segunda-feira, 8 de abril de 2013

Trilhos, batuques e gerberas em Almourol

Passei a semana a sonhar que domingo chegasse. Agora dou comigo a desejar que não tivesse terminado. Se dúvidas ainda tivesse quanto à minha opção de privilegiar a terra relativamente ao asfalto, hoje tê-las-ia dissipado nos Trilhos do Almourol. Está confirmado. É isto que quero e não quero outra coisa.
O destino desta manhã chamava-se “Curva do Rio”. Embora existam opiniões divergentes, pensa-se que o topónimo “Almourol” tenha origem na palavra celta “moraul”, que significa “curva do rio”, com o prefixo árabe “al”. Curva ou contracurva, foi lindo. Parafraseando o José Brito, um dos organizadores da prova, foi realmente do camandro, do catano e do caneco!

O despertador

5:00 da manhã. A 240 km de distância – uma Marathon des Sables, portanto – oiço um despertador. O sono era tão profundo que assim soava verdadeiramente. “Este despertador não é meu”, pensei. Mas efetivamente era. Aquela doce melodia tocava, dizendo-me que estava na altura de deixar para trás o edredon. Já me deitei ocasionalmente às 5:00 da manhã. Confesso que não me recordo de acordar tão cedo. Menos ainda com o objetivo de ir correr. Ainda meio acabrunhada, lá saí, rumo ao ponto de encontro em Lisboa onde me juntaria a um grupo alargado de amigos atletas com o mesmo fado que eu.

A partida

Primeiro passo – o levantamento dos dorsais. Assim que recebi o meu saquinho e espreitei o conteúdo, pensei “isto só pode correr bem”. O detalhe. Se há cuidado nos pequenos detalhes, tudo o resto só poderá estar perfeito. Pois bem. O dorsal lá vinha com os dois furinhos feitos, pronto a ser colocado no porta-dorsal. Este pormenor é tão mais importante quando se está a estrear orgulhosamente o equipamento novo, que dispensa furos de alfinetes!
Seguiu-se a viagem de autocarro até Constância para quem correria os 25 km, que afinal foram apenas 24. Na partida, aprontam-se cerca de 300 atletas. Curiosamente nos 42 km aventuraram-se quase 400. Ganham fundamento as palavritas que escrevi há dias e começo a descobrir a resposta para a questão “se correr 10 km é muito bom correr 100 km será 10 vezes melhor?”.
Pequeno aquecimento antes da partida, por insistência do Ricardo e Verónica. “Vou correr 25 km, tenho muito tempo para aquecer”, resmungo eu. Olho para o lado. “Pigeon pose”! É tão bom vermos os nossos “credos” confirmados! Um atleta aquece fazendo a minha tão querida posição do pombo, perfeita para trabalhar a abertura de ancas. Segue-se o “down facing dog” e sinto-me tentada a ir corrigir a postura das costas. Fiquei sossegadinha a observar, claro.

A largada e a fugida

Para os três – Ricardo, Susana e Verónica – começam 24 maravilhosos quilómetros. O Luís e a Rita também estão por perto para ajudar à festa.
Ora empedrado, ora cascalho. Ora terra seca, ora lama. Ora sobe, ora desce. Ora perto de água, ora longe dela, mas perto de campos pontuados de flores. “Hummmm, cheira bem!”, penso. De resto, eu diria que a Primavera terá chegado hoje a Almourol. Penso que terei ingerido mais de meia dúzia de mosquitos ou qualquer bichinho do género. É o que dá falar demais. Mas porquê preocupar-me? “É proteína, Susana, é proteína!”, convenço-me.
Adorei correr ao longo da linha de comboio. Se tivesse aparecido algum, teria corrido atrás da última carruagem, tal qual filme de aventura. A dado momento oiço gritos, aplausos e batuques. Estamos quase a chegar ao castelo. “Mas, o que se passa?”, pergunto. Ecos, muitos ecos. Um quilómetro adiante iria perceber. Passamos pelo interior do Convento do Loreto e lá dentro esperam-nos várias dezenas de jovens que tocam e fazem malabarismos. Quanto entusiasmo! Venho mais tarde a saber que se tratam dos MOVIRITMO, da Escola Luís de Camões em Constância. Um pouco depois, o abastecimento com líquidos e sólidos, onde não faltam as tostinhas com mel de que tanto gosto. Demoro-me um pouco por lá, claro está.
Bem docinhos, seguimos caminho. Espera-nos lama e cascalho. Mais subidas e descidas. Ainda assim, não me recordo de correr tanto numa prova desta natureza. Geralmente sou obrigada a caminhar com mais frequência. Aqui posso correr. E como gosto de correr! Chegam uns singles tracks onduladinhos e sorrio. “Adoro isto”, digo à Verónica. Entretanto começamos a cruzar-nos com os caminheiros. A organização dos Trilhos do Almourol não criou a categoria “equipa simpatia” na lista dos premiados. Devia tê-lo feito. Os 225 caminheiros ganhariam com distinção!

Uma meta com um presente especial

E assim chegámos à meta. Tal como começámos. O Ricardo, a Susana e a Verónica. O Ricardo foi um autêntico instrutor e estou certa que saímos de Almourol umas profissionais dos trilhos. A Verónica foi uma verdadeira valente que, correndo lesionada e estreando-se nos trilhos, subiu ao pódio para receber o prémio de 3.º lugar na sua categoria. Já eu… Bem, ainda não encontrei a Anna Frost que há em mim, mas continuarei a tentar!
Se começaram bem, os Trilhos do Almourol fecharam ainda melhor. Gerberas! Como adivinharam que é a minha flor preferida? Gerberas para as senhoras atletas! Uma gerbera cor-de-laranja para a Susana para fazer pandã com o equipamento. Se é para ser pirosa, há que assumi-lo com naturalidade até ao final.
Pela primeira vez cheguei antes do outro elemento do recém-criado grupo de amigos +Kms – o Pedro. De resto, até cheguei antes dos três simpáticos georunners papa-léguas e do Luís, a quem todos chamam tigre. Também cheguei antes do Iosif e fiz pirraça, claro. Não me interessa que tenham galgado 42 km. Cheguei primeiro e estava de banho tomado!

O descanso (posso acrescentar “da guerreirinhazinha”?)

Há dias, a amiga Gília das corridas partilhava o seu estado, depois de mais uma corridinha à beira do Tejo: “cansada, mas feliz”.
Pois bem, é como me sinto.
Com a certeza também que voltarei em 2014… Para a versão 42 dos Trilhos do Almourol!
Mas agora… Agora descanso, para voltar para a semana com a partilha daquilo que espero ser um ultra-relato. Façam figas.
Desejos de ótima semana!

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