sexta-feira, 22 de março de 2013

Atleta solitário

De cada vez que oiço o “Surfista Solitário” do Gabriel, o Pensador, os pensamentos fogem para a minha green, há tanto tempo encostada na parede da arrecadação e a precisar de sal. Na realidade, não sei quem precisa mais de água salgada – se a prancha, se eu.
Oiço o “Surfista Solitário” e penso também como a letra, devidamente adaptada, poderia constituir o hino dos triliões de corredores que por aí andam. Corrijo, correm. Corredores solitários. Aquilo que sou na maioria das vezes e, confesso, gosto verdadeiramente.
Quem me conhece sabe bem que não sou “bicho-do-mato” ou da estirpe de gente anti-social, mas há qualquer coisa realmente especial no ato de correr comigo própria. Talvez o dia-a-dia seja demasiado ruidoso, demasiado cheio de gente, demasiado veloz – atenção, nenhum destes adjetivos deve ser entendido de forma negativa – e, por isso, privilegie alguns momentos só.
Como eu, há muitos corredores que apreciam correr sozinhos. Por vezes brinco dizendo que sou corredora independente. Sou uma Susana por conta d’outrém em tantas coisas – o Governo e o “patrão”, por exemplo – que procuro na corrida o modelo “por conta própria”, para equilibrar a balança.
Corredores solitários… Somos nós quem decide o horário, somos nós quem define o percurso, somos nós quem impõe o ritmo. Ouvimos a nossa música ou simplesmente os sons da natureza. Usamos o tempo para pensar no que quisermos. Ou simplesmente não pensar de todo e concentrar exclusivamente na passada e na respiração. Nós mandamos. E sabe bem.
Gabriel, não te zangues comigo, mas vou ensaiar a “devida adaptação”, numa modesta reciclagem, já que me falta 99% do teu talento e arte da poesia. Embora me considere uma corredora e não uma atleta, a segunda opção é mais melódica, pelo que será a versão selecionada para este promissor hit.
Olhei pra estrada, pra não me perder de vista
E vi um caminho solitário, seguindo sem parar
Como se fosse ele o corredor
O caminho olhou pra mim, me convidou, me convidou a entrar
Oferecendo o alcatrão, a areia e o cascalho sem pudor
E eu que não sou bruxa, mas entendo de milagre
Fui correndo sobre a estrada do jeito que só quem corre sabe
Acorde num domingo, tome o seu café
Pegue os seus ténis, tome o seu som
Reze com fé e vai correr
E vai correr!
Solitário Atleta (repetir)
Caminho doce caminho, vasto e profundo, mais vasto é o meu coração
Que não cabe nesse mundo e precisa transbordar
Sprintar não é preciso, é preciso é rolar
Nada parado, tudo em movimento
O chão é o meu tapete e o céu é o meu teto
O tapete me puxando e eu lá dentro, acelero e acelera o batimento
Devagar, devagarinho, ao longe vou chegando
Cada louco tem a sua loucura
Eu corro por isso, esquecendo a contratura
A serotonina me chama, eu não resisto
Sei que a corrida tem a sua maneira de transformar
Uma lenta tartaruga numa lebre, parece feitiço
A serotonina me chama, eu corro atrás disso
Solitário Atleta (repetir)
Acorde num domingo, tome o seu café
Pegue os seus ténis, tome o seu som
Reze com fé e vai correr
E vai correr!
Solitário Atleta (repetir)
Cheguei na serra, olhei pra serra, entrei no trilho
Entrei no trilho, olhei pra rampa, entrei na rampa
Entrei na rampa e fiz a rampa até ao fim
Entrei no trilho que corre na minha aldeia
O meu trilho não é um trilho qualquer
Do meu trilho eu saio de cabeça feita
E na minha serra uma cascata perfeita sorrindo pra mim
Mais perfeita do que a cascata mais perfeita
Adivinha meu desejo de água pura e gélida
Me observando, trilhando por aqui e por ali
Cheguei na água, entrei na água e logo mergulhei
Cada músculo e tendão das minhas pernas
Beleza da natureza, uma maravilhosa surpresa
Corredor virando sapo, um sapo com pernas de gente
Continuando, trilho abaixo, heroicamente!
Solitário Atleta (repetir)
É isso aí, é isso aí, é isso aí!

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