sábado, 26 de janeiro de 2013

Primeiro encontro com os Abutres



Esta foto poderia chamar-se "pus o pé no sítio errado". Mas não. Se assim fosse, a Serra da Lousã hoje teria estado repleta de sítios errados. Dentro da cabeça permanecem os sons da serra e o "chlop chlop" que me acompanhou ao longo de mais de 5 horas.
Miranda do Corvo é muito bonita. Eu que o diga, que palmilhei entusiasticamente 3 km adicionais no final da prova, porque falhei a marcação do per
curso. Só mesmo alguém como eu para conseguir fazer 21 km na Serra da Lousã sem me perder e chegar à vila para conseguir tal feito. De toda a forma, a falha foi mesmo minha e não da organização dos Trilhos dos Abutres que, em todos os aspetos, esteve ao mais alto nível. De resto, as marcações eram tantas que nem um míope com 20 dioptrias conseguiria perder-se.
Quanto à serra, por mais que procure, não encontro as palavras à altura de cada momento que vivi. As chuvadas dos últimos dias deram origem a cascatas de tirar o fôlego. A terra, essa, faria as delícias dos gabinetes de estética com as suas propriedades reparadoras e terapêuticas. Por falar em propriedades terapêuticas, sabem lá o bem que fez a água gelada no meu tensor. De cada vez que surgia um novo riacho, lá mergulhava eu a perna um pouco mais para a acordar. Em várias ocasiões evoluí de ser bípede para quadrúpede. Os "trilheiros" dos 45 km surgiram no final da minha prova. Tentei seguir-lhes no encalço. A tentativa não durou mais do que 15 segundos. Corri quando pude. Quando não pude correr, andei. Gostei muitíssimo e fica a garantia que voltarei. Uma nota especial para os atletas que palmilharam aquela serra durante 45 km. Alguns estiveram a monte mais do que 10 horas. Os primeiros terminaram os 45 antes de eu finalizar a minha missão. São uns valentes. Ainda bem que tive a sensatez de desistir da ultra distância e fazer a prova de 23 km (26 km, no meu caso!). Não a teria terminado e a Serra da Lousã teria ganho uma nova espécie decenária - eu própria!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Inês e Trilhos dos Abutres

A minha filha Inês tem 7 anos. Gosto desmesuradamente da Inês. Quem não conhece as gargalhadas da Inês não sabe o que perde. Conseguiriam fazer gargalhar a mais triste das almas deste planeta.
Diz quem me conheceu em pequena que a Inês é um clone da mãe. Eu própria o verifico nas fotos de ambas. E lembro-me de mim assim. Como a vejo. Mas não sou daquelas mães que quer ver a filha crescer à sua semelhança. Nada disso. Quero que seja ela própria, o melhor que souber. Pode ser antropóloga, professora, economista, o que quiser. Neste mundo de incertezas, é cada vez mais difícil prever onde estará o melhor futuro.
A Inês chama-se Inês porque eu não tive a mesma sorte. Era o nome escolhido pela minha mãe quando soube que esperava uma menina. No entanto, uma prima da minha mãe antecipou-se e teve a sua bebé primeiro, a quem chamou Inês. Grande azar o meu. Para mim sobrou o nome "Susana". Teria adorado ser Inês.
Ontem, quando questionada pela catequista quanto à profissão da mãe, a Inês terá respondido "atleta". Reconheço que para além de trabalhar no Aeroporto de Lisboa, faço muitas outras coisas. Mas "atleta" não faz parte da minha lista de valências. Adoro correr, é certo. Mas não sou atleta. Atleta, diz-nos o dicionário, é o "profissional dos desportos (preferencialmente atléticos) e das atividades físicas". Onde encaixo aqui? Em lado nenhum. Logo, não sou atleta. De toda a forma, longe de mim contrariar a Inês nesta fase. Vê-me sair para correr, vê-me chegar a casa com medalhas (participação, claro) e ouve meio mundo dirigir-se à mamã dizendo "então atleta, essas corridas?".
Hoje entrou no carro depois da escola dizendo que já tinha feito os trabalhos de casa. Uma composição cujo tema era "a minha profissão preferida". "E que profissão escolheste tu, Inês?", perguntei. A resposta... "Atleta". Ri-me, claro está. Entretanto, já em casa, fui buscar o caderno. O objetivo era verificar eventuais erros ortográficos e alertar a Inês para o facto. E, claro, procurar saber os motivos que levavam a Inês a escolher a profissão que pensa ser a da mãe. Sorri. Espero que a Inês não me leve a mal a inconfidência, mas vou partilhar algumas das suas palavras. "(...) E assim apareço nos jornais e na televisão. E se for a primeira ganho uma medalha. E assim batem palmas. (...) E se eu ganhar o campeonato posso ficar campeã. Posso falar ao microfone. E se eu ganhar flores? (...)". Depressa concluí que a Inês não será uma atleta no futuro. Tenho aqui uma artista!
Daqui a 4 dias parto uma vez mais para a Serra da Lousã. Tenho um assunto a resolver com a serra, que ficou pendente em novembro último, quando fiz os meus primeiros 30 km de trilhos à séria. Ao contrário do que desejava, não me estrearei na mítica distância, a ultra. Para quem não sabe, qualquer distância superior a 42.195 m. A minha condição física obrigou-me a fazer "downgrade" para os 23 km. Adicionalmente, pasmem-se, tive medo da ultra. Comecei a ouvir falar de mantas de sobrevivência, apitos, neve, gelo e coisas que tais e estremeci. Não tenho correntes para colocar nos ténis. Nos 23 km não subirei tanto. E terei tempo para o meu esperado "tête-a-tête" com aquela magnífica serra.

E porque falo dos Trilhos dos Abutres? Porque sei que a Inês vai adorar rever-me aquando do meu regresso. A Inês perdeu recentemente os dois incisivos centrais de leite, Quem sabe fiquemos ainda mais parecidas!