segunda-feira, 15 de abril de 2013

Trilhos em Sesimbra cheiram a maresia e alfazema

Ontem a Susana obteve o melhor tempo no III Ultra Trail de Sesimbra! Afinal, afinal… afinal não era eu.
Começo este texto por felicitar a Susana Simões, a primeira senhora a passar a meta do Ultra Trail de Sesimbra, em 5h36m! 50 km de verdadeira montanha russa neste tempo recorde não é para todos. E houve mais gente do tipo “supersónico” -  dezenas de atletas masculinos e femininos cujos tempos afixados na lista de classificações me deixaram de queixo caído. Mas deixemos as vedetas ultra-planetárias do trail running e regressemos ao mundo dos modestos terráqueos como eu.

Um ano depois tinha que lá voltar

Foi há precisamente um ano que fiz a minha primeira prova fora de estrada, em Sesimbra. Na altura, aventurei-me na distância mais curta, que totalizava 23 km. Esta experiência foi de tal forma inspiradora que foi aqui que decidi que correria a minha primeira maratona. E assim aconteceu. Em outubro lá rumei eu a Amesterdão para cumprir a minha primeira missão 42.
Se há um ano Sesimbra foi palco para tomada de uma importante resolução, ontem foi resultado da tomada de uma ainda mais importante decisão, assumida no início de março – iria correr a minha distância mais longa.
Porquê? Porque sim. Porque simplesmente queria saber como é.
Confesso que foi uma semana particularmente turbulenta. Emocionalmente falando. Desconhecia o mundo para lá dos 42.195 metros. Adicionalmente, esta ultra-distância tinha a particularidade de somar cerca de 3.000 de desnível acumulado, pelo que seria também a minha experiência mais ondulada na corrida.
O despertador tocou às 4h30. O corpo desta vez não resistiu. Depois da ansiedade ao rubro no dia anterior, tinha mesmo que ir correr e fazê-lo tão depressa e bem quanto possível.

7 da manhã, aqui vamos nós!

A partida aconteceu às 7 da manhã em ponto, ainda o sol se espreguiçava. Já familiarizada com a primeira parte do percurso, segui calmamente com o habitual grupo de amigos das corridas e mais uns quantos atletas. Corremos em passada verdadeiramente calma, pois, quando demos conta, éramos efetivamente os “carros-vassoura”. Preocupados com isso? Nem um minuto. Corrijo, nem um metro.
Começa a subida em estradão de areia que já conhecia e depois… A descida paradisíaca até à Praia do Cavalo. Trilhos em single track, carregadinhos de pedras e arbustos que acarinhavam as minhas pernas, ontem livres de meias de compressão. Vivo melhor com arranhões nas pernas do que com calor, confesso.
Entre descidas e subidas, alguns participantes vão perguntando “isto é que é uma prova rolante?” e sorrio. Acreditem ou não, é mesmo rolante. Naquele momento foi a prova das Rolling Stones, ou como dizem os nossos hermanos espanhóis, piedras rolantes. Melhor que a designação “piedras rolantes” só mesmo a de um atleta que seguia uns metros atrás de mim, que exclamou “parecem berlindes!”. Aquela descida merecia ser filmada. Estou certa que encheria as salas de cinema com a melhor comédia do ano.

The wall

E, como tudo o que desce, sobe, diante de nós surge o primeiro muro da prova. Ainda não descarreguei a corrida do meu garmin, pelo que não sei precisar o declive da subida. Só não se torna assustador porque é extraordinariamente bonito. Sobe, sobe, sobe. Inspira e expira. Continua a subir. E sobe, sobe. Chegados ao topo, suspiramos e, voltando-nos para trás, deparamo-nos com um daqueles cenários idílicos, que vemos apenas naquelas fotografias perfeitas carregadinhas de retoques de Photoshop, que julgamos ser algures na Nova Zelândia. É lindo e é nosso!
Novo fôlego, agora para correr em terra salpicada de pedras, mas que permite ganhar alguma velocidade. Cerca do km 7, desvio para a esquerda e, aí sim, conheço o novo percurso. O dos 50. A partir de agora teremos cerca de 30 km praticamente sempre junto à linha de costa. Entretanto o Pedro e Ricardo já se haviam distanciado e fico para trás com outros atletas e com o Luís a marcar o ritmo. Já sei que não vale a pena insistir para seguir caminho. Decidiu que me ajudaria a completar os 50. Eu que detesto ser “empata” e protesto sempre mandando seguir os amigos, desta vez nem refilo. Tenho ainda 43 km pela frente e o Luís garantirá que me mantenho acordada e não esmoreço. Se não conhecem o Luís, digo-vos. Tem histórias para contar durante 8 horas!
O mar à esquerda e… Alfazemas. Ui, que cheirinho! Alfazemas aos molhos! Da próxima vez ficarei por lá uma tarde inteira a encher saquinhos de cheiro.

Isto é tudo nosso?

Já ontem escrevi e hoje mais sentido ganham as palavras depois de uma noite de descanso. Se houvesse uma lista “best of” dos percursos de trilhos em Portugal, o percurso Sesimbra-Praia do Meco ocuparia seguramente os lugares cimeiros. Falésias, arribas e um mar como não há igual. Um cheiro como não há igual. Maravilhosa a chegada ao Cabo Espichel. Descidas abruptas para as subir de seguida no lado oposto. Algumas são impróprias para quem sofre de vertigens. Felizmente, estou imune. Deve ser genético. O meu pai andou a dar piruetas no ar nos Asas de Portugal, pelo que devo achar que tenho asas que me acudirão se algo correr menos bem.
Faltam-me as palavras certas para descrever com a devida justiça e exatidão aquilo que os meus olhos viram. Uns estiveram lá. Outros decerto já terão visto algumas fotos de amigos do percurso de ontem. Ou até talvez já por lá tenham caminhado ou pedalado.  É de cortar a respiração.
O sol entretanto já vai alto e o calor aperta. À esquerda o mar continua a acompanhar-me, oferecendo-me a maresia e umas ondas gigantes onde só apetece mergulhar. “Este ano o percurso alterou e já não desce às areias da Praia do Meco”, disseram-me na partida. “Hummmmm, então se não tem areia, o que é isto?”, penso eu. Pela frente temos cerca de 5 km de areia. Fofa e fresca! Os sapatos enterram-se e lutam para sair. As pernas já vão cansadas. Não desistimos. Alguns atletas sentam-se a contemplar o mar. Outros andam. E quem pode, corre. Os quilómetros acumulados e o calor já não permitem grandes raciocínios, mas sei que chegámos à Praia do Meco porque avisto um nudista a tocar guitarra!
Com 1 kg de areia em cada pé, descemos até à praia. E que descida esta. Estou certa que conhecerão as célebres mega-dunas do Meco. Descer as mesmas de ténis e a correr é das experiências mais divertidas que experimentei nos últimos tempos. Da próxima vez que for à praia, acompanho a Inês e o Diogo nas suas brincadeiras.
Passamos à frente do Bar do Peixe e já muitos almoçam na esplanada. Sonho com sangria e amêijoas à Bulhão Pato. Peixe grelhado escalado e uma salada de tomate carregadinha de orégãos. O Luís exclama “vá, vamos embora, tenho aqui uma sandwiche de presunto”. Encolho os ombros e sigo caminho. Certo é que essa sandwiche viria a reverlar-se vital uns quilómetros adiante e a ter o gosto de robalo de mar grelhado, regado com sumo de limão.
Mais à frente a sombra de uma centenária oliveira serve de abrigo. Sento-me para tirar a areia dos pés. “Será que me conseguirei levantar depois?”, penso. Arrisco. Faço-o tão rápido quanto possível, para que o corpo não cole ao chão. “Depois disto, dou por terminados os meus treinos em areia para a UMA em julho”, digo em tom de brincadeira. E, uma vez mais, seguimos caminho.

Depois das falésias e da areia, o resto!

A partir de agora, o percurso segue rumo ao interior. Umas vezes mais arenoso, outras mais compacto, vai-nos oferecendo a sombra dos pinheiros e algumas subidinhas ligeiras, que 32 km depois parecem rampas a 45%. Vejo azedas, mas desta vez nem me agacho para as apanhar. Os joelhos cederiam!
Os meus olhos já só veem as fitas de marcação. O Luís fala para que não esmoreça. Fala de triliões de pessoas que não conheço, diz os nomes de todos e fala, fala, fala. Se me perguntarem hoje sobre o que falou, não sei responder. Acho que já não estava ali.
43 km  e chegamos à pedreira. A pedreira que, por algum motivo que desconheço, mexe comigo sobremaneira. Aquele cenário árido e branco transporta-me até um planeta distante. Este ano não foi palco para tomada de nenhuma decisão importante. No que a corridas diz respeito, o calendário desportivo está definido há muito!
Está quase, mas ainda falta a subida ao Castelo de Sesimbra! E essa já eu conheço do percurso dos 23 km em 2012. Subimos, subimos e subimos mais um pouco. Ao topo, os elementos da organização fazem a festa! Bebo um copo carregadinho de coca-cola e inicio a descida. Quero chegar à meta!

A correria para a meta

A descida é feita com rapidez. Não sei de onde saiu a energia para o fazer, mas deveria estar de reserva num qualquer cantinho do meu corpo. Ultrapassamos alguns atletas e, chegados à estrada que nos conduzirá à meta, os pés ganham vida própria. Em velocidade (5’20’’ para o último km depois de 49 km a correr), ziguezagueamos por entre as centenas de pessoas que passeiam pelo passadiço. Vejo o amigo Rui Pedro a passear e solto um grito estridente de alegria. Ouviu-se 20 km lá atrás, na Praia do Meco, estou certa.
8h29m52s, 52,14 km e 2.806 metros de sobe e desce depois… A meta!
O sorriso que me acompanha ao chegar à meta é do tipo “desmesurado”. Telefono à família para os tranquilizar. Descalço-me e… atiro-me ao mar, para o primeiro banho do ano e aquele que julgo ter sido dos mais saborosos nos últimos 37 anos.

Ultra?! Ultra-caracoleta, isso sim!

Foi duro, delicioso e repetirei. Não gosto muito dessa história da ultra. Se insistirem na ultra, então ultra-caracoleta estará perfeito. E sinto-me bem assim.
É este o meu ritmo. Corro como sei, como posso e como gosto. No meu íntimo subi ao pódio. Cheguei ao fim!

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