sábado, 15 de novembro de 2014

"Truz, truz, cheguei", disse o 39




Acho que já vos tinha dito. Gosto de fazer anos. É sinal que estou viva.

Gostava de fazer anos quando eram só 7 e convidava para a festa de aniversário 2/3 dos meninos da Base Aérea nº 4, nas Lajes, onde vivi quando era criança. Gostei de fazer 10 anos porque cheguei aos 2 dígitos. Gostei de fazer 12 porque pude começar a assistir a quase todos os filmes nas salas de cinema. Gostei de fazer 16 porque assim já poderia conduzir a vespa 50 CC que nunca tive. Gostei de completar 18 anos porque atingi a maioridade (e ganhei uma carta do meu pai debaixo da almofada). Gostei de fazer 25 porque representava um quarto de século. Gostei de fazer 33 porque gosto do algarismo 3 e consegui dois de uma vez. Em suma, sempre consegui encontrar encanto em todas as idades que por mim foram passando.

Tenho uma teoria. Desenvolvi-a nos últimos dias. Para ser mais precisa, ocorreu-me no duche, enquanto o jato de água me despertava de um sono de 7 horas, povoado de sonhos turbulentos. Se hoje completo 39 anos, então a vida começa hoje (depois das 10:30, hora em que nasci) e não no ano que vem.

Passo a explicar.

Todos dizem que a vida começa aos 40. Errado. A vida começa quando completamos 39 anos de existência e entramos no quadragésimo. Completando 39, concluo que já entrei nos 40 e, portanto, a vida começa agora. Hoje mesmo.

Mas então, se assim é, sou obrigada a concordar com a Mafaldinha (sim, a do cartoonista Quino) - se começa agora, porque raio vim a este mundo tantos anos antes? Será que a vida só agora começa? Só agora é que vai ser a valer? Não sei o que me reservará a vida que não me tenha oferecido ainda nestes 39 anos que já passaram.

Nem sempre foi bom, mas foi precisamente por não ter sido sempre bom que soube valorizar quando o foi. Não mudaria nada do que vivi. As alegrias e as tristezas. As conquistas e os fracassos. As certezas e os enganos. As opções tomadas e as não opções, mas resoluções que outros tomaram por mim. Os caminhos desbravados e os caminhos a direito, sem obstáculos. Não mudaria nada. Até a vespa 50 CC que nunca tive. Ainda bem que o meu pai não o permitiu. Também não será o tipo de presente que pretenda oferecer aos meus filhos.

O segredo do meu "sucesso"? Depender de muita coisa para fazer por ser feliz. Sim, muita coisa mesmo.

A família. É com parte dela que escolhi estar neste dia 16 de novembro, a 229 km de casa. A minha querida família. Desde sempre comigo. E para sempre, sei-o bem.

Os amigos. Os com quem joguei ao mata na noites de verão na Serra Algarvia. Os que cresceram com a "canina" no colégio. Os que vieram mais tarde e com quem partilhei os momentos mais desafiantes da vida escolar - os integrais triplos e a transferência de energia e massa no IST. Os com quem partilho o gosto pelos aviões e aeroportos. Os que encontrei por aí, porque a vida assim determinou. E os mais recentes, que partilham o gosto pela corrida.

A corrida. Sim, é verdade. Faz-me feliz e creio que já tinham desconfiado. Trouxe-me muita coisa boa. E levou-me a outras melhores ainda.

O polvo à lagareiro da Zé. O risotto do Di Casa. O cheesecake da Sofia. Os croissants d'A Padaria Portuguesa. O tinto. As framboesas.

Os romances no papel. As gerberas. Os vestidos.

A música. Que bom poder ouvir a M80 e vibrar com temas como "Boys of Summer" ou "Karla with a K". Não vibraria se não contasse já com estes 39 que carrego comigo.

Não me importo de envelhecer. O único problema em "crescer" é que há pessoas que nos levam algum avanço e que crescem também. E não queremos que "cresçam" mais porque, se assim for, terão que nos deixar mais tarde. Mas eles partem e nós também. E fica a saudade. A saudade e a lembrança. E recordar é viver, pelo que continuam vivos. Mesmo que apenas através da lembrança. Ou na moldura lá em casa. Ou na imagem que temos de nós próprios ao volante do primeiro automóvel que conduzimos e que os avós nos presentearam com um laço no capot. Ainda hoje me lembro daquele dia de Natal, em que acordei ainda antes das 8 da manhã e desci para a rua para sintonizar a Rádio Cidade no meu VW Polo azul. O que me levaria a tantos sítios depois. A minha liberdade. Curiosamente, alguns anos mais tarde, viria a descobrir que me bastam duas pernas para dela poder usufruir.

Queridos 39 anos, estes. Agora, para ser perfeito, falta apenas a carta debaixo da almofada do meu pai com os ensinamentos e as recomendações para os próximos 30 anos. Quem sabe lá apareça esta noite.