segunda-feira, 25 de março de 2013

Corri com o Ludovico Einaudi

Trilhos do Pastor… Será que os pastores têm uma vida tão dura assim? Tão ondulada e cheia de pedra? Valentes pastores.
Antes de adiantar mais uma linha que seja, terei naturalmente que explicar a razão de ser deste título.
Há algumas semanas atrás, o José Guimarães escreveu um artigo relatando o seu treino em Sintra com um verdadeiro fenómeno da corrida,  intitulando-o de “Corri com o Dean Karnazes“. Perceberam?!

Trilhos com pautas

Confesso que não faço ideia se o Ludovico Einaudi corre, mas pouco importa. Hoje correu comigo.
Depois do concerto na sexta-feira no CCB fiquei em modo “peixe-balão”. De coração cheio. É impressionante como o Universo se mobiliza e coloca neste mundo gente tão talentosa. Gente que coloca o seu talento ao serviço de outros, para se sentirem mais… mais de coração cheio! Todos os corredores experientes dirão que é má ideia ouvir música num treino ou prova de trilhos. Os sons da natureza merecem ser ouvidos na sua genuinidade quando temos oportunidade, dizem. Assim aconteceu nas minhas 4 anteriores experiências em trilhos. Vejo-me obrigada a discordar depois de ter vivido o que vivi hoje.

Susana, Hollywood e Analice

Durante cerca de 4 km corri ouvindo a minha respiração e passada. Troquei algumas palavrinhas com algumas caras que já vou reconhecendo de outras provas em estilo “trilhos”.
Depois… Bem, depois…
Não ouvi os sons da natureza, é certo, mas a visão ficou mais nítida e vi tudo a 5D (isto existe?).
O olfato apurou também e distingui o cheirinho de cada folha, flor, arbusto ou árvore  que me rodeava.
Quanto à audição… O piano de Einaudi, acompanhado dos violinos e da guitarra clássica fizeram-me sonhar enquanto corria. Fugia de tropas francesas que queriam dizimar índios. Fui o Daniel Day Lewis no filme “The Last of the Mohicans“. Fui uma escocesa rebelde que fugia das tropas inglesas. Fui o Mel Gibson em “Braveheart“. Fui gladiadora e vingava a morte de pobres e oprimidos. Fui o Russel Crowe em “The Gladiator“. Fui tudo isto ao som de “Life“, “Run“, “Walk“, “Experience” e, a minha preferida, “Waterways“.
Chegada a um dos pontos mais altos da prova, o Einaudi ofereceu-me o tema “
Divenire“. A Serra d’Aire e Candeeiros ofereceu-me mais de uma dezena de moinhos de vento, que “diveniram” verdadeiras bailarinas, dançando com elegância e sincronia ao som do piano e violinos.
A dada altura vi uma cabecinha ao fundo – é a Analice! Acelerei um pouco. Recolhi a música e falámos um pedacito. “A menina siga, que vai bem”, disse-me. Respondi-lhe que não tinha pressa. Voltou a insistir e acabei por passar. Voltei à minha música e, depois deste encontro, viajei até ao deserto. Que coragem.
Escusado será dizer que alguns quilómetros mais tarde, voltou a ultrapassar-me. Tentei seguir-lhe no encalço, lembrando-me que a senhora que corria à minha frente tem mais 30 anos do que eu, pelo que eu podia, no mínimo, esforçar-me um pouco mais. Não resultou. Perdia-a de vista!

Azedas e caminhos… amargos!

“Preciso do meu isotónico, onde anda ele?!”, pensei. Bem pensado, bem feito. Deparo-me com um pequeno campo pintalgado de azedas. Agarrei num molho e fui roendo alegremente. Sabem lá como gosto de azedas.
Cheguei ao abastecimento das “papinhas” sem dorsal. Havia-se soltado logo no primeiro km da prova e optei por o dobrar e prender no cinto das garrafinhas de água. Nem dei por o ter perdido. Ainda estava nas minhas justificações e palhaçada junto do elemento do controlo quando chega um atleta com o meu dorsal na mão. Estava safa. Quatro gomos de laranja e um cubo de marmelada depois, agradeci e prossegui. Bem, verdade seja dita, prossegui muito devagar porque o que me aguardava não era próprio para meninas. Para ajudar, começa a chover desenfreadamente. Subi como pude, desejando que acabasse depressa, mas havia sempre mais um pedaço para subir. Quando finalmente inicia a descida, as pernas e joelhos estão tão massacrados que o corpo prefere antes continuar a subir. Acho que desliguei depois desta parede. Depois de a subir e de a voltar a descer. Faltavam ainda 5 km. Quem corre em trilhos sabe bem que pode demorar-se uma hora a percorre-los.
E eu desconhecia o que me esperava. A criticidade do percurso que se seguia assentou na pedra e não na altimetria. Pedra, tanta pedra. Bem podiam ser aquelas redondinhas e macias que nos massajam os pés na praia, mas não. Estas pedras decidiram ser angulares, bicudas, feias, más, terríficas, odiosas. Mas não havia outro caminho. Segui. E perdi novamente o dorsal.

O cem chega finalmente à meta

Chegada à meta lá disse numa voz sumida que era o cem. “Sem número?”, perguntaram. “Não, o meu dorsal é o cem!”. Nunca um dorsal foi tão falado. Na meta esperam-me os meus amigos. Já todos chegaram, já se aprontaram e querem almoçar, pois claro.
Alguns minutos depois, tocam-me no ombro. Volto-me e lá está ele! O meu “cem”, pelas mãos do mesmo atleta, eleito o atleta-recupera-dorsais dos Trilhos do Pastor – o Manuel! Eu que sempre “despachei” os dorsais das provas para o contentor da reciclagem, guardarei este com carinho. E voltarei ao pastoreio no ano que vem. Valeu bem a pena.

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