. Para outros ainda, ouvir o vento forte. Todos encontraram qualquer coisa valiosa", respondi.

"Como se chamava a menina desta história?", pergunta a Inês.
"Chamava-se Susana. Mas esta é também a história de muitas outras meninas que por lá andaram, naquela serra. É a história da Maria, da Ana, da Carla, da Gília, da Cláudia, da Aida, da Anabela, da Mariana, da Sónia, da Otília, da Cristina, da Júlia e de tantas outras meninas", respondi cheia de certezas.

"Inês e Diogo, não me interessa que sejam os melhores. Quero que sejam únicos no que fizerem! Como a única árvore que avistei lá em cima na montanha. Não será a maior do mundo, mas ali era especial no meio das urzes! Prometem?", pergunto.
"Sim, mamã!", respondem em uníssono.
"Então... vitória, vitória, acabou-se a história!", remato.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Pés, unhas e outras "tonterias"

Olho desconsolada para os meus pés.
No último mês, precisamente aquele que pede sandálias giras a ostentar uns pés arranjadinhos, vi-me confrontada com a inevitabilidade. Horas e horas a correr, o "bate-ponta-do-pé" na biqueira do sapato, a humidade porque adoro meter-me dentro de água... esta mistura explosiva resultaria nos pés mais feios do planeta... que, até há momentos atrás, se esconderam d...
entro de sapatos fechados.
Estou farta e decido fazer qualquer coisa por eles. Nem que fiquem meio pintados e meio por pintar - quando não há unha para pintar, torna-se difícil pintar o dedo!
Mas não vim aqui para falar de pedicure. Mas foi "ela", a pedicure, que fez com que tivesse vontade de escrever qualquer coisa sobre um assunto chamado "100 milhas". Naturalmente que tive que me justificar junto da senhora por me apresentar com os pés naquele estado. Unhas negras, quando as há. Ou a inexistência delas. Disse-lhe que corria. Corria bastante. "No outro dia até corri 43 km na areia. Calçada, descalça, sabe lá o que aquilo foi!", disse-lhe eu. Esta justificação mataria o assunto. "Mas porquê?", perguntou simplesmente. Sorri.
Curiosamente, ontem à noite, ouvindo-me falar do assunto, a Inês fez-me a mesma pergunta. "Mamã, vais correr 166 km?", perguntou. Houve até uma ligeira atrapalhação na pronunciação do número, para o que dei uma ajudinha. "Vou tentar, Inês", respondi. "Porquê, mamã?", voltou a perguntar a Inês. Sorri e encolhi os ombros. "Para te dar um abraço no fim e para imaginar, durante aquelas duas voltas de 83 km, que desenho me terás feito quando chegar a casa", pensei para comigo.
E assim foi. Não sei bem porquê, há cerca de um mês, dei comigo a olhar para La Ultima Frontera. Tinha acabado de ser anunciada a nova versão do UTAX, com os seus 88 km e 10.000 metros de desnível acumulado. Foi das primeiras provas de montanha que fiz, há um ano atrás, e contava lá voltar este ano para a distância maior. Mas uma prova com estas características não me permitiria correr, apenas andar, andar, andar. Voltei-me para Espanha. Adoro Espanha, adoro os espanhóis, adoro a língua, adoro a gastronomia e, sobretudo, adoro a forma positiva com que encaram a vida. "Se me diverti tanto na Maratona de Sevilha, La Ultima Frontera não poderá ser diferente", interiorizei.
Cem milhas, os 4 pontos para o UTMB que faltam ou simplesmente... porque sim! Um pouco de tudo. Mas sobretudo "porque sim". Porque efetivamente ainda não sei bem porquê, mas espero encontrar a resposta.
Não podia ir sozinha. Desafiei a Carla. Talvez ainda não estivesse absolutamente convencida e por isso precisava de alguém que, assim que aceitasse o desafio, deitaria "mãos-à-obra" para lá chegar. Alguém que sorri a cada km que passa. Não sei se terei pedalada para as pernas da Carla e não a quero atrasar. Basta saber que lá está, uns minutos à frente, umas horas à frente, uns metros à frente ou uns kms à frente. Obrigada, Carla!
Há duas semanas partilhei a decisão com os meus pais. 37 anos depois continuo a partilhar decisões que me são importantes. Até porque prevejo estar 30 horas sem os contactar. O meu pai olhou-me apreensivo, mas garanti-lhe que eram muito mais perigosos os voos invertidos e os loopings que fazia com a minha idade. Assunto arrumado.
Na minha inexperiência e juventude na corrida, irei preparar-me o melhor que souber e vou contar os dias até 19 de outubro. Porquê não sei. Porque gosto, porque me faz bem, porque gosto de cascalho, pedras e folhinhas, porque tenho muito em que pensar... porque sim!
A caravana lusa vai partir rumo a La Ultima Frontera e oxalá leve muitos índios e cowboys!

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Almourol de pernas para o ar

Já lá vai quase uma semana.
Confesso que não havia previsto escrever nada sobre a experiência "Kayak Trail do Tejo".
Escrevi duas linhas no domingo, já a caminho de Lisboa e decidi "ficar por aí". Não porque o memorável evento não o merecesse, mas simplesmente porque haveria quem escrevesse e eu, claramente, ando a abusar das palavras. Não quero cansar os meus fiéis l...
eitores.

Então, porque escrevo agora?!
 

A semana foi passando e várias coisas aconteceram.
A Ana (e perdoa-me a inconfidência, querida amiga), enviou uma mensagem a perguntar como se voltava atrás nos dias, até domingo, em Constância. Respondi-lhe que iria tratar de procurar a máquina do tempo. Desculpa, ainda não a encontrei. Bem que precisava dela. Não só para reviver aquele dia, mas para fazer algumas coisas de forma diferente. Algo que todos desejamos, creio. A história do "não me arrependo de nada do que faço" só fica bem como grafitti nas paredes.
Dei-me também conta de que o Kayak Trail do Tejo foi o primeiro evento onde participaram os 4 amigos da equipa +kms, desde a sua constituição, nos Trilhos do Pastor - eu própria, a Marta, o Pedro e o Ricardo.
Depois veio a reportagem fotográfica do Ricardo e o filme do Pedro, que guardarei como verdadeiras preciosidades no meu baú de memórias.
Entretanto, apercebo-me também que o meu parceiro de equipa, o Pedro, coloca uma foto de ambos a cortar a meta como foto de capa do FB. Adoro essa foto confesso. E o gesto sensibilizou-me. Não sei se somos a equipa perfeita na medida em que há um forte desequilíbrio em matéria de velocidade e destreza na corrida, mas que o somos no tema "loucura e galhofa", não tenho dúvidas de que o somos.
E, finalmente, há cerca de uma hora atrás, recebi uma mensagem de um dos elementos da organização que reclamava comigo por não ter havido um relato do evento.
Por detrás do Kayak Trail do Tejo esteve um casal que muito admiro. Um daqueles casais que arrumamos nas nossas referências e prateleiras do "gosto muito". A Otília e o José.
Juntei todas estas peças e decidi pôr os "dedos-à-obra".

Meter água!


Como disse no domingo passado, não foi preciso pesquisar o que significava "Almourol".
Havia feito essa pesquisa a 8 de abril, aquando dos Trilhos do Almourol, tendo descoberto que significa "Curva do Rio".
A prova (prefiro chamá-la de convívio) começou com a descida do rio em kayak, ao longo de 7 km.
E a equipa "kayakaofundo" superou-a com sucesso, sem ir ao fundo e revelando o espírito estratega do Pedro que, nos momentos em que o kayak passava em zonas onde o nível da água era muito baixo, fazendo com que a embarcação raspasse no fundo, ordenava que me mantivesse sossegada e sentada, saindo para a empurrar e depois rapidamente entrar, dizendo que me adiantasse nas remadas!
Ainda assim ficámos atrás dos outros dois +kms, Marta e Ricardo. Penso que não por falta de destreza nossa, mas porque insistimos em selecionar o penúltimo kayak daquela fila perfeitamente alinhada e colorida com que fomos presenteados. E, porque queríamos o kayak azul, perdemos umas dezenas de metros face aos primeiros!

Corrida... a minha "praia" ou coisa parecida!


Chegados a Tancos havia que regressar a Constância. A correr!
Antes de começar, um SMS ao meu pai, a quem havia prometido um aviso do tipo "está tudo bem", quando concluísse o segmento "kayak". Nunca deixarei se ser a filhinha-do-papá, está visto. Fui gozada pelos amigos, claro... e eu com isso!
Demorei um pouco a entrar no ritmo da corrida, escapou-nos uma fita e já seguíamos disparados quando o alentejano do costume nos foi repescar!
Já no trilho certo, somos confrontados com a primeira linha de água. Pouco apetecível, confesso. Demasiada lama à mistura. Estiquei-me o mais que pude para tentar manter a água ao nível dos joelhos. Os outros atletas levavam-na pelos tornozelos, claro.
Quando dou conta, verifico que estamos a percorrer o percurso dos Trilhos do Almourol ao contrário. "De pernas para o ar", como lhe chamei. E adorei.
Obtemos uma perspetiva muito melhor do rio e o enquadramento do Castelo de Almourol, por onde já havíamos passado bem perto de kayak, ganhou uma beleza imensurável!
Os organizadores haviam prometido surpresas e elas não tardaram. Surgem os primeiros metros de areia. Uma fotógrafa estrategicamente colocada avisa-nos que temos a praia lá em baixo, mas que não é vigiada. Eu e o Pedro dirigimo-nos em direção à água e entramos rio adentro. Não querendo atrasar o meu parceiro, refresco apenas as pernas. Segundos depois vejo o Pedro mergulhar e... não resisto! Banho!
Voltamos à areia. Saímos da areia para subir e descer uns trilhos mais. E... contra todas as expectativas, mandam-nos de novo para a areia. E desta vez é mesmo a sério. Uma longa extensão de areia fofa. Fofa mas pouco fofinha, é certo. "Ora aqui está o meu treino específico para a UMA", penso.
Avistamos a meta do lado de lá. A Marta, a Ana, o Ricardo e o José acenam-nos. Só nos falta atravessar a ponte, mas ainda teremos que subir o morro para lá chegar. A corrente do rio é forte. Agarramo-nos à margem e... splash! Mais um refresh!
Antes da meta sai um "high five" e uma qualquer dança cujo nome desconheço. Fomos uma grande equipa!

Gerberas, bifanas e trufas de chocolate


Lá estavam elas, na meta, a gerberas de que tanto gosto! Tal qual nos Trilhos do Almourol. Obrigada!
Depois de mais um banho refrescante no rio, seguimos para o almoço em modo "assa tu". Assas tu, asso eu, assamos todos. Assam as bifanas, mas também assamos nós junto às brasas!
Vejo a Anabela à sombrinha e junto-me à festa.
Para fechar, as sobremesas levadas pelos participantes. O meu contributo... as trufas do costume. Parece que estavam boas.
Mas melhor estiveram as mais de 50 equipas participantes, os acompanhantes e todos os que trabalharam e montaram este brilhante evento que celebrou o espírito do desporto e amizade...
Nas margens do rio Tejo nos sentámos e rimos que nos fartámos!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Trail do Almonda em modo lento

Aqui estou eu a apresentar o meu primeiro dueto. Dueto na escrita, claro.
Seria impossível equacionar a possibilidade de uma corrida em que eu e o Zé tivéssemos cortado a meta ao mesmo tempo. Certo é que, passados alguns meses de colaboração para o este seu blogue “De Sedentário a Maratonista”, esta é a primeira vez que nos cruzamos na mesma prova: no Trail do Almonda.
“Escreves tu? Escrevo eu?”, questionámo-nos. Bem… “Escrevemos os dois!”, decidimos.
Eu farei o relato em modo lento. O Zé, claro está, em modo rápido!
Senhoras primeiro, mesmo nas corridas!

Correr com amigos

Estou feliz por ter chegado ao fim. Em vários momentos pensei que teria de dar por concluída a minha prestação, mas os “companheiros de viagem” cuidaram de mim. “À bruta”, claro, mas cuidaram!
Não havia feito quaisquer planos e creio que a Ana e o Ricardo também não. Quis a Serra D’Aire e Candeeiros que a percorrêssemos juntos e assim aconteceu.
Afastada há algum tempo das corridas, a Ana foi uma autêntica guerreira e assumiu a figura de lebre em diversas ocasiões. O Ricardo presenteou-nos com as suas preciosas dicas e puxou pelas “miúdas” nos outros momentos. Já eu… bem, eu tive o que pedi há uma semana atrás – a serra!
Para verem como sou efetivamente rápida, nos primeiros quilómetros da prova passou por mim um corredor que presumo me conheça destas andanças. Lá seguia eu, no meu ritmo, em jeito de trote, envergando o meu equipamento “Anna Frost“. “És um bluff, és um bluff!”, exclamou ele, rindo. Fugiu tão rápido (receando represálias, presumo!), que não tive tempo de responder que se não fosse o equipamento “Frostie”, seria ainda mais lenta!

Podemos não falar do calor?

Se falarmos sobre o calor que se fez sentir, com temperaturas acima dos 40 ºC, todo o relato do Trail do Almonda sairá penalizado. Sim, porque o calor foi efetivamente terrífico e custou a continuação em prova a muitos atletas. Aqueles a quem não compremeteu a sua conclusão, garantiu que seria de uma dureza extrema até cortar a meta. No fundo, tivémos sorte. Afinal, afinal, este é o verão mais frio dos últimos 200 anos, garantiu um canal de meteorologia francês!

Caminhos tortuosos, mas lindos!

Conheci esta serra nos Trilhos do Pastor no início do ano. Na altura, “Corri com o Ludovico Einaudi“, lembram-se?
É uma linda serra, caracterizada pela dureza dos seus caminhos, carregadinhos de pedra e pelas paisagens áridas. A pedra foi muita, como se esperava, mas ainda assim, o percurso foi-nos oferecendo diferentes pisos, paisagens variadas, subidas e descidas, estradões e single tracks. Por várias vezes me foi permitido gozar aqueles trilhos onduladinhos, de que tanto gosto. Não sobe muito. Não desce demasiado. São divertidos! Como sempre, lá nos cruzámos com um marco geodésico e com as antenas. Imagens de marca dos trilhos, pois claro!
Sempre com o sol a brindar-nos (“torrar-nos” seria a palavra adequada) com os seus raios, foram poucos os momentos de sombra. Lá surgiam uns trilhos mais “fechadinhos”, com mais vegetação, mas geralmente eram acompanhados de subidas de pendente acentuada, pelo que a “frescura” não se fazia sentir!
Diverti-me particularmente a descer um extenso trilho, a que o amigo Pedro Quina baptizou de “secador”. Uma longa descida, cerca do km 24, que se prolongava por várias centenas de metros. Vegetação cerrada, pedra, muita pedra, mas daquela que nos permite saltar (como a Frostie!) e encaixar o pé com segurança. Senti-me mais confiante e lá me aventurei descendo com toda a velocidade que me era permitida – câmara lenta, portanto!
Tudo corria bem até entrar no filme “Como treinares o teu dragão”. Eu era a Astrid (a menina vicking, conhecem?) e levava comigo as minhas duas espadas (os comuns mortais apelidam-nas de bastões). Saltitando entre as pedras, procurava incessantemente o “Fúria da Noite”! É um dragão muito dócil, como se sabe, mas adora brincar com o fogo. E assim aconteceu – fui engolida por aquela labareda de fogo e calor do “Fúria da Noite” que se escondia algures. Que dragão aquele!
Entretanto a Ana e o Ricardo afastam-se um pouco e vou correndo em modo “Susana”, por conta própria. Passo por um bombeiro que me incentiva a continuar dizendo “está quase, mostre lá aos homens como é”! Desatei a “sprintar”, claro.

Água e melancia!

Quem já me conhece um pouco sabe que a real motivação para me manter neste tipo de provas consiste em chegar ao “banho” seguinte. Infelizmente o percurso do Trail do Almonda não nos brindou com nenhum curso de água.
Mas… o calor (aquele que referi acima que não iria mencionar) perseguia-nos e tínhamos que resolver o problema a cada abastecimento. A cada 5 km, portanto. Foram autênticas regas. Mais para o final, eu, a Ana e o Ricardo já estávamos perfeitamente sincronizados. A Ana molha a Susana, a Susana molha o Ricardo, o Ricardo molha a Ana. Água no boné, borrifos de água termal da Avène e rega integral com a garrafa da Ana, que rapidamente deixou de acondicionar a bebida isotónica para merecer o título de regador oficial deste trio! A técnica estava de tal modo apurada, que nos valeu as felicitações de um dos membros da organização, que nos rotulou como os “mais simpáticos” que por ali tinham passado!
A cada 5 km foi também tempo de… melancia! “Embarriguei” melancia para todo este verão e o do ano que vem!

Quase, quase no fim

Os “está quase” com que somos incentivados pelos membros da organização – uma simpatia, de resto – são sempre de natureza duvidosa neste tipo de provas.
Os “está quase” pressupõem sempre que temos mais 3 km pela frente, que parecerão ser 10, simplesmente pelo facto que ficaremos sempre com a sensação que estamos ao lado da meta mas que nos empurram no sentido contrário!
E assim foi! Depois do mimo do carro-tanque dos bombeiros onde não perdi a oportunidade de me contorcer toda, garantindo assim que me alojava por debaixo da torneira e usufruía da água do furo, fomos presenteados com mais uma subida que mais parecia a “pedra” do “bife da pedra”. Nós éramos os bifes e vos garanto que fumegámos!
Sobe mais um pouco, porque afinal ainda falta mais um pedaço do “está quase”. Finalmente começamos a ouvir aplausos e vislumbramos aquela “coisa” insuflável vermelha que nos diz que agora está mesmo quase!

Depois do inferno, a bonança…

Cruzámos a meta, a três – eu, a Ana e o Ricardo. Cruzámo-la por três vezes, para garantir que teríamos o registo fotográfico perfeito!
Obrigada, amigos!

Termino conforme escrevi no domingo, horas depois de ter concluído a prova…
Almonda = Al+Monda. Diz-nos o dicionário que “monda” significa limpar ou purificar. Expurgar tudo o que é prejudicial… Pois bem…
A Serra d’Aire ofereceu uma verdadeira purificação a altas temperaturas a centenas de atletas apaixonados pela montanha.
Rejubilemos, pois estamos purificados!

domingo, 30 de junho de 2013

Salta pocinhas, perdão, fogueirinhas!

Frustração s.f. Ação de frustrar.
Psicanálise: Estado do indivíduo que, por não ter satisfeito um desejo ou tendência fundamental, se sente recalcado: complexo de frustração.


Eventualmente a Corrida das Fogueiras e os amigos que me acompanharam não terão as palavras que merecem porque a minha cabeça estava num outro lado. As minhas desculpas por isso.
Mas, se decidi escrever e partilhar as minhas experiências na corrida, tenho que o fazer de forma genuína.
Neste caso tinha duas hipóteses.
Não escrever e ficava o assunto arrumado.
Escrever e... escrever como sei. Assim.


Frustração, Susana?! Porquê?

Porque se o mundo fosse perfeito, neste momento estaria a escrever sobre a demoníaca experiência vivida na Serra da Freita. Sobre o calor que havia enfrentado. Sobre as subidas que me tinham deixado um nó no estômago. Estaria a escrever sobre aquela coisa a que chamam de "besta".
Estaria também a justificar porque não tinha chegado aos 70 km - a meta, portanto. Mas estou certa que estaria a relatar aquilo que o meu coração genuinamente teria gostado de fazer.
Porque não estive lá, perguntarão? Porque, simplesmente, me lembrei que se calhar podia tentar... tarde demais.
Tento convencer-me que a serra ainda está lá e, a menos que se dê um qualquer movimento tectónico inesperado, poderá esperar por mim em 2014.


Voltemos às Fogueiras 

Há vários meses que estou inscrita na corrida. O ano passado tinha-me inscrito, mas acabei por não ir. Este ano tinha que experimentar aquela que dizem ser das corridas de estrada mais bonitas e míticas de Portugal.
Segui num grande grupo (grande no sentido de numeroso e grandioso!) do Portugal Running. O Miguel - grande dinamizador - tratou de arranjar uma carrinha para todos.
Porque não estava nos melhores dias, sentei-me no banco da frente. Sim, aquele que nas visitas de estudo da escola estava reservado aos "nerds", lembram-se? Lá atrás era sempre muito mais divertido. A galhofa era garantida!
E assim foi. Depois de várias insistências de amigos perguntando o que tinha, lá fui respondendo que era "sono", "calor", por aí fora. Cá dentro, sei bem que o problema se chamava Serra da Freita.
Chegados ao local, recolhemos os dorsais e iniciámos os preparativos. Há muito que não via tanto atleta reunido. Na montanha somos menos, muito menos!


A corrida

Valeu ir a Peniche pelo troço junto ao mar, ladeado de fogueiras. Diz quem já fez a corrida que este ano eram menos... as fogueiras. Mas muitos mais atletas.
Valeu também pelo apoio e palavras de incentivo das gentes locais, que se distribuíram ao longo dos 15 km festejando a passagem dos corredores. Neste ponto tenho que referir que adoro ser mulher. E é bom ser mulher num desporto onde a maioria é ainda do sexo oposto. Quando uma mulher passa, as outras mulheres, aquelas que gritam palavras de apoio, gritam mais alto. E, pasmem-se, se sorrirmos (coisa difícil na minha pessoa, como se sabe), gritam ainda mais alto.
Pois bem... fartei-me de sorrir e, em resposta, os apoiantes gritaram ainda mais alto. Ter-se-á desencadeado um qualquer fenómeno físico, pois corri como nunca havia corrido.
Quando dei conta, as minhas passadas eram enormes! Eu que corro como os pintassilgos, estava de facto a... correr!
Falando à moda da "malta da estrada", quase bati o meu PBT aos 10 km (menos de um minuto de diferença, creio) e bati seguramente o meu melhor tempo aos 15 km.
Cheguei exausta, claro. Afinal, na estrada, vesti outro papel - que não é o meu - e que se traduz em chegar o mais rápido possível do ponto A ao ponto B.
No final, este numeroso e grandioso grupo do Portugal Running partilhou um grande repasto, onde nada faltou. Confesso que perdi demasiado tempo no banho - porque não o tive durante a prova (!) -, pelo que terei perdido seguramente a melhor parte do convívio.
Redimir-me-ei da próxima vez com as minhas trufas de chocolate!


Pai, fiz o que me pediu!

Há 5 meses para cá que o meu pai me pede quase diariamente para fazer provas com menos quilómetros. "Essas provas intermináveis fazem-te mal, Susana. Podes não o sentir agora, mas senti-lo-ás mais tarde, quando tiveres a minha idade, é certo", alerta-me o meu pai a toda a hora. "Porque não desistes de investir na distância e te concentras antes em fazer as corridas mais rápido?", tem sugerido o meu pai.
Pois bem, pai. Ontem fiz o que me pediu. Corri pouco e rápido! Tão rápido quanto pude!
Mas o que eu gosto mesmo é de outra coisa.
Eu gosto de quilómetros, muitos!
E gosto de os palmilhar correndo, andando e banhando-me quando posso!
Eu não gosto de alcatrão. Gosto de pedras, cascalho e folhinhas. Gosto da companhia das árvores, dos cheiros e da luz que só há na montanha.
E, por isso pai, assim que possa, voltarei para lá!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Loucos da Reixida

Louco: adj. Diz-se daquele que perdeu a razão; alienado, doido, maluco. Insensato, temerário, estróina. Furioso, alucinado. Perturbado, dominado por violenta emoção: ficou louco de alegria. Intenso, vivo, violento: amor louco. Absurdo, contrário à razão: projeto louco.

Alguns já se vão habituando aos meus longos testemunhos, resultado da acumulação de provas e kms, sempre em modo lento, claro, para tudo melhor disfrutar!
Esta tarefa – escrever – é tanto mais fácil quanto mais longa é a partilha com a serra. Adoro passar horas a fio com ela e, geralmente, quando a deixo, já tenho título e argumento para o meu escrito. Não sei se preciso de correr para escrever ou escrever para correr. Creio que uma coisa alimenta a outra. E vice-versa.
As provas mais curtas não deixam de ser encantadoras, e acabo por sentir esta necessidade de deixar duas palavras de reconhecimento para com quem as organiza. Vivemos num mundo onde é tão fácil criticar. Os elogios, esses, pagam-se a peso de ouro. Deixo-os aqui gratuitamente. E de forma mais que merecida, claro!

O que é isso dos trilhos loucos?

Nunca eu fui tão “às escuras” para uma prova. Quantos kms? Qual o desnível? Que serra vou subir? Quantos abastecimentos? Mais… onde fica mesmo essa coisa chamada Reixida? “Leia o regulamento”, dizem! Mas… qual regulamento?!
6.30 AM. Sento-me no banco de trás do carro e sou conduzida durante 150 km pelo piloto Pedro e co-piloto Ricardo. Sabe tão bem não fazer nada! E a seguir descansar. “Infelizmente”, fui lá para correr.

A loucura – parte 1

Chegados ao destino dirigimo-nos à associação lá da terra para levantar os dorsais. E que surpresa tenho reservada para mim? Dois dorsais. “Menina, é só escolher. 247 ou 213!”. Escolho a segunda opção. Fica por saber se me inscrevi duas vezes ou se as gentes desta organização são mesmo tão loucas que me atribuíram dois dorsais.

Os suspeitos do costume

Se há coisa que me agrada nesta vida de montanha – uns correm, outros pastoreiam, como eu – é rever os suspeitos do costume. Uns estiveram nos Trilhos dos Abutres, outros na Arruda dos Vinhos, outros nos Trilhos do Pastor, outros nos Ultra-Trilhos de Sesimbra (e eu até os ultrapassei, vejam só!), outros em São João das Lampas, outros em São Mamede, outros ainda em Vila de Rei. Mas há um núcleo mais ou menos alargado cujas caras já vou reconhecendo, de quem sei o nome, se correm muito ou assim-assim, que loucuras fazem na corrida e por aí fora.
Gosto do “tu cá tu lá” da montanha. Na montanha não há doutores, professores ou engenheiros. Gosto de chegar aos abastecimentos e deparar-me com a dificuldade de decidir se como primeiro a banana ou a marmelada. Já agora, podem incluir queijo, também? Sou meia-do-norte e é das melhores sobremesas que há!
Agrada-me poder usufruir da companhia de quem corre ao meu ritmo a cada momento – e, a verdade é que, mesmo numa prova de 21 km, foram tantos os ritmos e as companhias (mas também a ausência dela que sabe tão bem!), que o modo “enfado” se assume como uma verdadeira impossibilidade!
Desta vez tive a companhia de Lisboa, mas também da auto-designada comitiva alentejana (o “alto” e o ”baixo” Alentejo!) e sei lá de que regiões mais!

Os trilhos

Ora bem. Não corri à velocidade da luz. Nem bati o meu PBT aos 21 km. Não vos direi que subi paredes onde supliquei pelos meus bastões. Nem que as descidas me custaram ainda mais aos joelhos do que as subidas. Também não vou referir que adorei os trilhos onduladinhos. E os estradões. E os moinhos de vento. Ai, os moinhos de vento que dançam e dançam! E o banhinho na nascente? E os mergulhos no Lis? Devo ser arraçada de peixe!
Também vou omitir que dois alentejanos que vinham em amena cavaqueira me fizeram escorregar e ”cair de rabo”. Não uma, mas duas vezes! Um deles lá se redimiu, oferecendo-me mais tarde uma ameixa ultra-doce que apanhou numa árvore que estava no sítio certo do trilho que percorríamos. O “outro” alentejano está também perdoado. Apenas porque tem o nome do meu mano. E porque teve a gentileza de me indicar qual a sua viatura para que nela possa desenhar o já anunciado “S” de Susana no capot.

No meio da loucura da Reixida, aprendi duas coisas…

Nenhuma prova é demasiado curta para usar os bastões…
Usar sempre o camelback em detrimento dos cintos “Lara Croft” que só atrapalham. “Despachei” literalmente o meu aos 4 km. Fiquei de o recuperar na meta, mas já nem me lembrei dele. O simpático senhor da organização que fez o favor de o guardar faça bom uso dele!

A massagem depois do banho e do almoço (maravilhoso, por sinal!)

Esqueçam os luxuosos SPAs. Esqueçam essas salas lindinhas, a meia luz, com cheirinho a incenso e música zen.
As melhores massagens acontecem numa garagem da Reixida, pelas mãos, perdão, tenazes, do Nuno. É Nuno, não é Anabela?
Enquanto aguardava pela minha vez, duas meninas seguiram na frente. Contorceram-se, gritaram, quase espernearam. Pensei para comigo “que fiteiras, que disparate, que tontas”!
Pois bem. Pela boca morre o peixe. E eu mordi um anzol do tamanho do mundo. Para não chorar desatei a gargalhar e enterrei a cabeça na marquesa. Uma coisa é certa – 24 horas depois estou fina como nunca estive!

The End

Srs. organizadores dessa coisa linda que são os Trilhos Loucos da Reixida: são loucos mas não perderam a razão! Ganharam-na!
E ganharam também mais uma fã-louca dos vossos trilhos!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Crónica de uma vitória anunciada



Vitória: s.f. Ação ou efeito de vencer. Qualquer sucesso, êxito ou vantagem alcançada. Triunfo. (Do Lat. victoria)


Em vários momentos no sábado, debaixo de “60 ºC à sombra”, me lembrei das palavras que tinha partilhado no dia anterior.
Em vários momentos sonhei estar descalça, a pisar areia e a banhar-me nas águas do mar.
Mas tive o que havia desejado para mim naquele dia: cascalho, pedras e folhinhas. Assim como derreter ao sol. E banhar-me num dos muitos afluentes do Zêzere.
No sábado participei na segunda edição da prova Oh Meu Deus – Vila de Rei. E não a esquecerei.


Dureza…

Dois dias depois as emoções estão ainda à flor da pele. Foi duro, muito duro. Não sei se foi a prova mais dura que fiz. A verdade é que tenho ainda muito presente a aventura UTSM, com os seus 100 km e, claro, a subida a Marvão. Mas, uma coisa é certa. O meu corpo diz-me que sim. Os meus quadríceps dizem-me hoje que, no sábado, experenciei a prova mais dura até aqui.
Felizmente a mente humana tem a capacidade de eliminar seletivamente alguns registos. E, geralmente, tende a apagar os ficheiros menos bons, guardando apenas as boas recordações. Tal qual quando perdemos alguém de quem gostamos muito.
De Vila de Rei, só guardarei coisas boas.


O meu primeiro briefing

Pela primeira vez numa prova, decidi assistir ao briefing que a antecede. Cheguei a Vila de Rei na véspera e rumei ao pavilhão onde receberíamos algumas dicas importantes.
O Paulo Garcia, diretor da prova, já falava para um pequeno grupo quando entrei. Falou-nos do percurso e das suas dificuldades. Do calor que se iria fazer sentir. Do vento, que até saberia bem, mas que seria um fator acrescido para rapidamente chegarmos ao estado de desidratação. Das subidas. Das descidas. Dos trilhos técnicos. Dos estradões e das fitas de marcação. Nada ficou esquecido.
Saí de lá um pouco alarmada e, seguindo a estratégia que apontei acima, fiz reset ao que me assustava e concentrei-me no importante: “Susana, as fitas de marcação são de cor laranja. É esse o caminho a seguir”.


Um caso de polícia em Vila de Rei

7h30 da manhã e dirijo-me para o local da partida. Quando chego, já lá está o Carlos Freire e dois amigos – a Aida e o David – ambos da Policia Judiciária. O Carlos, não sendo polícia, é perito de balística da PJ. Naquela manhã estava sem bata branca e fugira do laboratório!
O grupo era pequeno – 38 atletas – contemplando três senhoras na prova de maior distância. Confesso que vinha consultando a lista de inscrições nos últimos dias, procurando ver as últimas atualizações. Se se mantivessem as três inscrições femininas, teria apenas que garantir que chegaria ao fim para assumir o terceiro lugar. Depressa o “apenas” se converteu numa árdua tarefa – a prova não tinha sido desenhada para “maçaricas” como eu.
A partida foi anunciada e lá saímos em ritmo sereno. Era tão sereno que consegui correr lado-a-lado com o Luís Mota. Reformulo. Consegui correr dois metros lado-a-lado com esse super-herói-da-montanha.
Foi precisamente com a Aida, o Carlos e o David que percorri a primeira metade da prova. Raramente deixei a posição “último lugar”. Uma ou outra vez lá brincava com os três, adiantando-me um pouco, rindo e perguntando se porventura tínhamos ido a Vila de Rei para alguma caminhada!
Por várias vezes vi o Carlos parar e aguardar debaixo da sombra de uma árvore. Quando passava por ele, logo lhe ralhava, dizendo que devia seguir e que estava proibido de esperar por mim. Eu safar-me-ía seguindo as fitas laranja fluorescentes.
Rapidamente me apercebi que sou ótima a falhar percursos. Vou demasiado focada no solo. No tal cascalho, nas pedras e nas folhinhas. E lá me escapa uma fita laranja do mais fluorescente que há!
Lá seguimos, dois polícias, um perito de balística e uma safada (eu própria, pois não esqueço o que exclamou um também polícia em Sevilha, quando me viu correr de saia de sevilhana), serra acima, serra abaixo. Sempre adiante. Subindo. Descendo e… catrapum! Numa descida, escorrego e enrolo-me nas silvas. Alguns arranhões, um polegar que desata de imediato a inchar, duas ou três palavras menos dignas de uma senhora, mas perfeitamente adequadas a uma safada, e continuamos caminho.
Antes de atingirmos o Centro Geodésico de Portugal – sim, o meio, mesmo o meio de Portugal! – passamos por uma hortinha, onde uma “Dona Aparecida” rega as suas couves e alfaces. Abeirei-me da senhora e perguntei se me podia ajudar, facultando-me água para lavar o braço que ostentava uma mistura de terra e sangue. Pois bem. Não só me lavou o braço, como o esfregou. “Ai coitadinha da menina, o que lhe foram fazer”, exclamou a generosa senhora. Perdi a coragem de lhe dizer que eu própria tinha tratado de assegurar uma maldade daquelas!
E assim continuou a perseguição policial serra acima e serra abaixo. Uma estranha perseguição. Nesta história, a safada vai atrás dos dois polícias e do perito de balística e não ao contrário. É mesmo safada!

Grandes Horizontes

Seria injusta se não falasse da organização (Horizontes) em geral e dos abastecimentos em particular desde já.
Tudo decorreu efetivamente de forma extraordinária. O percurso. As marcações. A equipa de apoio que, sem exceção, acolheu os atletas de forma exemplar. A papinha estava deliciosa. Até creme protetor nos ofereceram! No abastecimento de Formosa, a menina (esqueci o nome, lamento) proibiu-me determinantemente de colocar o protetor solar “genérico” no rosto e foi buscar o seu à mala para me dar. Protetor solar exclusivo para rosto da Avène, vejam só!
A cereja no topo do bolo, corrijo, a azeitona no topo da tosta barrada com paté de atum foi divinal!
Os “ratos da cidade” precisam sem dúvida visitar os “ratos do campo” e aprender com quem percebe de cidadania!

O Centro Geodésico de Portugal

O Picoto da Milriça acolhe aquele que é o centro de Portugal. E que centro este, vos garanto! Para lá chegarmos, iniciamos uma subida que nos consome toda a energia. O calor forte já se faz sentir. Quando julgamos que nada pode piorar, defrontamo-nos com uma subida vertiginosa que se desenvolve sobre calhau. Naquele momento lembrei-me da fase final da subida a Marvão, confesso. Os “degraus” formados pela pedras são de tal forma desnivelados que nada mais merecem do que os meus protestos por ter duas pernas curtinhas.
Chegados lá acima, o cenário é, aí sim, de cortar a respiração. Geograficamente estou perdida, é certo, mas sei que devo avistar algures a minha adorada Serra da Lousã e, em dias limpos como o que se verificava, à distância de 100 km, a Serra da Estrela. Absolutamente lindo. Senti-me muito, mas mesmo muito pequenina naquela vastidão que os meus olhos alcançavam.

Entre as Trutas e o Penedo…

Nesta parte do percurso segue ainda junta a comitiva da PJ e a safada. Converso um pouquito com a Aida. O David lá vai protestando e brincando comigo, dizendo para me apressar pois já se vai fazendo tarde. Mas, na maior parte das vezes, seguimos calados. É ótimo também!
Avistamos água e calculamos que o Penedo não esteja longe. “Se o Penedo não está longe, a minha banhoca está por perto também”, penso.
Mas as gentes da Horizontes são da mesma escola das gentes de São Mamede. “Descubra a forma mais penosa e longa para chegar do ponto A ao ponto B”, é o lema das escolas de marcação de percursos de montanha. Já lhe estou a apanhar o jeito e um destes dias organizo eu uma brincadeira destas para me rir, sentada na poltrona, à custa das agruras dos atletas!
Depois de muito subir e também descer, estamos praticamente dentro de água, caminhando ao longo da barragem. Em equilíbrio lá vamos seguindo, entrando finalmente em solo firme, mas continuando acompanhados por água à nossa direita.
E eis que… o paraíso aparece defronte de mim! Uma linda piscina, com cascata incorporada. Não vou seguramente recusar o convite que me faz para me refrescar. Tiro os ténis e tiro as meias. Arrefeço um pouco as pernas enquanto lavo os ténis e depois… “Splash, a caracoleta!” (lembrar-se-ão do título da versão original, presumo). A caracoleta nadou, mergulhou, foi junto da cascata e aproveitou os benefícios daquela água gelada em cada tendãozinho do seu corpo. Quando apareceu o fotógrafo Pedro que nos havia apanhado um pouco mais atrás, tratei de confirmar que o Luís Mota chegaria rápido à meta mas não tinha usufruído de um banho assim! As minhas convicções estavam certas!

Do Penedo à Formosa

Chegamos ao abastecimento do Penedo, onde nos demoramos um pouco. Depois do banho refrescante, há que repor energias. A Aida e o David partem primeiro. Fico para trás com o Carlos. Reenergizados, seguimos caminho. Estamos a meio da prova. O sol aquece. Espera-nos uma grande aventura.
Aos 40 km olho para o garmin que marca 8h30 de prova. Sorrio, e recordo-me que foi o tempo que demorei a concluir os 50 km de Sesimbra em abril último. “Isto é duro, muito duro”, concordamos os dois. O garmin, esse, “morre” ali mesmo. Não falamos muito. Andamos, corremos, seguimos em frente, pois para a frente é o caminho!
Chegamos à Formosa e à sua Aldeia de Xisto. Que coisa linda! O abastecimento espera-nos no varandim de uma casinha catita. Delicio-me com a porta de madeira e o corrimão da escada, em ferro, o qual desenha corações. A casa pertence a alguém de Lisboa, que visitou a aldeia há uns anos atrás e se apaixonou pelo local. Não tenho dificuldades em perceber porquê.

A caminho da EN2 e sem saber se me deixam prosseguir até à meta

Continuo a alguns metros do Carlos, que teve a infelicidade de, literalmente, furar o pé logo na fase inicial da prova. Segue assim com algumas dores que o impossibilitam de correr como deseja.
A dado momento mandou-me seguir. Confesso que tinha ido a Vila de Rei para abraçar a Inês e Diogo na meta e, como tal, receava que com o adiantado da hora, me vedassem a continuação na prova no abastecimento seguinte.
Perguntei-lhe se estava bem e garantiu-me que sim. Carlos, obrigada, foste uma ótima lebre e companhia!
Segui.
Diante de mim surge agora uma longa e abrupta descida, com pinheiros alinhados que distam menos de dois metros entre si. O piso é constituído por casca e folhas de pinheiro, pinhas, e muitas outras coisas desconhecidas que vou pisando com cautela. A progressão é lenta. Aquele piso não me permite que o faça de outra forma.
Finalmente chego à base e a um estradão. Agora sim, desato a correr. Penso no Diogo e na Inês. Quero que vejam a mamã chegar à meta e receber a medalha de terceiro lugar. Apenas isso me move.
Rapidamente o estradão termina e inicio uma subida muito íngreme que me conduz ao cume de uma serra. À minha esquerda, um vale encaixado que se desenvolve ao longo de várias centenas de metros. Cenário lindo. E vejo o sol a descer.
Quando chego ao fim deste estradão, avisto o Paulo Garcia. Estou assim no abastecimento da EN2. “Não me vai deixar seguir, pois não?”, pergunto. O Paulo sorri e diz-me que vou continuar e que tenho 11 km pela frente. “Mas… não trouxe o frontal”, respondo. O Paulo assegura-me que já tratou disso e que no último abastecimento terei o que preciso à minha espera.
Ganho um novo ânimo, bebo aquele que penso ser o vigésimo copo de coca-cola do dia, atesto pela sexta vez o depósito de água do meu camelback e sigo caminho.

A caminho do fim

Faltam 11 km. “6 km até ao último abastecimento, sempre a descer”, havia dito o Paulo. “E depois serão 5 km a subir”, acrescentou. Truques, só truques. Desci durante algum tempo, sim, e em estradão como me havia assegurado. Mas também subi. E também me enrolei novamente em silvas. E passei ao lado de uma casa abandonada digna de um conto de fadas. E assim, 8 km depois, cheguei a Poios.
Último abastecimento, uma bifana e, claro, coca-cola. O Paulo está lá de novo e diz-me que o Carlos continua em prova. Sorrio. Dois dedos de conversa com alguns dos elementos da organização e prossigo na minha aventura.

E, uma vez mais, o sol a pôr-se

Uns metros adiante surge uma parede como nunca subi na vida. Não olho para trás porque poderá correr mal. Se os meus filhos algum dia fizerem algo semelhante, prefiro não saber.
Chegada ao topo atravesso mais um caminho digno de conto de fadas e passo pelo fotógrafo Pedro, que me tira mais um retrato. Há umas horas atrás, enquanto me refrescava perto de Penedo, deveria estar com melhores cores seguramente!
Ligo o frontal que me foi dado em Poios e sigo para os derradeiros kms. Quando dou por mim, já avisto Vila de Rei. Quando me apercebo já os meus pés pisam pedra de civilização. Estou quase e não foram 5 km como havia dito o Paulo. Foram menos, muito menos! Gostei desta estratégia para a gestão do esforço, confesso!

A meta

Contorno uma esquina e avisto o Diogo e a Inês a brincar junto da linha da meta. Solto um grito de alegria profundo.
Correm na minha direção, agarro nas suas mãozinhas e termino, “Oh Meu Deus”, se termino! Chega assim ao fim a minha aventura de 65 km e 13h40m, e conquisto assim o meu primeiro terceiro lugar!
Foi uma vitória à minha maneira, mas foi a minha vitória!
 


quinta-feira, 13 de junho de 2013

O Moinho, a caminho do Cabo da Roca


Com D. Inês Quixote e Sancho Diogo, no mais bonito moinho das redondezas deste retângulo à beira-mar plantado...



domingo, 19 de maio de 2013

Choveram estrelas em São Mamede

Choveram muitas, sim.
Choveram estrelas em forma de granizo.
E choveram estrelas em forma de gente, gente que cortou a meta dos 100 km depois de mais de 6.000 metros de desnível acumulado.
Foram mais de duas centenas os atletas que às 00 horas de dia 18 largaram ao som do tiro de partida, em busca de uma medalha de cortiça.
Destes 200, alinharam à partida 22 senhoras.
Umas eram craques, outras supersónicas, umas assim-assim e depois… depois havia eu: a caracoleta dos trilhos.


Como vim parar aqui?!

“100?! Nem pensar!”, disse eu quando terminei os 50 km de Sesimbra em abril. Passados três dias fiz o upgrade da inscrição nos 42 para os 100 km em São Mamede. Está visto que sou uma “miúda” carregada de fortes convicções.
Só podia naturalmente aventurar-me na estreia dos três dígitos com a garantia de que seria (bem) acompanhada. Joaquim Adelino e Luís Miguel… Escolta até aos 100 assegurada!
18 de maio. Chegou  o dia. Estou moderadamente tranquila durante toda a manhã e tarde. Depois das 21 horas instala-se a ansiedade. Eu que faço sempre muito barulho, sento-me encostadinha na parede do corredor do pavilhão de onde partiríamos daí a poucas horas. “Estás pálida, Susana”, dizem alguns amigos. Acho que sim, que estava. Medo! O que serão 100 km?! Na dúvida, o melhor é ir “espreitar” como é.


Começa a loucura

Noite escura. A única iluminação é a dos frontais de centenas de atletas que correm pela Serra de São Mamede dentro. Logo nos primeiros quilómetros da prova oiço os guizos das ovelhas. Penso na Inês e no Diogo e, instantaneamente, a cabeça começa a traulitar “havia um pastorinho, que andava a pastorar, saiu de sua casa e pôs-se a cantar (…)”. Esta canção infantil viria a ressurgir noutros pontos da prova, a cada vez que era confrontada com o chocalho de guizos. Felizmente, não tive o azar do meu amigo Pedro Quina, que se deparou com 150 cabras e o respetivo cão-pastor que lhe cortaram o caminho!

A subida às antenas e a chegada ao PAC 2

Passado o primeiro PAC (Posto de Abastecimento e Controlo, para quem não conhece a sigla), iniciava uma das mais temíveis subidas desta prova: a subida às antenas. Teríamos que vencer um desnível de cerca de 1.000 metros ao longo de 10 km. Senti que precisaria de um isotónico especial. Fui buscar o ipod – único momento da prova em que o fiz – e, já com as mãos geladas, ofereci-me o piano de Ludovico Einaudi.
Apesar de dura, confesso que foi das experiências mais emocionantes destes 100 km. Nem lua, nem estrelas para nos iluminar o caminho. A noite cerrada, o nevoeiro, o vento, a luz do frontal, eu e Einaudi. A cada vez que o Ludovico tocava uma tecla, eu espetava vigorosamente os bastões no solo. Foi um daqueles momentos a que podemos chamar de genial!
Depois de muito subir, chegamos finalmente ao ponto mais alto deste nosso Portugal a Sul do Tejo. No meu caso, 5h06m depois da partida. O frio e vento são terríficos e alguns atletas estão em dificuldade. Tento aquecer-me como posso e vou para junto de uma fogueirinha. Saí de lá a cheirar a borralho, mas quente.
Iniciamos depois um lindo trilho em “single track”, que se prolonga serra abaixo. Quando o termino, já tenho o aviso da manhã a querer nascer. Aquela luz que não se sabe muito bem se está o dia a começar ou a terminar. Aquele azulinho acizentado.


Low battery. Your system will shut down in 5 seconds.

São 7h22. Estou há mais de 7 horas a monte. Não dormi. Mordo um figo seco. Estou verdadeiramente a entrar em queda. Apercebendo-se disso, os companheiros de corrida, Joaquim e Luís, falam comigo, mas eu já nem respondo. Limito-me a esboçar sorrisos. Continuo a correr mas já não estou ali. Avisto a Barragem da Apartadura. Esforço-me para contemplar a sua beleza. “E se desse um mergulho?”, penso. Teria acordado, isso é certo. Só mais um pouco e chego ao PAC 4. “Café?”, pergunta um dos elementos da organização. “Triplo”, respondo. Não sei o que tinha aquele café. Não sei se era triplo. Mas aquele café ressuscitou-me. Voltou a Susana.

Chegar a Marvão

Depois da meia bifana no PAC 5 (Porto de Espada) começa mais uma subida. Lá em cima, olhamos para a direita e vemos Marvão ao fundo. Lindo Marvão. Rapidamente deixou de o ser! Tão perto, mas tão longe. Ziguezagueamos, subimos, descemos. Subimos de novo. Contornamos o monte que eleva Marvão e voltamos a descer. Para depois o subir. Senhores organizadores… Irei descobrir quem desenhou este troço do percurso, saber onde mora, descobrir a sua viatura, furar-lhe os 4 pneus e desenhar um “S” de “Susana” no “capot”. Talvez seja presa por isso, mas será um delito praticado com muita convicção!
Enfim, talvez lhes perdoe, porque depois do pesadelo da subida, entro finalmente em Marvão, recebo 100 sorrisos de vários membros da organização (curiosamente, quando os questiono, nenhum é responsável pelo desenho do percurso) e uma sopinha que me aconchegou o estômago que, há muito, reclamava por algo mais do que figos secos.
É também em Marvão que agarro pela primeira vez no telemóvel. A alegria era tanta que anunciei a chegada aos 60 na minha página pessoal do FB. Desconhecia o que me esperava, mas assegurei que chegaria ao fim. Achava eu que a subida a Marvão seria a maior provação do desafio! Nesta altura apercebo-me, também, do reboliço que vai no meu mural. Dezenas de amigos acompanhavam-me a par e passo e “gritavam” palavras de incentivo. Não esquecerei estes gestos. Poderia esquecer Marvão, mas isto não.


A caminho do km 70

Deixamos Marvão. Para além da sopinha, aproveitei também para mudar de vestido. Retirei o equipamento estilo “casual” e adotei o estilo “cerimónia”. 60 quilómetros já estão, mas se ainda tenho 40 pela frente, tenho mesmo que usar o equipamento da Frostie. Tenho que descobrir a Anna Frost que há em mim. Pode ser ilusão minha, é certo, mas aquele equipamento dá-me outro ânimo.
Passamos Portagem e, uma vez mais, perco-me em pensamentos com a Inês e Diogo. Há um ano atrás, um pouco menos, andavam ali a saltar para dentro da piscina fluvial. Mergulho, sai, mergulho, sai. Não sei se lá consigo voltar tão cedo. Marvão fica mesmo acima!
Deparo-me com a “minha” estrada. Adoro aquela estrada. Ladeada de árvores de ambos os lados, com os troncos pintados. Infelizmente, só gozo metade da sua extensão. Esta gente não quer nada com alcatrão e rapidamente nos põe a correr em cima de pedra. Toca a voltar para a esquerda! Esperam-nos mais umas subidinhas. E granizo, muito granizo.
No final de mais uma subida, olho para trás. Lá muito ao fundo, a serra com as antenas ao topo. Estive lá há algumas horas atrás. Em frente, Marvão, que acabei de subir 34 vezes. “O que me espera agora?!”, penso.


Chovem almôndegas em Portalegre

Não eram almôndegas, mas era granizo do tamanho de almôndegas. Batem-me nas pernas, agora descobertas com o equipamento Frostie. Reclamo com toda a energia que ainda me resta, mas São Pedro não me dá ouvidos. Felizmente estamos a poucos quilómetros do PAC seguinte – Carreiras. Ao chegarmos, abrigamo-nos debaixo da tenda. Vários atletas chegam, entretanto, e dizem que ficam por ali. “Como é a nossa vida?”, pergunto ao Joaquim e Luis. “Continuamos, claro, foi para isso que aqui viemos”, responde convictamente o Luís. Se estivesse só na prova, tenho a certeza que teria ficado por ali. Não teria tido forças para continuar.
E seguimos rumo a
Castelo de Vide.

O sol espreita mas… granizo de novo!

Estou gelada mas, finalmente, a chuva parou e o sol espreita. Tento correr um pouco mais e consigo secar o equipamento. Continua o sobe e desce. E vem uma nuvem. Uma nuvem carregada de pedras. Desaba novamente uma chuva de granizo sobre nós e corro como se não houvesse amanhã. Corro e choro, confesso. Estava desesperada. Ainda faltava tanto! Não conseguiria suportar o resto se São Pedro continuasse a despejar almôndegas em cima de mim.
Pela primeira vez agasalho-me com a manta de sobrevivência. Seria a única forma de me aquecer. Bebo um chá a escaldar no PAC 8, Castelo de Vide. Está quase. Vamos lá para o quase que falta.


Lama não foi muita, até que...

Apesar da chuva intensa dos últimos dias, São Mamede não nos ofereceu muita lama. Depois de um longo estradão em terra batida, em que me debatia com as pernas porque se recusavam a correr num terreno perfeito para o fazer, surge um desvio para a esquerda. Avanço seguindo as marcações. O terreno parecia sequinho. Mas não estava. Enterro um sapato. Para o conseguir tirar, enterro o outro. Saí de lá (calçada, felizmente) com 2 kg de lama em cada pé. Precisaria de correr outros 100 km para soltar a lama que ficou agarrada aos ténis. A lavagem é também uma boa opção!

Ermida da Penha, 95 km

Já está quase, mas apetece-me ficar sentada por aqui. Quanta simpatia com que somos recebidos! Que animação! Sugeriram que bebesse uma cerveja. Eu até teria bebido e esquecido que odeio cevada fermentada, mas estou certa que cairia redonda no chão e teriam que me carregar até à meta. Confesso que naquele momento cheguei a pensar que era uma boa solução para o problema que ainda tinha pela frente… 5 kms. E o sol a pôr-se.
Deixei os elementos da organização com tristeza e… e desci como pude os 236 degraus que me apareceram pela frente. Engraçadinhos, muito engraçadinhos estes organizadores. Reitero a história do “S” no “capot” que escrevi acima. Mas a malandragem não terminava aí. O lema desta prova é seguramente  ”descubra a forma mais longa e penosa para chegar do ponto A ao ponto B”. O estádio ali tão perto, mas… ziguezagueamos sem fim e perco o norte.


100 km, que são 102 ou 103 km

O meu Garmin perdeu o pio há muito. Não sei quantos quilómetros levo ao certo, mas já vejo os holofotes no estádio. Sim, o sol já se pôs. Teria gostado de chegar antes de desaparecer. Quem sabe da próxima vez!
Entramos no estádio – eu e o Luís, pois o Joaquim teve que terminar aos 90 km com fortes dores – e sorrio. Faço a festa e respiro profundamente. Terminou. Consegui.


O balanço

Estive 21h30 por entre vales e montes para completar os meus primeiros 100 km. Teria gostado de ter conseguido correr mais. Caminhei muito, muito mesmo. Subi, desci. Sorri, chorei. Acreditei, mas também pensei que não conseguiria. Quis deixar cair o corpo nos bancos dos PACs e deixar-me ficar por ali. Mas quis mais voltar a correr. Tive frio. Nunca tive calor. Tive sono. Senti genica. Quando anunciaram a vencedora feminina do UTSM – Júlia Conceição – eu estava algures entre o km 60 e o 70. Levaria ainda mais 8 horas para os terminar. Fico absolutamente maravilhada com estas atletas. Completar aqueles 100 km em 13h20 é para gente de outro planeta!

Day after

Deixámos Portalegre para trás. “Com tanta terra aqui a direito foram espetar connosco lá no meio da serra”, diz o Joaquim Adelino. Gargalhada geral.
Chego a casa com duas medalhas. Tive que fazer um choradinho junto da meta para trazer duas. Desta vez tinha que pôr uma ao pescoço da Inês e outra ao pescoço do Diogo. Não havia espaço para partilhas. À minha espera estão vários desenhos. Um deles, da autoria da Inês, mostra uma mamã corredora. “A minha mãe correu 100 km”, escreveu ela.